Francisco, a tartaruga de Aquiles e os quatro cardeais. Artigo de Andrea Grillo

Mais Lidos

  • “A destruição das florestas não se deve apenas ao que comemos, mas também ao que vestimos”. Entrevista com Rubens Carvalho

    LER MAIS
  • Povos Indígenas em debate no IHU. Do extermínio à resistência!

    LER MAIS
  • “Quanto sangue palestino deve fluir para lavar a sua culpa pelo Holocausto?”, questiona Varoufakis

    LER MAIS

Revista ihu on-line

Zooliteratura. A virada animal e vegetal contra o antropocentrismo

Edição: 552

Leia mais

Modernismos. A fratura entre a modernidade artística e social no Brasil

Edição: 551

Leia mais

Metaverso. A experiência humana sob outros horizontes

Edição: 550

Leia mais

17 Novembro 2016

“De acordo com os quatro cardeais, Aquiles nunca irá alcançar a tartaruga. Ao ‘estado de pecado’ não pode seguir o ‘estado de graça’. Um papa ‘não santo’ não pode contradizer um ‘papa santo’. O mundo e a Igreja ‘são’ e não podem não ser. O devir e o movimento não são e não podem ser.”

A opinião é do teólogo italiano Andrea Grillo, professor do Pontifício Ateneu S. Anselmo, em Roma, do Instituto Teológico Marchigiano, em Ancona, e do Instituto de Liturgia Pastoral da Abadia de Santa Giustina, em Pádua.

O artigo foi publicado no seu blog Come Se Non, 15-11-2016. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

Eis a entrevista.

Por trás das opiniões expressadas na carta dos quatro cardeais sobre a Amoris laetitia, não há apenas a longa sombra de uma Igreja paralisada e engomada, mas também uma visão filosófica estática, que nega o movimento e o devir. Eles defendem o ser cristão como algo de estático, caindo ruidosamente nas contradições que Zenão de Eleia, defensor do ser parmenídico, já mostrava com clareza em um famoso "paradoxo", denominado de "Aquiles e a tartaruga". Ouçamo-lo em uma sintética apresentação:

"Aquiles, símbolo de rapidez, deve alcançar a tartaruga, símbolo de lentidão. Aquiles corre dez vezes mais rápido do que a tartaruga e lhe concede dez metros de vantagem. Aquiles corre esses dez metros, e a tartaruga percorre um metro; Aquiles percorre esse metro, a tartaruga percorre um decímetro; Aquiles percorre esse decímetro, a tartaruga percorre um centímetro; Aquiles percorre esse centímetro, a tartaruga percorre um milímetro; Aquiles percorre esse milímetro, a tartaruga percorre um décimo de milímetro, e assim por diante, ad infinitum; de modo que Aquiles pode correr para sempre, sem alcançá-la" (J. L. Borges).

Não irá desagradar ao Papa Francisco se eu recordo essa mirabolante retomada do famoso "paradoxo da tartaruga", como escrita por Jorge Luis Borges, o grande poeta argentino, em "Outras inquisições", sob o título "Metamorfose da tartaruga", onde, à sua maneira, ele percorre toda a história das milhares de variações que esse famosíssimo paradoxo de Zenão assumiu na história da nossa cultura. E Borges tira daí uma alta reflexão sobre o tema, fundamental, do regressus in infinitum como argumento filosófico.

Eu pensei nesse belo trecho quando li o texto das cinco dubia formuladas pelos quatro cardeais. Em todo o texto, aparece de modo evidente uma dificuldade de fundo, que é de caráter estrutural. Ou seja, a projeção sobre a realidade de um "modelo de pensamento" segundo o qual, assim como Aquiles não alcança a tartaruga, assim também a graça não alcança as segundas uniões, por motivos lógicos e ontológicos!

A realidade da experiência não importa nada. Ao contrário, é suspeita. Não importa que, nos fatos, todos os Aquiles alcancem e superem as tartarugas. Não importa que pode haver comunhão nas "famílias ampliadas". Importa apenas um raciocínio lógico, a seu modo convincente, mas incapaz de explicar o real.

Com essa "lógica estática" – rigorosamente contrária ao devir – pensam aqueles que chamam de "coabitantes more uxorio" homens e mulheres regularmente casados perante a lei. Como pretende ter um acesso diferente à realidade – ou seja, unicamente a lei canônica – a posição dos cardeais se emancipa do real complexo e o reconstrói abstrata e assepticamente. Tenta bater o pensamento da complexidade com um simplismo maximalista.

Com esse "argumento ontológico" invertido, dispensam a experiência. Fecham-se na pura autorreferencialidade. Excluem para a Igreja qualquer saída significativa.

Só assim os quatro signatários podem dizer, sem corar, que alimentar dúvidas sobre uma impressionante série de abstrações:

- Como se pode reconciliar com a Igreja quem – segundo eles – não é casado?

- Como se pode aceitar que seja perdoado um ato "intrinsecamente mau"?

- Como se pode viver em estado de graça se se vive em estado de pecado?

- Como se pode desmentir um papa santo como João Paulo II?

Não, de acordo com os quatro cardeais, Aquiles nunca irá alcançar a tartaruga. Ao "estado de pecado" não pode seguir o "estado de graça". Um papa "não santo" não pode contradizer um "papa santo". O mundo e a Igreja "são" e não podem não ser. O devir e o movimento não são e não podem ser. Ou, melhor, são admissíveis apenas em condições rigorosa e imutavelmente estabelecidas pelo papa santo, não pelo não santo. O que foi escrito em 1981 parece se tornar, para eles, "palavra de Deus", "verbo revelado", "verdade imutável", "pedra angular".

Portanto, a tartaruga da verdade nunca será alcançada pelo modernismo de Aquiles. A Igreja permanecerá firme na sua autossuficiência autorreferencial. Non prevalebunt. Esse é o preço alto demais que os quatro cardeais pagaram a uma teoria inadequada. Um defeito de experiência os torna substancialmente cegos. E o devir parece não ter força alguma justamente com eles.

Leia mais

Comunicar erro

close

FECHAR

Comunicar erro.

Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:

Francisco, a tartaruga de Aquiles e os quatro cardeais. Artigo de Andrea Grillo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU