No debate sobre Comunhão, Francisco opta pela descentralização

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27 Setembro 2016

Querendo ou não, ao dizer que a implementação do documento Amoris Laetitia dependia das orientações dos bispos locais, o Papa Francisco descentralizou a resolução do debate a respeito da Comunhão para os fiéis divorciados e recasados.

A reportagem é de John L. Allen Jr., publicada por Crux, 24-09-2016. A tradução é de Isaque Gomes Correa.

Na parte final da exortação apostólica Amoris Laetitia, documento papal sobre a família, o pontífice escreve que, quando os sacerdotes tiverem de fazer juízos em casos concretos como o acompanhamento pastoral a católicos divorciados e recasados no civil, eles devem fazer “de acordo com o ensinamento do Igreja e as orientações do bispo”.

É de se perguntar se ele sabia, na época, da situação conflitante de respostas que uma tal afirmação provocaria.

Desde abril, quando se publicou o documento, vários bispos e grupos de bispos do mundo todo vêm publicando orientações/diretrizes para a implementação de seu conteúdo e, examinando este cenário, claro está que eles não estão dizendo a mesma coisa.

Alguns estipulam que, embora os católicos divorciados e recasados continuam fazendo uma parte da Igreja e que devam ser acolhidos como tal, a proibição tradicional em dar-lhes a Comunhão permanece em pleno vigor.

Em graus diferentes de cautela, outros dão a entender que Amoris Laetitia realmente cria a possibilidade de se receber a Comunhão após um processo de discernimento.

Em resposta a essas reações, alguns poderão dizer que, embora os bispos estejam livres para decidir como implementar uma decisão papal, eles não estão livres para interpretá-lo de qualquer modo. Outros concluirão que, até o momento em que Francisco não alterar o Direito Canônico, os bispos têm todo o direito de aplicar as normas vigentes conforme entenderem.

Independentemente do que se pense sobre esta polêmica, uma conclusão parece inevitável: querendo ou não, o que o Papa Francisco efetivamente tem feito é optar pela descentralização em uma das questões mais controversas na vida católica hoje.

Salvo alguns esclarecimentos ou decretos de Roma, o que temos agora são bispos individuais ou agrupamentos regionais de bispos determinando se a resposta é “sim” ou “não” no território sob sua jurisdição.

Em julho, Dom Charles Chaput emitiu um conjunto de diretrizes para a implementação de Amoris Laetitia na Filadélfia. No texto, declara-se que os católicos divorciados e recasados no civil, se quiserem receber a Comunhão, estão convidados a viver como irmão e irmã e devem se abster de intimidade sexual.

Recentemente Dom Thomas J. Olmsted, de Phoenix, no Arizona, escreveu um artigo para o jornal diocesano dizendo que nada em Amoris Laetitia abre as portas para a Comunhão aos fiéis nestes casos.

No início deste mês, os bispos de Alberta e dos Territórios do Noroeste do Canadá apresentaram orientações que pareceram para dar uma visão sombria da readmissão à Comunhão, advertindo que o processo não pode ser apenas uma simples conversa rápida com um sacerdote, e que qualquer ruptura grave dos votos matrimoniais “deve ser curada antes da recepção da Sagrada Comunhão”.

No entanto, quando os bispos da região Buenos Aires lançaram, no início deste mês, um conjunto de orientações dizendo que, em alguns casos, “[Amoris Laetitia] abre a possibilidade do acesso aos Sacramentos da Reconciliação e da Eucaristia” aos divorciados que voltaram a se casar, Francisco rapidamente escreveu-lhes para felicitar dizer que “não existem outras interpretações”.

No início de julho, o cardeal italiano Ennio Antonelli, ex-presidente do Pontifício Conselho para a Família, disse que Francisco “está abrindo um canal até mesmo para a admissão à reconciliação sacramental e à Comunhão Eucarística”, e o Cardeal Christoph Schönborn, de Viena, na Áustria, um aliado-chave do papa, tem dito repetidamente que Amoris Laetitia apresenta, de fato, a possibilidade de os fiéis divorciados e recasados retornarem aos sacramentos em alguns casos.

Então o que isso quer dizer? Será que agora as regras são diferentes, digamos, em Buenos Aires e Viena em comparação com as dioceses de Fênix, Filadélfia e Alberta?

Especialistas poderão debater sobre quais são, ou deveriam ser, as regras válidas, mas o certo é que a prática provavelmente irá variar de lugar para lugar, dependendo da disposição do bispo (ou dos bispos) no comando.

Juntamente com um furor em torno do conteúdo de Amoris Laetitia, estamos vendo também um outro furor a respeito de seu impacto, e este gira em torno sobre se optar por um controle local a respeito de algo assim é, de fato, um movimento sensato.

Muitos vão dizer que, porque o debate sobre a Comunhão toca em temas tão importantes como a teologia católica do matrimônio e a compreensão da Igreja sobre a Eucaristia, permitir uma diversidade de respostas nas bases corre o risco de dissolver a unidade da fé.

Quando perguntei ao cardeal emérito Francis Arinze, da Nigéria, sobre a opção descentralizadora durante o mais recente Sínodo dos Bispos sobre a família, por exemplo, ele foi bastante crítico.

“Você vai me dizer que poderemos ter uma Conferência dos Bispos em um país que aprova algo que, em outra Conferência, seria visto como pecado? Será que o pecado vai mudar de acordo com as fronteiras nacionais? Nós nos transformaríamos em igrejas nacionais”, disse ele.

E Arinze completou: “Isso parece perigoso como nacionalizar o certo e o errado”.

Outros, no entanto, provavelmente dirão que, devido ao fato de haver realidades culturais diferentes em várias partes do mundo, permitir que pastores e bispos tenham certa amplitude em seus juízos é sensato, sem falar na necessidade de manterem-se a par com a ideia de colegialidade do Concílio Vaticano II.

Parece ter sido isso o que quis Walter Kasper quando se dirigia a um jornalista durante o primeiro Sínodo dos Bispos sobre a família, em outubro de 2014, em falou que os bispos africanos “não deveriam nos dizer o que fazer”. O que ele apareceu quer dizer é que a situação na Alemanha é diferente de grande parte da África, e uma solução que sirva para todos os casos nem sempre funciona em uma igreja mundial.

Desde a sua eleição três anos e meio atrás, o Papa Francisco disse mais de uma vez que vê a necessidade de uma “descentralização salutar” da Igreja Católica.

Se é salutar ou não depende de quem vê, mas quando se trata de Comunhão para os católicos divorciados e recasados, há poucas dúvidas de que, do jeito como as coisas estão, uma descentralização é, na verdade, exatamente o que ele apresentou.

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