"A tradição socialista na América Latina está viva", afirma economista Claudio Katz

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26 Setembro 2016

Durante o “Seminário Teoria Marxista da Dependência: um resgate do exílio”, o economista argentino Claudio Katz, participou de uma série de debates na Universidade de São Paulo, entre os dias 20 e 22 de setembro. Reconhecido pela sua militância e participação nas lutas e processos de formação política na América Latina, Katz aproveitou a visita a São Paulo para apresentar seu último livro intitulado “Neoliberalismo, neodesenvolvimentismo e socialismo”, publicado pela Fundação Perseu Abramo e a editora Expressão Popular. A conversa ocorreu na livraria da Expressão Popular, na quarta-feira (21).

A entrevista é de María Julia Giménez, publicada por Brasil de Fato, 25-09-2016.

Com foco no intenso intercâmbio de ideias que circularam na América Latina durante a última década, o livro propõe um estudo de três correntes teóricas - o neoliberalismo, o neodesenvolvimentismo e o socialismo-, revisando as posições de cada escola, suas continuidades e rupturas com seus precedentes, a partir da análise local, regional e internacional.

Em conversa com o Brasil de Fato, Claudio Katz afirmou que o texto é o resultado de experiências e debates da década passada que permitem compreender os diversos projetos que foram e continuam sendo centrais, diante da avanço neoliberal."Nitidamente, a direita está tentando uma restauração conservadora", pontuou. "É uma tentativa neoliberal que no caso do Brasil aponta e reforça as privatizações, mas na escala regional é um projeto de livre comércio", afirmou.

Eis a entrevista.

O livro se apresenta como um estudo profundo dos três modelos que foram centrais nos processos políticos da última década e que, de alguma forma, ainda disputam projetos para América Latina. Qual foi o seu objetivo quando concebeu o livro? Ele mudou diante do novo cenário regional?

Olha, o livro não foi pensado como livro. Foi o resultado da minha participação nos processos latino-americanos em fóruns e conferências. Ao longo desse período chamado de 'ciclo progressista´, eu fui elaborando diversos artigos sobre os temas que eu achava os mais relevantes. Isso me levou a escrever artigos específicos de diferentes países. Portanto, a sequência final do livro é o resultado de algo que já existia, de algo que se foi fazendo ao longo destes últimos anos. Num momento, o ano passado, cheguei a conclusão de que isso que já existia tinha que ter formato de livro. Por isso tem artigos específicos sobre Venezuela, sobre Bolívia, sobre Cuba. Os processos de Argentina e Brasil são abordados levando em conta o neodesenvolvimentismo. E as problemáticas de México, Peru e Chile são tratadas dentro do neoliberalismo. É uma combinação de experiencias e debates políticos da década passada. Acho que desde o ano 2015, se produz uma mudança chave na situação latino-americana que é a restauração conservadora, o avanço da direita, especialmente com o triunfo de [Mauricio] Macri na Argentina, a destituição da Dilma [Rousseff] no Brasil, e a tentativa cada vez mais evidente de derrubar o [Nicolás] Maduro na Venezuela. Isso faz com que se discuta o fim do ciclo progressista e o reinicio do ciclo neoliberal. A prioridade temática do livro, agora é novamente o neoliberalismo. Quando foi escrito, provavelmente, eu dirigi a minha atenção ao neodesenvolvimentismo e as experiências populares que abriam debates sobre o socialismo. Bom, na batalha contra esta nova tentativa neolibera l, aquilo que parecia secundário quando eu escrevia, hoje passa a ter maior importância.

Justamente, a primeira parte do livro é dedicada ao neoliberalismo. Você fala de variantes dentro desta matriz de pensamento. De que se trata o retorno ao neoliberalismo ao que estamos assistindo? Como dialoga com aquele neoliberalismo que vivemos pós Consenso de Washington?

Primeiro, temos que analisar a situação com cautela. Acabou de começar e não sabemos que consistência vai ter. Não é um processo sobre o qual podemos fazer previsões ou balanços. Nitidamente, a direita está tentando uma restauração conservadora. O que isso tem em comum com os ano 90, com o período neoliberal que já vivemos? Em primeiro lugar, existem parâmetros muito semelhantes: liberalização da economia, abertura da econômica, flexibilização trabalhista. A diferença é que se tenta aplicar esse modelo num contexto econômico internacional muito adverso. E isso converte esse projeto em algo muito problemático, porque não estamos diante de um ciclo de boom das matérias-primas. É uma tentativa neoliberal que no caso do Brasil aponta o reforço às privatizações, mas na escala regional é um projeto de livre comércio, que aponta a Aliança do Pacifico. Tem em comum que EUA tem um mercado cativo, e usa esse mercado preso para melhorar suas negociações internacionais.Outro elemento distinto é que é um neoliberalismo muito baseado em mitos republicanos de defenestração do populismo, mas com uma mensagem muito segurado na grande mídia. Portanto, a batalha contra o populismo nos meios de comunicação assume formas discursivas e ideológicas diferentes do passado e com um grau significativo de penetração na classe média.

A segunda parte do livro é o neodesenvolvimentismo. Que balanço pode se fazer dos últimos dez anos na América Latina? Como foi possível um retorno ao neoliberalismo? Ou nunca se saiu da hegemonia neoliberal?

Na década passada tivemos mudanças de governos. Os governos de centro-esquerda são diferentes aos da direita. Houve mudanças no modelo econômico – o neodesenvolvimentismo é diferente ao modelo neoliberal – mas não houve nenhuma transformação na estrutura econômica destes países. Nesse terreno houve mais continuidade que rupturas com o período anterior. E essas continuidades, e a manutenção das antigas estruturas produtivas, de dependência e sub-desenvolvimento, acabaram barrando a tentativa de gerar modelos inclusivos e redistributivos. Eu acho que esses governos tiveram limites e não procuraram se apoiar no movimento social, acabaram engolidos pelas suas próprias impotências.

Quando iniciamos a década dos 90, o filósofo conservador Francis Fukuyama defendia que no mundo o socialismo havia acabado. Com diferentes intensidades, na última década, parece que ele ressurgiu como horizonte. O que ocorre hoje com o projeto socialista?

Veja, o neoliberalismo da década dos 90 se firmava na caída da URSS e na ideia de que o socialismo estava enterrado para sempre e o capitalismo ia ter uma vida eterna. Eu acho que passados 10, 15, 20 anos o cenário é muito diferente. Esse neoliberalismo já não volta num contexto de expectativas generalizadas nas potencialidades do capitalismo, nem também não num momento em que a URSS acabou de cair. Isso já foi processado, já foi equilibrado. E o que vemos na última década é um reabilitação do projeto socialista mundial em vários lugares, em vários movimentos, que permite retomar às novas gerações um fio condutor não perdido. No meio, a Revolução Cubana tem persistido como ligação entre o passado e o futuro. Isso faz com que a tradição socialista na América Latina esteja viva e seja um projeto sólido para as novas gerações do futuro.

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