Enfrentamento por direito à cidade

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01 Julho 2016

Juan Duhalde, diretor do Centro de Pesquisa Social da organização não governamental Um Teto para Meu País, destaca que “o direito à cidade é essencial para se alcançar uma mudança de modelo e não reprodução do atual, que vela pela rentabilidade de uma elite e não pelo bem-estar coletivo”.

A reportagem é de Emilio Godoy, publicada por Envolverde/IPS, 29-06-2016.

A declaração da terceira Conferência das Nações Unidas sobre Habitação e Desenvolvimento Urbano Sustentável (Habitat III), que deverá ser aprovada em outubro, em Quito, no Peru, fez colidir, novamente, as posições do Norte industrializado e do Sul em desenvolvimento.

As do Sul defendem a inclusão no documento do direito à cidade, o financiamento da Nova Agenda Urbana que se originará da reunião, e a reestruturação da ONU Habitat para que isso se concretize. Por outro lado, o bloco encabeçado por Estados Unidos, Japão e os países da União Europeia procura minimizar esses temas.

Para representantes de organizações da sociedade civil, esses temas devem ser materializados na Declaração de Quito sobre Cidades Sustentáveis e Assentamentos Humanos Para Todos, cujo rascunho é debatido pelos Estados membros em uma série de reuniões prévias.

Juan Duhalde, diretor do Centro de Pesquisa Social da organização não governamental Um Teto para Meu País, afirmou à IPS que esses temas são “fundamentais” e devem ser incluídos na discussão paraque se concretizem em um plano de ação. “São as linhas gerais que vão promover políticas públicas nacionais. A única forma é que estes compromissos gerem acordos futuros e de longo prazo. Agora é mais uma discussão política, que pode ficar curta em relação ao que se deve avançar”, apontou.

Duhalde destacou que “o direito à cidade é essencial para se alcançar uma mudança de modelo e não reprodução do atual, que vela pela rentabilidade de uma elite e não pelo bem-estar coletivo”. A brecha ficou evidente durante a primeira rodada de conversações informais intergovernamentais, realizada em Nova Yorkentre os dias 16 e 20 de maio, e seguirão sendo motivo de debate durante outra série de sessões informais, a primeira delas de três dias, entre 29 de junho e 1º de julho.

No caminho da Habitat III, que acontecerá na capital do Peru entre os dias 17 e 20 de outubro, Equador e França presidem em conjunto as negociações preparatórias, enquanto Filipinas e México são os facilitadores do processo. Brasil, Chile, Equador e México encabeçam um bloco que promove a cidade que, junto com os mecanismos de acompanhamento da declaração, o financiamento da Nova Agenda Urbana e os meios de execução, são os assuntos mais importantes dos encontros.

Para os meios de aplicação, se busca a criação de um fundo para que os países em desenvolvimento fortaleçam suas capacidades. O direito à cidade, assim batizado pelo filósofo francês Henri Lefebvre (1901-1991) no livro homônimo de 1968, abarca o exercício simultâneo dos direitos dos habitantes da cidade, como a alimentação, moradia, migração, saúde, educação, ambiente, espaços públicos, participação política, não discriminação, entre outros.

Lorena Zárate, presidente da organização não governamental Coalizão Internacional para o Habitat, com sede regional no México, defende a inclusão da produção social do habitat na declaração, que não é mencionada abertamente no rascunho.“Queremos que seja incluída. Se não, seria não reconhecer a metade ou um terço do que está construído no mundo. Mas há pouco espaço para negociar coisas novas, porque há medo de reconhecê-las e será preciso chegar a um consenso”, pontuou a especialista argentina participante das reuniões em Nova York.

Esse conceito reconhece todos aqueles processos geradores de espaços habitáveis, componentes urbanos e moradias, que são realizados sob controle de autoprodutores e outros agentes sociais que operam sem fins lucrativos.

O rascunho da declaração, cuja versão mais recente é do dia 18 deste mês, emprega o conceito “cidades para todos”, e reconhece que este é assumido por alguns países como o direito à cidade, “buscando garantir que todos os habitantes sejam capazes de viver, usar e produzir cidades justas, includentes, acessíveis e sustentáveis, que existem como um bem comum essencial para a qualidade de vida”.

Os Estados parte ressaltam que a ONU Habitat deve garantir “acompanhamento coordenado, um monitoramento eficaz e o informe da execução da Nova Agenda Urbana”. Também enfatizam a importância de seu fortalecimento e convidam a Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU) a “garantir recursos financeiros, estáveis, adequados e previsíveis, e melhorar a habilidade do órgão para desenvolvercapacidades em nações em desenvolvimento, no desenho, planejamento, aplicação e manejo sustentável de assentamentos urbanos e de outros tipos”.

Além disso, solicitam que a ONU Habitat prepare “um informe de progresso periódico” sobre a aplicação da Nova Agenda Urbana, para promover uma análise qualitativa e quantitativa do progresso realizado. O processo de preparação do informe deve incorporar as visões dos governos nacionais, subnacionais e locais, bem como o sistema das Nações Unidas, organismos multilaterais, sociedade civil, setor privado, comunidades e outros grupos e atores não estatais.

O esboço integra seções sobre prosperidade sustentável e inclusiva e oportunidades para todos, desenvolvimento urbano sustentável para a inclusão social e erradicação da pobreza, desenvolvimento urbano ambientalmente adequado e resiliente, planejamento e gestão do desenvolvimento urbano espacial,e meios de aplicação, acompanhamento e revisão.

“É uma telenovela dramática. Agora tentamos apresentar ideias para dar força à proposta do direito à cidade. No rascunho o tema está claro, queremos que continue assim”, enfatizou à IPS um funcionário latino-americano que participa das negociações. “Os Estados Unidos e a China não querem um texto que se refira aos direitos humanos”, acrescentou, pedindo para não ser identificado.

O rascunho deve ficar definido durante a reunião do comitê preparatório da Habitat III (PrepCom3) na Indonésia, entre os dias 25 e 27 de julho, de modo que os Estados a aprovem na conferência de Quito. Para evitar a repetição das sequelas das conferências de Vancouver, em 1976, e Istambul, 20 anos depois, de não avaliar seu cumprimento, Duhalde e Zárate coincidem em formular um programa de acompanhamento integral.

“É necessário estabelecer metas de longo prazo que gerem indicadores de gestão mensuráveis por governos e atores sociais, que levem em conta a experiência da produção social do habitat, a população que vive em assentamentos informais, e que construa cidades com suas capacidades e habilidades”, ressaltou Duhalde. “O que interessa é a geração de evidência e a promoção da pesquisa sobre problemas reais no território para gerar soluções”, acrescentou.

Para Zárate, não se pode avançar no debate de uma nova agenda sem revisar o cumprimento da anterior. “Revisar o que é novo e o que continua vigente, o que se cumpriu e o que não foi cumprido, porque sim, porque não e quais são os atores. Nunca houve mecanismos claros de monitoramento nem priorização”, afirmou. “Insistimos para que isso não se repita. Mas não vão incluir metas ou indicadores, não há muita clareza sobre mecanismos de acompanhamento e monitoramento”, destacou.

O funcionário latino-americano que não quis ser identificado relativiza os alcances imediatos da cúpula. “A Habitat III será apenas uma referência. No dia 21 de outubro não trará grandes mudanças. Os governos nacionais farão o que lhes ocorrer fazer, com seus próprios recursos, suas próprias forças, sua governança”, pontuou. 

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