Uma onda de protestos coloca Hollande em xeque

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Por: André | 27 Mai 2016

“A greve nas refinarias e os problemas com a distribuição de combustíveis obrigaram o Estado a utilizar suas reservas estratégicas ao mesmo tempo em que, de forma inesperada, a CGT lançou um amplo movimento de greve nas centrais nucleares”, escreve Eduardo Febbro em artigo publicado por Página/12, 26-05-2016. A tradução é de André Langer.

Eis o artigo.

Os protestos contra a reforma da lei trabalhista desembocaram na França em uma crise maior que ultrapassa em muito as manifestações que vêm acontecendo desde o dia 31 de março passado e, inclusive, o nascimento do movimento de ocupação das praças Nuit Debout. A greve nas refinarias e os problemas com a distribuição de combustíveis obrigou o Estado a utilizar suas reservas estratégicas ao mesmo tempo em que, de forma inesperada, a CGT lançou um amplo movimento de greve nas centrais nucleares.

De acordo com Alain Vidalies, secretário de Estado para os Transportes, pouco mais de 20% das estações de serviço da França têm dificuldades de abastecimento. Além da distribuição de combustíveis e de energia nuclear, os ferroviários, a aviação civil, os portuários e os caminhoneiros irão aderir nos próximos dias a esta onda de greves convocada principalmente pela CGT e à qual se associaram outros grandes sindicatos.

A trama da impugnação da reforma de uma lei que modifica alguns pontos até agora intocáveis do mundo do trabalho teve complicações quando a própria CGT anunciou que pelo menos 16 das 19 centrais nucleares existentes na França tinham votado a favor de uma greve que começou neste dia 26 de maio. A central sindical convocou um movimento de ação “o mais forte possível”.

Desde a última terça-feira, já houve focos de paralisação em várias centrais que deixaram sem energia três regiões do país. O primeiro ministro francês, Manuel Valls, denunciou na Assembleia Nacional estas convocações de greve como “chantagens” e disse que não era a CGT que “faz as leis na França”. Governo e sindicatos jogam neste conflito seu próprio jogo.

Com a reforma da lei trabalhista, o Executivo resolve o antagonismo entre as duas esquerdas que acompanhou todo o mandato do socialista François Hollande. Entre a chamada esquerda social e a esquerda reformista liberal, o chefe de Estado e seu primeiro ministro optaram pela segunda. Os sindicatos, por sua vez, em plena crise de representatividade e com um passivo de militantes cada vez mais eloquente, entram na briga para demonstrar que seguem vivos e com um forte poder de mobilização.

Como ressalta em um editorial o semanário de esquerda Le Nouvel Observateur, “a taxa de adesão sindical na França é uma das mais baixas da Europa e o patronato local segue sendo sem dúvida um dos mais arcaicos”. O Executivo navega entre a fragilidade de ambos e insere sua reforma nesse contexto. O mundo sindical percebe, no entanto, uma oportunidade de capturar a bandeira opositora, atrás da qual boa parte da sociedade fecha fileiras.

Uma sondagem realizada pela consultoria Elabe indica que 69% dos franceses são favoráveis à retirada da reforma trabalhista para evitar assim “um bloqueio de todo o país”. A mesma pesquisa traz, além disso, um dado que os sindicatos leram com muita atenção: 59% dos franceses indicam François Hollande e Manuel Valls como “os principais responsáveis pelas tensões” porque “recusam introduzir novas modificações ao projeto de lei”. Esta, no entanto, já foi aprovada de forma expeditiva pelo chefe do Executivo.

Valls recorreu ao artigo 49.3 que lhe permite aprovar uma lei por decreto, ou seja, sem debate parlamentar. A divisão entre os deputados socialistas é tamanha que era muito provável que a reforma da lei não passasse pelo Congresso. No caso de ter de passá-la por esta casa, o governo teria ficado em minoria. Valls evitou a queda, mas não resolveu as discórdias que, a um ano das eleições presidenciais de 2017, desfiguraram a esquerda francesa. Entre reformistas que se autoqualificam de modernos e socialistas tratados pelos primeiros de viverem em um museu do passado, as relações foram estremecidas.

Agora o conflito aumentou. A CGT e o outro sindicato importante que apóia as greves, a Força Operária, afirmam em uníssono que não têm a mínima intenção de “parar” o movimento. Quanto a Philippe Martinez, o secretário-geral da CGT, este promete que “irão até o final e sem limites”, ou seja, até que o Executivo retire ou modifique substancialmente a reforma trabalhista.

O certo é que a nova batalha entre o governo e os sindicatos começa a ameaçar os setores chaves da economia. Dois terços das pouco mais de 12 mil estações de serviço com que o país conta atravessam sérios problemas de fornecimento. O fato de que a CGT tenha conseguido envolver nos protestos os trabalhadores das centrais nucleares é tanto mais decisivo quanto que a energia nuclear cobre 75% das necessidades elétricas da França. Das 12 mil estações de serviço, quatro mil viram seu fornecimento perturbado e decidiram limitar a venda de combustíveis para 20 litros por veículo

É preciso remontar à reforma do sistema de aposentadorias da França feita pelo então presidente Nicolas Sarkozy (2007-2012) para encontrar uma crise semelhante e, sobretudo, o fato de que se teve que tocar nas reservas estratégicas do país para cobrir as necessidades vitais. Assim como teria feito a direita, Valls qualificou os problemas de distribuição de combustíveis e as paralisações nas refinarias de “ilegais”.

O primeiro ministro avisou que o Estado vai agir com “firmeza” para estabilizar a situação. O anúncio e as medias de forças decididas para levantar as barreiras em aproximadamente 19 refinarias e depósitos tiveram o efeito contrário. A resposta sindical foi uma insurreição ainda maior, com mais problemas na distribuição. O quadro chegou a tal extremo que as diferentes organizações patronais da França dirigiram-se ao governo alertando-o que se está chegando a um extremo inadmissível e que já há várias fábricas que, por falta de combustíveis, estão “vendo sua existência ameaçada”.

O confronto social entrou em uma zona muito densa. Diante de um governo que repete que não mudará a lei, a ação sindical passou do antagonismo das ruas, ou seja, as manifestações e as ações testemunhais, ao ataque contundente do coração da economia.

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