Em livro, Ruy Braga expõe resistência do precariado ao neoliberalismo

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10 Setembro 2017

Em tempos de precarização de direitos trabalhistas, crise econômica e silêncio nas ruas, Ruy Braga, professor da Universidade de São Paulo (USP) e especialista em sociologia do trabalho, lança seu olhar aos trabalhadores urbanos fragilizados do chamado Sul global.

A partir de comparações etnográficas em Portugal, África do Sul e Brasil, Braga constata que, apesar dos efeitos negativos, a difusão do neoliberalismo, da mercantilização do trabalho e da terra promovem consequentes resistências populares.

A crise da globalização neoliberal iniciada em 2008 e seus resultados nas semiperiferias é fundamentada no livro A rebeldia do precariado (Editora Boitempo), lançado neste sábado 9.

 

Sobre o caso brasileiro, o cientista social argumenta que “a lógica das políticas socioeconômicas impostas pelo governo ilegítimo de Michel Temer só é compreensível a partir do jogo de forças necessário à ampliação do precariado urbano, pois são orientadas pelos ataques à proteção trabalhista e previdenciária que afastam os trabalhadores dos direitos sociais”.

A entrevista foi concedida à Beatriz Drague Ramos e publicada por CartaCapital, 09-09-2017.

Eis a entrevista.

Quem compõe o precariado do Sul global?

É basicamente formado pelos setores das classes trabalhadoras e das classes médias em vias de proletarização localizados em sociedades semiperiféricas, que oscilam entre o aprofundamento da exploração econômica e a ameaça da exclusão social e que, portanto, são mais diretamente atingidos pelo recrudescimento da mercantilização do trabalho, das terras urbanas e do dinheiro que acompanhou a crise da globalização após 2008.

O sindicalismo é tratado com grande ênfase no livro. Como comparar o sindicalismo brasileiro atual com o sindicalismo português e sul-africano?

Nos últimos dez anos, o sindicalismo português renovou-se em diálogo com as demandas dos jovens, das mulheres e dos trabalhadores precários, além de liderar um histórico ciclo de greves gerais contra as políticas de austeridade impostas pela Troika em acordo com o antigo governo de Passos Coelho.

Os sindicatos sul-africanos, refiro-me ao Cosatu, sobretudo, sempre mantiveram seu apoio ao governo do Congresso Nacional Africano (ANC), mesmo quando o ANC decidiu implementar políticas privatizantes e neoliberais. Como resultado, tivemos a participação ativa do sindicato dos mineiros, o NUM, no massacre de Marikana em agosto de 2012, a expulsão do sindicato dos metalúrgicos, o NUMSA, e o aumento da tensão no sindicalismo de base com a criação de novos sindicatos, como o dos carteiros de Johanesburgo, por exemplo.

Eu diria que o sindicalismo brasileiro tem oscilado de uma “posição sul-africana” de apoio a governos genericamente neoliberais para uma “posição portuguesa” de maior abertura aos trabalhadores precários e oposição aberta a um governo austericida por meio, inclusive, do recurso à greve geral. Nos três países analisados no livro, Portugal, Brasil e África do Sul, procurei destacar que a auto-organização política dos trabalhadores precários, sobretudo, os mais jovens, foi um fator de dinamização do movimento sindical tradicional.

As profundas mudanças no sindicalismo são resultado da queda da consciência de classes?

Sim. No mundo todo, cito estes dados no livro, as taxas de sindicalização são declinantes. Trata-se de uma tendência ligada à globalização do capital que, nos últimos 30 anos, revolucionou a oferta de força de trabalho ao conduzir centenas de milhões de trabalhadores chineses e indianos para o mercado mundial, comprimindo o valor da força de trabalho e aprofundando a competição pelo emprego entre os próprios trabalhadores em diferentes países.

Além disso, tivemos o colapso das experiências socialistas burocráticas o que produziu um efeito ideologicamente deletério sobre as formas tradicionais de solidariedade classista. A colaboração entre os trabalhadores organizados em sindicatos e o jovem precariado urbano é a única maneira de reverter a atual tendência de declínio do sindicalismo.

Como a competitividade diária nas fábricas e empresas tem impactado nas perspectivas de futuro do precariado brasileiro?

Trata-se de uma situação politicamente muito delicada, pois não podemos esquecer que, nas últimas décadas, a sociedade brasileira aumentou os investimentos em educação, inclusive em nível superior, formando uma geração mais escolarizada e que agora vê suas expectativas de progresso ocupacional por meio da aquisição de qualificações frustradas pela precarização do trabalho.

O mercado de trabalho brasileiro transformou-se num mecanismo de produção de ressentimentos sociais em massa. E isso vai piorar muito quando os efeitos da reforma trabalhista começarem a surgir.

Muito tem se falado a respeito da despolitização geral dos trabalhadores no Brasil. Como você avalia esse diagnóstico?

Entendo que, durante os governos de Lula e Dilma, ocorreu um processo mais ou menos generalizado de desmobilização dos movimentos sociais, em especial, do movimento sindical no país. Tratou-se da generalização de uma forma de fazer política que colocou mais ênfase nas negociações com o governo federal, os políticos, os empresários, etc, do que na organização das bases dos sindicatos.

Em suma, apostou-se numa solução burocrática dos conflitos sociais e não na auto-organização dos trabalhadores. E isso produz certa despolitização. Por muito tempo, tendeu-se a pensar, mais ou menos assim: “O governo é nosso e vai nos favorecer”.

Como o marxismo do [geógrafo David] Harvey utilizado em seu livro pode nos auxiliar na análise da reforma trabalhista e da terceirização instituídas por Temer e pelo Congresso?

O golpe trabalhista imposto ao país pelo governo ilegítimo de Michel Temer é um exemplo clássico daquilo que David Harvey, nas trilhas teóricas de Rosa Luxemburgo, chamou apropriadamente de “acumulação por espoliação”. Ou seja, tendo em vista a crise econômica, governos e empresas buscam restaurar a acumulação capitalista por meio da mercantilização de direitos sociais. Quando você desmonta a proteção trabalhista você comprime o valor da força de trabalho, barateando os custos das empresas, inclusive aqueles custos rescisórios assegurados pela CLT.

Vale observar que o conceito de acumulação por espoliação não se restringe à proteção do trabalho, abarcando a mercantilização das terras, da natureza e do dinheiro. Taxas de juros exorbitantes que sequestram a renda dos trabalhadores e a entrega de áreas de proteção ambiental para a exploração da indústria de mineração também são bons exemplos de acumulação por espoliação.

A precarização do trabalho e a exclusão social possuem fatores originários na era Lula?

Do ponto de vista do mercado de trabalho, a era Lula foi marcada por uma “combinação esdrúxula”, para lembrarmos uma expressão de Chico de Oliveira, entre formalização e precarização.

Por que?

Como os motores da acumulação nacional deslocaram-se da indústria de transformação para a indústria pesada, construção civil, mineração, serviços e setor financeiro, o país experimentou uma etapa de multiplicação de empregos que pagam até 1,5 salário mínimo. Além disso, por serem semi-qualificados, estes empregos passam por ciclos de intensificação do trabalho e de degradação das condições de produção bastante conhecidos pela literatura especializada que produzem um aumento da rotatividade, uma compressão salarial e, portanto, um aprofundamento da precarização.

Talvez a melhor maneira de ilustrar esta situação seja lembrar que durante os governos petistas, o emprego terceirizado no país saltou de 2,3 milhões, em 2002, para 12,7 milhões, em 2014. A maior parte desses empregos é formal, porém, ainda assim, paga muito mal e é marcadamente precário.

O que as greves de 2016 e de 2017 revelaram no Brasil?

O balanço das greves de 2016 no país revelou que a classe trabalhadora continua muito ativa em termos grevistas, o número total de greves medido pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (DIEESE) é ligeiramente superior ao de 2013, porém, o perfil destas greves é agudamente defensivo, geralmente associado à revisão de demissões e à perda de direitos trabalhistas. Ou seja, o montante ainda é notável, mas são greves mais ligadas às perdas e não aos avanços da organização dos trabalhadores.

A grande novidade é que em 2017 tivemos uma greve geral nacional claramente política muito bem sucedida e que paralisou 30 milhões de trabalhadores, o que demonstra que este instrumento pode ser ainda muito útil na interpelação dos governos e na defesa dos direitos sociais.

No livro, a união dos trabalhadores não só em escala nacional, mas também em nível global, é vista como recurso positivo para a defesa efetiva dos direitos sociais. Quais são os principais desafios atuais para uma união definitiva destes trabalhadores?

O primeiro grande desafio consiste em aproximar organizacionalmente os trabalhadores precários dos trabalhadores sindicalizados. Para tanto, é necessário um impulso no sentido da desburocratização dos sindicatos e, consequentemente, de uma aproximação das lideranças do movimento sindical de suas bases, em especial, dos setores mais explorados e espoliados.

Em segundo lugar, é necessário que este novo sindicalismo supere suas dificuldades estratégicas e consiga articular-se internacionalmente, em um movimento coerente capaz de promover campanhas internacionais de solidariedade capazes de pressionar diferentes empresas e governos em nome dos interesses mais gerais dos trabalhadores.

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