Igreja das Filipinas surge como principal partido de oposição

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21 Agosto 2017

Desde que o presidente durão Rodrigo Duterte confortavelmente ascendeu ao poder no último verão, estima-se que quase 8 mil pessoas tenham sido mortas por violência causada pela guerra às drogas, principalmente rapazes, em bairros pobres. Os bispos católicos tornaram-se líderes da oposição, e evidências apontam uma crescente luta pelo futuro do país.

A reportagem é publicada por Crux, 20-08-2017. A tradução é de Luísa Flores Somavilla.

Com uma aprovação de quase 80% do presidente durão Rodrigo Duterte e com seus adversários políticos aparentemente desorganizados e atordoados, há fortes indicativos de que a Igreja Católica nas Filipinas, na verdade, esteja rapidamente se tornando o principal, se não o único, partido de oposição do país.

Após uma semana em que a violenta guerra às drogas de Duterte bateu um novo recorde de letalidade, com 81 supostos "suspeitos de envolvimento com drogas" mortos no total, incluindo um menino de 17 anos, os bispos do país surgiram, mais uma vez, como os críticos morais mais declarados do presidente.

O bispo José Oliveros de Malolos - na província de Bulacan, a cerca de 11km ao norte de Manila, onde 32 das 81 mortes ocorreram na semana passada - considerou a maioria dos casos fatais como "mortes extrajudiciais" de forma direta, apesar da rejeição feroz de Duterte e seus apoiadores ao uso desse termo.

"Estamos todos preocupados com o número de homicídios relacionados a drogas na província, porque são, em sua maioria, se não todos, assassinatos extrajudiciais", disse Oliveros.

Na quarta-feira, Duterte irradiou orgulho ao falar sobre a repressão em Bulacan: "É lindo. Se pudéssemos matar 32 pessoas por dia, talvez conseguiríamos reduzir o que aflige o país."

Ele sugeriu que o motivo de pelo menos alguns assassinatos pode ter sido uma tentativa de dar a Duterte o que ele queria.

"Não sabemos a motivação da polícia, por que cometeram os assassinatos em um dia só... talvez para impressionar o presidente, que queria mais", disse.

Enquanto isso, o bispo Pablo Virgilio David, de Caloocan, cidade que faz parte da grande Manila, foi ainda mais incisivo nas críticas, comparando com o abuso de direitos humanos e o autoritarismo do ditador Ferdinand Marcos nos anos 70 e 80.

"Durante o mandato de Marcos, a palavra 'comunista' era usada como 'rótulo e justificativa' para sequestros e assassinatos", afirmou. "Agora, são 'suspeitos de envolvimento com drogas'. Não conheço nenhuma lei em nenhuma sociedade civilizada que diga que uma pessoa merece morrer por ser 'suspeito de envolvimento com drogas'."

Caloocan era onde morava um estudante de ensino médio de 17 anos chamado Kian Loyd Delos Santos, morto em Manila na noite de quinta-feira em outra operação antidrogas. A polícia inicialmente alegou que ele foi baleado depois de atirar contra policiais, mas testemunhas relataram que viram a polícia colocar uma arma na mão de Santos à força e obrigá-lo a correr antes de atirar contra ele e matá-lo.

Três policiais foram suspensos devido ao incidente, que ainda não havia sido investigado.

David advertiu aos conterrâneos filipinos, muitos dos quais tinham elogiado a abordagem radical de Duterte, que eles poderiam ser os próximos.

"Vocês podem se surpreender ao encontrar seu nome na lista qualquer dia desses", declarou. "Qualquer um pode ser considerado ‘suspeito de envolvimento com drogas’."

David foi eleito vice-presidente da Conferência dos bispos das Filipinas na última reunião do grupo, em julho.

"A mãe de uma das vítimas me disse que sabiam que eram pessoas 'sem valor', que ninguém os defenderia", disse David. "É como se tivéssemos aceitado o discurso de que os usuários de drogas merecem morrer".

Com certeza, a questão das drogas não é o único âmbito em que os bispos católicos têm problemas com Duterte. Recentemente, por exemplo, um de seus principais aliados promoveu uma medida de legalização do divórcio (as Filipinas são atualmente o único Estado do mundo sem leis de divórcio, além do Vaticano) e do casamento entre pessoas do mesmo sexo.

No entanto, não há dúvidas de que a guerra às drogas é a principal fonte de conflitos. Desde que o presidente durão Rodrigo Duterte confortavelmente ascendeu ao poder no último verão, estima-se que quase 8 mil pessoas tenham sido mortas por violência causada pela guerra às drogas, principalmente rapazes, em bairros pobres. Algumas dessas mortes aconteceram pelas mãos de grupos de vigilantes, que o governo não apoia oficialmente, mas que afirmam ter o apoio tácito de Duterte.

Em uma série de relatórios no ano passado, a agência de notícias da Reuters descobriu que a polícia tinha uma taxa de 97% de assassinatos nas operações de drogas, considerada, até o momento, a principal prova de que a polícia estava sumariamente baleando suspeitos de envolvimento com drogas.

Em uma carta pastoral de fevereiro passado, a conferência dos bispos afirmou que o governo está criando um "reino de terror".

"Uma grande fonte de preocupação é a indiferença de muitos perante esse tipo de erro", escreveram. "É considerado algo normal e, ainda pior, que (segundo eles) precisa ser feito".

A campanha de Duterte prometia uma agressiva repressão ao crime, e as drogas, particularmente, foram foco absoluto ao longo do ano passado. De acordo com uma análise recente do Philstar.com, um dos principais sites de notícias, ele mencionou o tema das drogas ilícitas em 247 de seus 304 discursos como presidente.

Embora até agora a estratégia tenha gerado forte apoio popular, também trouxe condenações internacionais e críticas mordazes de grupos defensores dos direitos humanos. No entanto, até agora a Igreja Católica foi a única instituição com profunda influência social na região a organizar a resistência.

As organizações da Igreja ofereceram treinamento de aconselhamento sobre o luto a trabalhadores pastorais e arrecadaram fundos para cobrir os enterros das vítimas e as despesas diárias dos sobreviventes. Algumas paróquias católicas chegaram a virar santuários, oferecendo refúgio para pessoas que constam em listas de vigilância de drogas na região, que muitas vezes são a base para novas medidas repressivas da polícia, e outras paróquias deslocaram famílias inteiras para províncias distantes.

Muitos grupos católicos também lançaram programas de recuperação e reabilitação para usuários de drogas, promovendo o tratamento como uma alternativa mais humana à violência.

O Rise Up é um grupo formado por funcionários e voluntários da Igreja que oferece aconselhamento, serviços funerários e empréstimos sem juros para ajudar as famílias que perderam entes queridos. A Igreja também tem uma parceria com o Free Legal Assistance Group, grupo de assistência jurídica gratuita que é o maior órgão de advogados de direitos humanos do país. Eles treinam agentes pastorais na coleta de relatos de testemunhas oculares sobre supostas brutalidades e casos de força excessiva da polícia, juntamente com cópias da polícia oficial e relatórios de autópsia.

Embora sejam inevitáveis as comparações com o movimento do "Poder Popular" da década de 80, quando a Igreja Católica liderou uma revolta nacional que tirou Marcos do poder, observadores dizem que a situação nas Filipinas hoje é bem diferente.

Por um lado, a própria autoridade moral da Igreja foi desgastada por uma série de escândalos de corrupção e de abusos. No final de julho, por exemplo, um pároco católico foi preso em uma cidade que compõe a grande Manila a caminho de um hotel com uma garota de 13 anos, supostamente após ter marcado um encontro sexual com ela através de mensagens de texto.

Depois que vários bispos denunciaram o número de mortes da semana passada na guerra contra as drogas, houve uma reação nas redes sociais das Filipinas destacando esses escândalos.

Esse desdém público a líderes da Igreja teria sido quase impensável durante a época do Poder Popular, liderado pelo lendário Cardeal Jaime Sin, de Manila.

Além disso, observadores católicos dizem que apesar de o posicionamento dos bispos ser razoavelmente sólido, isso não acontece em todo o clero e definitivamente não se aplica a todos os leigos católicos. Noventa por cento do país é católico; portanto, obviamente, muito do apoio a Duterte vem desse grupo.

O padre Joselito "Bong" Sarabia, pároco e conselheiro, declarou recentemente que alguns colegas sacerdotes votaram nele e ainda o apoiam, enquanto outros optaram por não se pronunciar por medo de possíveis retaliações de vigilantes ou ataques on-line dos apoiadores de Duterte.

Apesar de tudo isso, os sinais apontam para um crescente conflito entre as forças de Duterte e os bispos a respeito do futuro do país.

"Não podemos permitir que os assassinatos continuem", disse, recentemente, o novo vice-presidente da Conferência dos Bispos. "Vamos perder a consciência e a alma."

Duterte, por sua vez, descartou com rispidez as críticas dos bispos em várias ocasiões e nada indica que vá voltar atrás.

No segundo discurso do Estado da Nação, em julho, declarou: "Decidi que, não importa quanto tempo leve, a luta contra as drogas ilícitas continuará. ... A luta será incessante e implacável. Apesar das pressões internacionais e locais, a luta não se deterá."

"As alternativas", disse ele, alertando de forma ameaçadora a quem estivesse na lista de suspeitos, "são cadeia ou inferno".

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