Fidel Castro. O lado B da lenda viva

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16 Agosto 2016

A vida do lendário comandante da Revolução Cubana é um torvelinho de vivências. Em sua longa vida, Fidel Castro desenvolveu uma relação especial com o mundo da arte, da ciência e do esporte, e viveu para contá-la.

A reportagem é de Gustavo Veiga e publicada por Página/12, 13-08-2016. A tradução é de André Langer.

A inabarcável vida de Fidel Castro talvez exceda os 26 milhões de resultados que aparecem no Google quando se digita seu nome no espaço virtual. Não se trata de uma questão meramente biológica porque hoje [13 de agosto] completa 90 anos. Que são muitos, está claro. A vida do lendário comandante da Revolução Cubana é um torvelinho de vivências que se poderia começar a escrever a partir de um longo diálogo com Ignacio Ramonet.

Em 2006, caíram juntos os 80 anos do seu entrevistado e o aparecimento do seu livro Biografia a duas vozes. Nele, o jornalista e catedrático espanhol conta como o autodidata Fidel aprovisionou seus primeiros saberes: “Eu aprendi a ler e a escrever vendo os outros fazendo travessuras”. Seus pais eram analfabetos e incorporaram a leitura somente na maturidade. No sítio da família de Birán situado no oriente da ilha – hoje Província de Holguín – o líder da barba quijotesca era Titín, o terceiro de sete irmãos.

Daquela infância entre canaviais Fidel tirou seus primeiros ensinamentos e experiências que aplicou ao longo da sua vida, não alheia a múltiplos perigos e trapaças. A CIA esboçou a maioria dos 638 atentados que sofreu. Todos desbaratados pelo eficiente serviço secreto cubano e o instinto de sobrevivência do próprio Castro. A televisão da ilha estreou em 2010 uma série de oito capítulos intitulados Aquele que deve viver.

Fidel sobreviveu a cada tentativa de assassinato e é por isso que hoje celebra uma vida de filme. De fato, são alguns os atores que o interpretaram no cinema. O estadunidense Jack Palance e um disparate fílmico Che e no qual o mítico Guevara foi incorporado por Omar Sharif (1969). Também o mexicano Demián Bichir, que se identifica com o pensamento do cubano e o recriou em outro filme de mesmo nome, mas que estreou em 2009: “Che”, de Steven Soderbergh. Em ambos, Castro cede o papel protagônico ao guerrilheiro argentino, uma curiosidade da filmografia. Anthony Lapaglia, Alen Von Barger e John Kobylka são outros que vestiram as roupas de Fidel.

A relação do líder cubano com a arte e seus artistas está cheia de marcas. Poderia situar-se primeiro na lista sua breve relação com Ernest Hemingway. Eles se conheceram na ilha em 15 de maio de 1960 e mantiveram uma breve amizade que ainda não foi investigada muito a fundo. Ada Rosa Alfonso, diretora do Museu que leva o nome do escritor em Cuba, recordou em 2010 – quando se cumpriram os 50 anos daquele célebre encontro – que o romancista entregou um troféu de pesca a Fidel por ter capturado cinco peças. Hemingway era aficionado aquela atividade contemplativa.

Pouco mais de um ano depois, Castro pronunciou um dos seus habituais e longos discursos no teatro Charles Chaplin, que em 1975 passou a se chamar Karl Marx, como é conhecido até hoje. Ali confessou: “Sempre senti uma grande admiração pelos escritores e pelos artistas. Possivelmente seja, entre outras coisas, pelo pouco que eu tenho de escritor e pelo pouco que tenho de artista”.

Uma das lembranças mais sentidas e próximas pertence a Silvio Rodríguez. O sítio www.cubadebate.cu reproduz a estas horas o encontro que mantiveram o líder revolucionário e o cantor em novembro de 1996. Fidel tinha 70 anos e Silvio completava 50. Em seu blog pessoal, o músico contou a inesperada visita que recebeu em sua casa: “Fidel me trazia um livro de fotografias que tinha sido publicado naqueles dias. Seu título é Cem Imagens da Revolução Cubana, e em uma delas aparecíamos os dois, sentados em um sofá, com gestos parecidos. Evidentemente, me dedicou o livro. Quando terminou de escrever observou suas palavras e me disse que teria gostado de colocar algo mais poético. A dedicatória dizia: “Para Silvio, meu entranhável, irmão inesquecível”. Por ocasião dos seus 90 anos, o autor de Meu Unicórnio Azul disse agora: “Teria gostado de lhe devolver aquela visita”.

Outros intérpretes musicais dedicaram-lhe músicas, desde Carlos Puebla e sua mítica “E nisso chegou Fidel”, até o caramelizado e não despojado de certo realismo político Ricardo Arjona, que o menciona em Se o Norte fosse o Sul ou Ela e Ele. Canta “Fidel seria um atleta correndo bolsas por Wall Street...”.

No livro de Ramonet, este personagem de grande importância na história do século XX recordou que se converteu “em autodidata, pode-se dizer, até na matemática, na álgebra, na física, na geometria, nas teorias aquelas, e depois, além disso, tinha a sorte de que tirava boas notas”. A relação próxima de Fidel com a ciência possivelmente decorre daqueles primeiros passos na fazenda paterna de Birán. Um ano depois de entrar triunfante em Havana e antes que se iniciasse a Campanha de Alfabetização, afirmou em um discurso: “O futuro da nossa Pátria tem que ser necessariamente um futuro de homens de ciência, de homens de pensamento”.

Ratificou essa ideia com as dificuldades que vivia – e vive – a ilha e a consolidação do rumo socialista que a revolução cubana tomou. Em 1991, em plena queda da ex-União Soviética, comentou: “A independência não é uma bandeira, ou um hino, ou um escudo. A independência não é questão de símbolos. A independência depende do desenvolvimento, da tecnologia, da ciência no mundo de hoje”. Nestes dias de relações diplomáticas de novo tipo com os Estados Unidos, a biotecnologia cubana é um dos seus principais orgulhos.

O comandante do mítico uniforme verde oliva se veria incompleto se não tivesse forjado seu temperamento no esporte que sempre reivindicou em sua etapa de formação e inclusive como chefe de Estado. Em 30 de abril de 1974, no Hotel Havana Livre, Fidel confessou à delegação de atletas cubanos: “Se eu tivesse nascido hoje, sabem o que gostaria de ser? Atleta”.

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