Vozes que desafiam. O ministério feminino, beguinas e Mechthild de Magdeburgo

Representação de uma beguina. Fonte: Gomeres | Fundación Index

Por: Cleusa Maria Andreatta, Susana Rocca, Wagner Fernandes de Azevedo | 07 Agosto 2019

Os movimentos de releituras e análises feministas dos evangelhos possibilitam cada vez o resgate de figuras de mulheres e a importância de seu papel no movimento de Jesus.

Entre elas, Maria Madalena desponta como modelo de seguidora fiel e como liderança forte e independente na igreja primitiva. O resgaste de mulheres discípulas e colaboradoras de Jesus possibilitou enfocar modelos de ministério que vão além do ministério exclusivamente masculino, mostrando que “o seguimento a Jesus se dá através da solidariedade com quem sofre, a partilha com quem pouco ou nada tem, a hospitalidade a quem necessita e a aceitação de quem é excluído”, aponta a teóloga luterana Wanda Deifelt.

Na mesma perspectiva, estudos de diferentes áreas de pesquisa nos permitem hoje reconhecer o protagonismo das mulheres na existência cristã, tanto no campo da mística quanto da prática. Como afirma a teóloga estadunidense Phylis Zagano, “As vocações ministeriais femininas diferiram ao longo dos séculos, mas existiram em todos os tempos e em todas as localidades”.


Obra "Le Petit Béguinage de Gand" (O pequeno beguinário de Gand), de Louis Tytgadt, 1886.

Exemplo disso foi o movimento medieval das beguinas: "o ímpeto para realizar os trabalhos diaconais então abandonados da Igreja sobreviveu nos ministérios destas mulheres contemplativas ativas, que frequentemente provocaram a ira dos bispos”, destaca Zagano.

Vídeo de Maria José Caldeira do Amaral sobre as beguinas, enviado especialmente ao IHU

Além da peculiaridade dos ministérios que exerceram, algumas beguinas também se destacam “pela singularidade de sua mística e espiritualidade caracterizadas pelo modelo do pathos de Maria Madalena”, diz Maria José Caldeira do Amaral, doutora em Ciências da Religião.

Mechthild, de Magdeburgo, é uma dessas mulheres que viveram a forma de vida extraclaustro. Nascida em 1207, em uma localidade próxima Magdeburgo, na Alemanha, mudou-se para a cidade que a identifica aos 23 anos. Escreveu sete livros que constituem sua obra Das FlieBende Licht der Gottheit (A luz fluente da deidade, em português). O último deles iniciou em 1270, no ano em que entrou no convento, e o encerrou no ano de sua morte, em 1282.


Representação de Mechthild de Magdeburg. Fonte: wORKINGaRTs

Como relata Maria Caldeira, Mechthild temia que seus livros fossem queimados, pois “ela não sabia o latim e seu alemão também era frágil, ela escrevia e dizia tudo o que dizia porque o amor de Deus a levara a escrever”. Mechthild, tal qual outras beguinas, destoavam da mística monástica, masculina. Sua linguagem “erótica e sensual” era “precisa” para falar da união com Deus, o “mais justo dos amantes”.

Maria Caldeira sintetiza que “o nervo vital da obra de Mechthild está constelado na metanoia de sua linguagem mística amorosa. O amor é um elemento epistêmico, não mais importante do que a deidade; é a linguagem própria de Deus mesmo”. E nas palavras da própria Mechtild “todo nosso conhecimento, sem o fogo do amor, é arrogância e hipocrisia”.

Sem esforço o amor flui de Deus para o homem como um pássaro que
plana no ar sem mover as asas. Assim nos movemos neste mundo um
em corpo e alma, embora externamente separados na forma quando a
fonte toca a nota, a humanidade canta – O Espírito Santo é nosso
harpista, e todas as cordas que são tocadas com amor, devem soar”.
Mechthild de Magdeburg

A série Vozes que Desafiam. Mulheres na Igreja produzida pela equipe de Teologia Pública do Instituto Humanitas Unisinos tem como objetivo recuperar e visibilizar figuras de mulheres e contribuir no reconhecimento do lugar delas na vida da Igreja.

Abaixo compartilhamos entrevistas e artigos publicados pelo Instituto Humanitas Unisinos – IHU que reforçam o debate sobre o ministério feminino.
 

Mechthild de Magdeburgo, mestra e mãe da mística renana. Entrevista especial com Maria José Caldeira do Amaral

As mulheres místicas “romperam o silêncio no qual estavam reduzidas e abrigaram Deus, em si mesmas, em seus corpos e em suas almas à espera do nada. E, nessa espera, tornaram-se vencidas e aniquiladas para encontrar o verdadeiro silêncio emitido pelo abismo e compreender a experiência humana completa, carnal e espiritual e, consequentemente, a denominaram de incompreensível”. 

Para Mechthild de Magdeburgo, “o amor e a misericórdia divina são, no mínimo, proporcionais à vida miserável do homem”. Essa “mestra e mãe da mística renana” defendia que “todo o nosso conhecimento, sem o fogo do amor, é arrogância e hipocrisia”, afirma Maria José.

Maria José Caldeira do Amaral, mestre e doutora em Ciências da Religião pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC-SP, autora do livro Imagens de plenitude na simbologia do Cântico dos Cânticos (Educ/PUC/Fapesp, 2009).

Leia na íntegra: parte 1 e parte 2.

 

Beguinas, mulheres que conduziam o ministério feminino. Artigo de Phyllis Zagano

Estas mulheres não faziam votos, ainda que, em muitos aspectos, suas vidas ecoavaram o diaconato feminino que diminuiu durante a Idade Média e pressagiaram a vida religiosa apostólica ativa, como ela se desenvolveu no século XVII.

O ímpeto para realizar os trabalhos diaconais então abandonados da Igreja sobreviveu nos ministérios destas mulheres contemplativas ativas, que frequentemente provocaram a ira dos bispos. A representação do ministério apostólico feminino feita pela autora ao longo dos séculos e países demonstra as formas como as mulheres encontraram para servir.

Phyllis Zagano tem doutorado em Teologia na State University of New York at Stony Brook, é pesquisadora sênior e professora de Religião na Universidade Hofstra, em Hempstead, NY, EUA. Em agosto de 2016, papa Francisco nomeou-a para a Comissão Papal sobre Mulheres no Diaconato.

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Diáconas na Igreja Maronita. Artigo de Phyllis Zagano

O estudo examina a inclusão de diáconas nos cânones do Sínodo Nacional do Monte Líbano de 1736, que formalizou a latinização da Igreja Maronita, dispondo sobre a codificação de sua lei específica. Os cânones foram aprovados in forma specifica pelo papa Clemente XII e jamais foram modificados ou anulados, evidenciando, assim, a legitimidade de ordenar diáconas na Igreja Católica.

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Diaconisas há longos séculos. Artigo de Gianfranco Ravasi

“O diaconato feminino seria um ministério eclesial ‘instituído’ ou um ministério ‘ordenado’, como ocorre com os diáconos masculinos, que permanecem como tais de modo permanente ou que se destinam, depois, ao sacerdócio? E ainda: quais seriam as funções litúrgicas e pastorais a serem atribuídas a elas?”

Gianfranco Ravasi é cardeal italiano e presidente do Pontifício Conselho para a Cultura.

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O diaconato feminino e a biopolítica ''católica'' sobre as mulheres. Artigo de Alessandro Santagata

O corpo das mulheres ainda é o campo de uma biopolítica que é exercida em uma Igreja em que as mulheres são uma maioria que não governa em uma comunidade que cada vez menos entende tudo isso.

Alessandro Santagata é historiador e professor da Universidade de Roma Tor Vergata.

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Mulheres e diaconato: um debate sem fim. Artigo de Massimo Faggioli

O papel das mulheres na Igreja agora é algo importante em toda a Igreja de um modo que não era nos anos 1970. Não é mais um problema apenas no hemisfério Norte; ele está sendo discutido na África, na Ásia e na América Latina. E a discussão provavelmente continuará e crescerá em intensidade, não importa qual seja a posição do papa sobre o assunto.

A boa notícia é que tanto o debate teológico sobre as diáconas quanto o sensus fidei na Igreja global não são o que eram nos anos 1970. Hoje é improvável que Roma possa se safar rejeitando pedidos para o ministério diaconal das mulheres simplesmente apontando para a falta de consenso sobre as descobertas históricas. As pessoas estão exigindo melhores respostas agora.

Massimo Faggioli é doutor em História da Religião e professor de Teologia e Estudos Religiosos da Universidade de Villanova, na Filadélfia, Estados Unidos.

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Mulher, ministério e tradição eclesial. Artigo de Andrea Grillo

É possível perguntar-se se a Igreja não poderia ser considerada habilitada a uma mudança no acesso ao ministério que se confronta com uma tradição que: - não é fundamentada em uma palavra explícita de Jesus, que nada disse sobre o tema do ministério feminino; - está enraizada em uma prática que justificou a exclusão da mulher com argumentos que são muito fracos ou, inclusive, irrepetíveis; - pode gerar um benefício subjetivo para as mulheres batizadas e um benefício objetivo para uma respeitabilidade mais ampla e capilar do sacramento.

Andrea Grillo, é teólogo, professor do Pontifício Ateneu Santo Anselmo, em Roma, do Instituto Teológico Marchigiano, em Ancona, e do Instituto de Liturgia Pastoral da Abadia de Santa Justina, em Pádua.

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Confira os outros artigos da série.