Mulheres e diaconato: um debate sem fim. Artigo de Massimo Faggioli

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13 Junho 2019

“O papel das mulheres na Igreja agora é algo importante em toda a Igreja de um modo que não era nos anos 1970. Não é mais um problema apenas no hemisfério Norte; ele está sendo discutido na África, na Ásia e na América Latina. E a discussão provavelmente continuará e crescerá em intensidade, não importa qual seja a posição do papa sobre o assunto.”

A opinião é do historiador italiano Massimo Faggioli, professor da Villanova University, nos EUA, em artigo publicado por Commonweal, 10-06-2019. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

Eis o texto.

No dia 10 de maio, o Papa Francisco participou de uma longa sessão de perguntas e respostas no Vaticano com a forte União Internacional das Superioras Gerais (UISG), com 850 mulheres, reunidas para a sua 21ª assembleia plenária. Foi um momento importante na história do ministério feminino na Igreja Católica. O encontro ocorreu três anos após a última reunião em 12 de maio de 2016, que resultou na decisão de Francisco de criar uma comissão de estudos sobre o diaconato das mulheres, anunciada em agosto de 2016.

Em maio passado, diante da assembleia das superioras gerais, Francisco anunciou que o resultado da comissão de estudos era inconclusivo, pois ainda não havia nenhum consenso entre os membros sobre a natureza do diaconato das mulheres na Igreja primitiva. O papa entregou à presidente da UISG, Ir. Carmen Sammut, uma cópia do relatório da comissão, que ainda não foi publicado.

Esse é apenas o capítulo mais recente de uma história que começa no pontificado de Francisco com o Sínodo dos Bispos de outubro de 2015, quando o bispo canadense e ex-presidente da Conferência dos Bispos do Canadá, Paul Durocher, propôs a ordenação das mulheres como diáconas. Agora já se passaram quase quatro anos, e a questão não foi embora.

De fato, o debate sobre o assunto está em curso há meio século. Seguindo uma proposta feita durante o Sínodo dos Bispos de 1971, Paulo VI, em maio de 1973, criou uma “comissão especial de estudos sobre as mulheres na sociedade e na Igreja”. Ela foi composta por 25 membros: 15 mulheres e 10 homens (incluindo tanto padres quanto leigos). O secretário encarregado pela comissão era um bispo italiano muito próximo de Paulo VI, Enrico Bartoletti (1905-1976). Ele foi assistido por uma leiga australiana, Rosemary Goldie (1916-2010), a primeira mulher a atuar em um papel executivo na Cúria Romana. Na época, ela era a subsecretária do Pontifício Conselho para os Leigos e uma das auditoras autorizadas a acompanhar os trabalhos do Vaticano II em 1964.

Inicialmente, a comissão de Paulo VI sobre as mulheres parecia ter um mandato muito limitado: ela deveria durar apenas um ano, e sua missão não era clara. A Cúria Romana não escondeu sua hostilidade ao projeto. Quando a comissão começou seus trabalhos, alguém da Cúria vazou um memorando à imprensa, que deixava claro que a comissão não abordaria a questão da ordenação de mulheres. O memorando insistia que a comissão se ocuparia apenas da questão das mulheres no “apostolado”, e não das mulheres no “ministério”.

A comissão entregou um relatório interino ao Sínodo dos Bispos de 1974, enquanto as tensões cresciam entre as mulheres membros da comissão e Paulo VI. Em agosto de 1975, o arcebispo Bartoletti enviou um memorando a Paulo VI solicitando que o papa fornecesse uma explicação teológica e eclesiológica para a regra contra a ordenação de mulheres, apontando para a insuficiência de um julgamento baseado apenas na disciplina e na tradição.

Isso foi durante o período em que a Inter insigniores estava sendo elaborada. Essa declaração da Congregação para a Doutrina da Fé, publicada no ano seguinte, negava formalmente às mulheres o acesso ao sacerdócio. Em suma, todo o contexto eclesiástico no qual a comissão de mulheres devia fazer seu trabalho era hostil a qualquer mudança sobre a questão das mulheres e do ministério. Um motu proprio anterior, Ministeria quaedam (1972), que instituía os ministérios do leitorado e do acolitado, também excluía as mulheres. A Comissão Teológica Internacional, que havia publicado um documento sobre o ministério sacerdotal em 1970, foi convidada a preparar um relatório sobre as mulheres no diaconato, que nunca foi publicado.

O trabalho da comissão de Paulo VI sobre as mulheres também foi obstruído pelo abismo crescente entre o papado e os círculos ultraconservadores em torno do arcebispo francês Marcel Lefebvre. Dois membros francófonos da Cúria expressaram abertamente sua oposição a dar às mulheres um papel maior no ministério: o arcebispo canadense Edouard Gagnon, que mais tarde se tornou o emissário do papa para Lefebvre, e o Pe. Louis Ligier, SJ, professor da Universidade Gregoriana de Roma que estava encarregado em preparar o primeiro esboço da Inter insigniores.

Essas bases do magistério dos anos 1970 levaram à carta apostólica Ordinatio sacerdotalis, de João Paulo II, de 1994, que afirmava que “a Igreja não tem absolutamente a faculdade de conferir a ordenação sacerdotal às mulheres, e que esta sentença deve ser considerada como definitiva por todos os fiéis da Igreja”.

Vale a pena notar que a Ordinatio sacerdotalis é sobre as mulheres no sacerdócio, e não sobre as mulheres no diaconato. Por outro lado, o documento conjunto da Congregação para a Doutrina da Fé, a Congregação para o Clero e a Congregação para o Culto Divino de 2001 também fechou a porta para um diaconato das mulheres. E um documento de 2002 sobre o diaconato publicado pela Comissão Teológica Internacional pareceu trancá-la. João Paulo II tentou silenciar o debate, e a eleição de Bento XVI foi assumida por muitos como a prova de que o debate sobre mulheres e ministério na Igreja Católica havia terminado. Mas a questão não desapareceu.

A história da comissão de Paulo VI e suas consequências nos ajuda a entender a atual situação da comissão sobre as diáconas. Em primeiro lugar, a comissão criada por Francisco tinha (ou tem, se é que ela ainda existe) mais liberdade do que a “comissão sobre as mulheres” do início dos anos 1970, que teve que lidar não apenas com o ensinamento papal que parecia desencorajar seu trabalho, mas também com toda a Cúria.

Hoje a situação é diferente: o establishment eclesiástico-teológico está agora muito mais dividido do que há 40 anos. Há um ano, o prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, o cardeal Luis Ladaria, SJ, publicou "A propósito de algumas dúvidas sobre o caráter definitivo da Doutrina da Carta Apostólica Ordinatio sacerdotalis", enfatizando a continuidade desde João Paulo II a Francisco do magistério contra a ordenação das mulheres ao sacerdócio, mas não ao diaconato.

Mas, entre os bispos – sem falar de todo o povo de Deus, incluindo os teólogos –, há uma grande variedade de opiniões sobre as diáconas, uma variedade mais ampla do que nos anos 1970. Nas últimas duas ou três décadas, e especialmente durante os pontificados de João Paulo II e de Bento XVI, o debate sobre as diáconas permaneceu limitado principalmente aos especialistas, mas a reflexão teológica apoiando o diaconato das mulheres e a atual situação ecumênica (algumas Igrejas ortodoxas recentemente reintroduziram as diáconas) são muito mais favoráveis para tal desenvolvimento na Igreja Católica do que nos anos 1970.

O papel das mulheres na Igreja agora é algo importante em toda a Igreja de um modo que não era nos anos 1970. Não é mais um problema apenas no hemisfério Norte; ele está sendo discutido na África, na Ásia e na América Latina. E a discussão provavelmente continuará e crescerá em intensidade, não importa qual seja a posição do papa sobre o assunto.

Mas a Igreja Católica hoje também está mais dividida do que nos anos 1970. No Vaticano II, por exemplo, Paulo VI adotou uma linha de defesa firme que Francisco não pode adotar por causa dos efeitos do pontificado de Bento XVI – especialmente sobre questões litúrgicas intimamente relacionadas ao debate sobre o diaconato.

Apesar das severas críticas de Francisco ao clericalismo, ele está novamente em ascensão, sacralizando o sacerdócio hierárquico como um “ordo”. A tendência estava longe do clericalismo nos anos 1970, não em relação a ele. O debate sobre as mulheres no ministério tem que enfrentar o mesmo problema do tradicionalismo com o qual Paulo VI teve que lidar, mas, naquela época, o tradicionalismo de Lefebvre estava mais isolado. Agora, o tradicionalismo tornou-se dominante entre certos grupos de jovens católicos, incluindo padres e seminaristas jovens. Esses jovens tradicionalistas e seus partidários no alto clero formariam uma forte resistência contra qualquer proposta de reintrodução das diáconas.

Em resumo, a Igreja Católica tem agora uma teologia mais forte sobre as diáconas do que durante a época de Paulo VI, mas as condições políticas para tal desdobramento são menos auspiciosas agora. Mesmo assim, Francisco disse que devemos continuar a discussão . Como podemos garantir que essa discussão não leve aos mesmos impasses que levou nos anos 1970?

Um primeiro passo seria publicar todos os relatórios sobre o diaconato das mulheres, começando por aqueles comissionados nos anos 1970 e incluindo os comissionados por Francisco. A discussão precisa ser uma discussão aberta, se quiser chegar a algum lugar.

Um segundo passo seria tornar a discussão sinodal – o que exigiria um sínodo ad hoc sobre as mulheres na Igreja. Por que um sínodo? Porque a discussão deve ser não apenas sobre a história do ministério das mulheres (área reservada aos especialistas), mas também sobre a teologia. Uma comissão de especialistas pode e deve ir só até aí nessa questão.

Eu repito aqui o que escrevi em 2016 antes do anúncio da comissão por Francisco: devemos nos desiludir em relação à crença ingênua de que o acordo sobre a evidência histórica das diáconas e o papel do diaconato na Igreja primitiva pode resolver essa controvérsia. Apelos à história raramente são conclusivos nos debates teológicos e podem facilmente sair pela culatra. São os católicos tradicionalistas, e não os progressistas, que supostamente acreditam que algo é legítimo apenas na medida em que não é novo.

A boa notícia é que tanto o debate teológico sobre as diáconas quanto o sensus fidei na Igreja global não são o que eram nos anos 1970. Hoje é improvável que Roma possa se safar rejeitando pedidos para o ministério diaconal das mulheres simplesmente apontando para a falta de consenso sobre as descobertas históricas. As pessoas estão exigindo melhores respostas agora.

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