24 Março 2018
"E nós? E as nossas Igrejas? O que esse modelo eclesiológico representa para nós? Em outras “gotas” teremos a oportunidade de voltar sobre o assunto", escreve Frei Marcos Sassatelli, frade dominicano, doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP) e professor aposentado de Filosofia (UFG).
Para refletir sobre o modelo eclesiológico da II Conferência Geral do Episcopado Latino-americano e Caribenho de Medellín (1968) - a “3ª gota” - sirvo-me da leitura - análise e interpretação - desse importante acontecimento, feita pelo teólogo Clodovis Boff.
O maior fruto da Assembleia de Medellín “foi ter dado à luz a Igreja latino-americana e caribenha como latino-americana e caribenha. Os Documentos de Medellín representam o ‘ato de fundação’ da Igreja da América Latina e Caribe a partir e em função de seus povos e de suas culturas”. Esses textos “constituem a ‘carta magna’ da Igreja do Continente.
Relendo hoje os documentos de Medellín “fica-se impressionado com o vigor e a audácia de sua expressão, ou, para dizer numa palavra, com seu ‘pathos profético’, típico dos textos originários e fundantes de uma tradição. Aquilo é linguagem de verdadeiros ‘Pais da Igreja’, Pais da Igreja latino-americana e caribenha como tal (Pe. José Comblin)”.
Até Medellín, “a Igreja no Continente era a reprodução do modelo da Igreja europeia, em seu modo de organização, em sua problemática teológica e em suas propostas pastorais. Era uma ‘Igreja-reflexo’ e não uma ‘Igreja-fonte’ (Pe. Henrique. de Lima Vaz)”.
Portanto, podemos dizer que “a Igreja latino-americana e caribenha, mais que ser Igreja da América Latina e do Caribe, era Igreja europeia na América Latina e no Caribe”, ou seja, “uma Igreja em estado de minoridade, tutelada, privada de sua legítima autonomia institucional”. Em outras palavras, a Igreja do Continente, até Medellín, “era substancialmente a extensão da Igreja europeia na América Latina e no Caribe”.
De fato, “num primeiro momento, a Igreja na América Latina e Caribe foi uma Igreja ibérica, espanhola ou portuguesa que fosse. Era, no sentido cultural do termo, uma Igreja ‘colonial’”.
Os grandes Sínodos realizados na América Latina no século XVI, como o do México e o de Lima, “são meras aplicações do Concílio de Trento ao novo Continente. De resto, Trento foi um Concílio extremamente eurocêntrico: ele não viu a América Latina e o Caribe e não disse uma palavra sequer da trágica realidade da destruição dos povos e culturas ameríndias, também pela ausência naquele Concílio dos bispos do Novo Mundo e de sua voz própria”.
Num segundo momento, temos na América Latina e Caribe uma Igreja ‘romanizada’, que era “um modelo de Igreja extremamente centralizado no clero, na prática dos sacramentos e nas devoções de santos recentes e ‘oficiais’, destacando-se a devoção ao Sagrado Coração de Jesus. O I Concílio Plenário Latino-Americano, realizado em Roma em 1899, representou a aplicação direta do Vaticano I ao Continente”.
Foi com o Concílio Vaticano II “que se deram as condições de emergência de uma Igreja continental em sua originalidade e em sua diferença em relação ao modelo da Igreja europeia”. O Vaticano II significou a "deseuropeização" da Igreja e sua abertura verdadeiramente "católica" (Karl Rahner).
À época da realização de Medellín, “quando os modelos de desenvolvimento e os primeiros Regimes de Segurança Nacional, como o do Brasil, não conseguiam mais esconder sua verdadeira natureza elitista e opressiva, várias Igrejas latino-americanas estavam questionando sua aliança secular com o poder. Medellín, no caminho aberto pelo Vaticano II, que rompeu a ‘aliança constantiniana’ (M.-D. Chenu), foi decisivo para dar à Igreja da AL o perfil de uma Igreja livre do poder, próxima dos pobres e companheira do povo em sua caminhada libertadora. No Brasil em particular, com o documento do Regional Centro Oeste da CNBB ‘Marginalização de um povo’ e o documento do Nordeste II ‘Ouvi os gritos do meu povo’, a Igreja marcava, de modo resoluto, sua ruptura com o Poder e ao mesmo tempo sua aproximação com o povo pobre”. A Igreja da América Latina e do Caribe “se caracteriza por ser uma ‘Igreja social’: uma igreja profética, dos pobres e libertadora”.
Medellín “constitui ou foi o verdadeiro ‘divisor de águas’ na história da Igreja do Continente, de tal modo que se pode falar do ‘antes de Medellín’ e do ‘depois de Medellín’. Os bispos que fizeram aquela Conferência estavam conscientes da importância histórica daquele momento. Na ‘Introdução às Conclusões’ proclamam explicitamente uma "nova época da história" e a definem precisamente em termos de ‘libertação’”.
As três marcas que constituem a identidade do modelo eclesiológico de Medellín são: a Opção pelos Pobres, a Teologia da Libertação e as Comunidades Eclesiais de Base (CEBs).
A Opção pelos Pobres (Empobrecidos, Excluídos e Descartados) indica o caminho que devemos seguir para sermos a Igreja de Jesus de Nazaré: uma Igreja a partir da “manjedoura” e de tudo o que ela significa hoje.
A Teologia da Libertação é a leitura - análise e interpretação - à luz da Palavra, que as Comunidades cristãs e seus teólogos fazem da Práxis (Teoria e Prática) de Libertação.
As Comunidades Eclesiais de Base (CEBs) são Comunidades “encarnadas” na vida do povo, são um jeito novo e, ao mesmo tempo, antigo de ser Igreja. São “o primeiro e fundamental núcleo eclesial” ou “a célula inicial da estrutura eclesial” (Medellín, XV, 10), que transformam a Paróquia em “um conjunto pastoral unificador das Comunidades de Base” (ib. 13).
E nós? E as nossas Igrejas? O que esse modelo eclesiológico representa para nós? Em outras “gotas” teremos a oportunidade de voltar sobre o assunto.
Fonte: Clodovis Boff. A originalidade histórica de Medellín.
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Medellín em gotas. 3ª- Modelo eclesiológico - Instituto Humanitas Unisinos - IHU