Na hora derradeira do Mestre, às margens do Tiberíades, de um lugar chamado Magdala ergue-se a figura dessa mulher, ainda entregue a experiência humana do amor, que insiste em não abandonar Jesus.
“Madalena é a mulher do primeiro anúncio, da notícia de que a Vida vence a morte, de que a tumba é um lugar de passagem, portal para o Encontro com Ele que Vive e é Presença que aguarda, cotidianamente, que tenhamos epifanias próprias acerca da natureza desse inabalável Amor”, escreve Elis Machado na reflexão a seguir, preparada para a Festa de Santa Maria Madalena, anualmente celebrada no dia 22 de junho.
A reflexão é de Elisângela P. Machado, IFB, religiosa da Congregação das Irmãs Franciscanas Bernardinas. Ela é mestra em Filosofia, doutora em Teologia Sistemática, com ênfase em Espiritualidade e Mística. Possui pós-doutorado em Teologia Espiritual, investigações a respeito da espiritualidade das Ammas do Deserto.É diretora da Casa de Retiros São Bernardino em Viamão, RS. Assessora de Retiros.
Leituras bíblicas do dia
Ct 3,1-4a ou 2Cor 5,14-17
Sl 62(63),2.3-4.5-6.8-9 (R. 2b)
Jo 20,1-2.11-18
“Agora, porém, assim diz YHWH, Aquele que criou você, Aquele que formou você, não tenha medo, eu o protegi e chamei pelo nome, você é meu”. (Is 43, 1)
A Boa Nova, somente será propagada à sério, por aqueles e aquelas que se deixarem conhecer, tocar e transformar por Deus. Isso demanda proximidade, intimidade, fidelidade, comprometimento e anúncio. Maria Madalena é a mulher que, em sua magnitude, atinge elevada compreensão espiritual daquilo que Deus em Jesus lhe solicita. Por isso, ela ocupa, mesmo sob o punho pesado de uma eclesiologia patriarcal que insiste em invisibilizar o seu protagonismo feminino, um lugar de honra que é todo seu.
Em contrapartida, aos evangelhos que descrevem a dispersão dos discípulos na hora derradeira do Mestre, às margens do Tiberíades, de um lugar chamado Magdala ergue-se a figura dessa mulher, ainda entregue a experiência humana do amor, que insiste em não abandonar Jesus. A perplexidade diante do túmulo vazio a impulsiona a chamar os outros (Jo 20, 2), que por sua vez, também perplexos, se lançam em busca de averiguações e a deixam sozinha, de pé, bem como, anteriormente, diante da cruz – mergulhada na Experiência.
Naquele instante, Madalena mergulha o seu olhar de assombro no profundo da tumba escura em busca de seu Deus, tão humano, tão próximo, palpável e, ela chora, a ausência de seu Corpo naquele vazio em aberto (Jo 20,11). Em seu pranto está o transbordar da dor diante de tudo o que gostaríamos de reter, possuir para sempre, mas, que nos escapa, porque nada nem ninguém nos pertence. Aquele que havia lhe resgatado o propósito de existir, em sua condição de mulher num contexto sociorreligioso brutal e preconceituoso, desapareceu, lhe foi roubado.
Por isso chorava Madalena, por isso choramos juntos dela, sem ao certo saber que lastimamos, muitas vezes, por nós mesmos, em nossa insegurança e incapacidade de acolher o que o profundo quer manifestar, porque o Novo irrompe sempre no inesperado estranhamento. A tumba em que Madalena se deteve perplexa, é espaço privilegiado que nos solicita adentramento e transcendência. Sem dúvida, se constata em nossos dias, cada vez mais, a necessidade vital de profundidade, da coragem de contemplar o vazio, para assim, reconhece-Lo e escuta-Lo pronunciar o nosso nome e e acolher o envio que Ele nos comissiona. É preciso a determinação de Madalena, quando o Deus que amamos revelar-se totalmente Outro, muito mais fulgurante, envolvente, amoroso.
Em seu ato permeado de humano amor, uma nova Experiência acontece, a do Amor Redentor que a irá enaltecer para sempre quando pronunciar o seu nome (Is 43, 1-4), numa compreensão infinda de sua fragilidade ao não reconhece-Lo de imediato (Jo 20, 14-15). Afinal, poucos somos os que O reconhecem de imediato no peregrinar de nossas vidas. Madalena é a mulher do primeiro anúncio, da notícia de que a Vida vence a morte, de que a tumba é um lugar de passagem, portal para o Encontro com Ele que Vive e é Presença que aguarda, cotidianamente, que tenhamos epifanias próprias acerca da natureza desse inabalável Amor.
Ela não foge. No temor e no tremor da experiência ela O escuta e Ele a chama. Este reconhecimento é gerado, todos os dias, no centro de cada um de nós, naquele lugar em que sentimos que nosso nome é invocado. Naquela realidade que se expande quando nosso olhar é capaz de contemplar, não somente o vazio da tumba, a ausência aparente daquilo que nos salva e anima, mas, que nos desperta e faz com que contemplemos todo o entorno e sejamos capazes de responder à pergunta: por que choras? (Jo 20, 13).
Quando Jesus se revela e diz: não me segures (Jo 20, 17), é a sutileza da graça que admoesta ao humano que tenha cautela, que antes, se desprenda do que insistimos em segurar e compreender racionalmente. O Mistério nos permite a aproximação, à medida em que não o limitamos ou o diminuímos, em formulações que atravancam o Caminho e impedem o Encontro com a Misericórdia. Madalena experienciou o que o poeta, teólogo, sufi, Rumi (Séc. XIII) descreve em seus versos: Tua respiração tocou a minha alma e pude ver além de todos os meus limites.
Madalena é a mulher que introduz em nossas vidas o dinamismo da Ressurreição, ela inaugura e anuncia algo que jamais seremos capazes de reter seja com as nossas mãos, nossos sentidos ou nossos conceitos. Ela foi anunciar aos discípulos (Jo 20, 18) e, nos está dizendo hoje, a cada instante, de que todos nós estamos a caminho para algo muito maior e melhor. Contudo, é algo que começa no aqui e no agora, numa espécie de iniciação ao presente de quem busca o Mestre da Vida em toda a vida e não abandona as suas convicções e a certeza de quem sabe em quem colocou a esperança.
Ainda se ignora a presença vital das mulheres nas horas derradeiras de Jesus, prestamos mais a atenção nas palavras ditas em detrimento ao silêncio perplexo do olhar amoroso humano, da coragem que elas tiveram. Madalena, ela esteve por inteiro, em todo o processo da morte à Vida Nova. E, é exatamente esse o desígnio daqueles que O experienciam em suas vidas: testemunhar a esperança, propagar as ressurreições ao longo na jornada das vidas.
Sozinha ou em grupo Madalena é a Apóstola dos Apóstolos. A verdade subvertida que todo patriarca teme e se recusa em acolher. Ela lidera o mais enigmático e empoderado papel na missão das mulheres presentes na Igreja.
A tumba significou tudo, menos o vazio. A tumba estava repleta de sentido. A tumba em Madalena e nas que a seguem simboliza tudo menos o fim. Elas não se esconderam ou procuraram o melhor lugar no Reino, elas se lançaram a propagar que o Reino é para todos e todas. Por causa delas, a ressurreição floresce ainda e sempre florescerá nos corações capazes de sentir o chamado pelo nome.
Abençoada seja a Festa de Madalena, ano de 2025.
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