20 Agosto 2025
O artigo é de José Manuel Vidal, publicado por Religión Digital, 19-08-2025.
José Manuel Vidal é doutor em Ciências da Informação e licenciado em Sociologia e Teologia e diretor do Religión Digital.
O clamor pela paz em Gaza ressoa alto em um mundo que parece insensível à tragédia. O sangue de crianças inocentes e a fome que devora um povo preso entre bombas e bloqueios escandalizam o mundo e levaram figuras como Madonna a se manifestarem, implorando ao Papa Leão XIV: "Você é o único de nós a quem não se pode negar a entrada".
Isso é verdade? Poderia o Papa, como chefe de Estado, autoridade moral reconhecida e líder espiritual de milhões de católicos em todo o mundo, cruzar as fronteiras de Gaza e impedir o massacre? E se não, o que significaria essa tentativa?
Esta não é a primeira vez que um papa é chamado a ser um farol em meio a uma tempestade. João Paulo II foi instado a visitar o Iraque durante a Guerra do Golfo. Ele não o fez, mas sua voz ressoou alto, condenando o conflito e defendendo a paz.
Mais recentemente, Francisco atingiu um marco em 2015, quando visitou a República Centro-Africana, um país dilacerado pela violência sectária. Sua presença, seu acolhimento às vítimas e sua mensagem de reconciliação foram um bálsamo que, pelo menos temporariamente, silenciou as armas.
Francisco em visita a Bangui, em 2015 (Foto: Paul Haring | CNS)
No entanto, quando solicitado a viajar para a Ucrânia em meio à invasão russa, Bergoglio optou por não ir, preferindo uma diplomacia mais discreta, embora não menos ativa, primeiro com o Cardeal Esmoler e depois com o Cardeal Zuppi.
Agora, a pergunta ressoa mais uma vez na consciência mundial: o Papa Leão XIV deveria viajar para Gaza? A própria ideia de um Papa exigir a entrada em uma zona de guerra controlada por Israel, um país com políticas de segurança rigorosas, é um gesto altamente simbólico. Mas seria viável? E, mais importante, seria eficaz?
Como chefe de Estado do Vaticano, o Papa não é um cidadão comum. Sua entrada em Gaza dependeria de uma decisão política de Israel, que controla o acesso ao território. Embora Madonna afirme que o Papa "não pode ter a entrada negada", a realidade é mais complexa. Israel poderia permitir sua entrada como um gesto diplomático, ciente da pressão internacional que surgiria caso fosse negada.
No entanto, você também pode argumentar razões de segurança para bloquear o acesso, especialmente em um ambiente altamente tenso como o atual.
Foto: União Sindical Obrera de Madrid
De qualquer forma, se Israel negasse a entrada do Papa, o impacto seria devastador para sua imagem global. O mundo veria um Estado impedindo o líder da Igreja Católica de levar uma mensagem de paz e conforto a um povo sofredor. Seria um erro estratégico que colocaria Israel no banco dos réus perante a opinião pública internacional.
Por outro lado, se Israel permitisse a entrada, o Papa poderia se tornar um catalisador para destacar o sofrimento em Gaza, abrindo as portas para mais ajuda humanitária e pressionando por um cessar-fogo.
A presença do Papa em Gaza seria, sem dúvida, um ato profético, um grito pela humanidade em meio à barbárie. Leão XIV, com seu estilo sóbrio, simples e calmo, e sua capacidade de se conectar com os marginalizados, poderia caminhar entre as ruínas, abraçar crianças órfãs e exigir que o mundo não olhasse para o outro lado.
Mas seria suficiente para parar a guerra? A história nos ensina que os gestos papais têm imenso poder simbólico, mas nem sempre se traduzem em mudanças imediatas. Na África Central, Francisco conseguiu um cessar-fogo temporário, mas em outros conflitos, como na Ucrânia, sua influência foi muito mais limitada.
O conflito em Gaza é particularmente complexo, com raízes históricas, políticas e religiosas que transcendem a vontade de qualquer líder, por mais carismático que seja. O Papa poderia pressionar Israel, o Hamas e a comunidade internacional a permitir a entrada de ajuda humanitária e negociar o fim das hostilidades, mas uma solução definitiva pode exigir um esforço coletivo que transcenda sua liderança.
Mural de Emanelle Blake na Irlanda (Foto: reprodução)
Em seu apelo, Madonna eleva o Papa a um status quase mítico: "o único" capaz de entrar em Gaza. Mas essa declaração, embora comovente, não é totalmente precisa. Outros atores — líderes políticos, organizações internacionais e movimentos de cidadãos — também desempenham um papel crucial na busca pela paz. Especialmente o presidente Trump, grande aliado e amigo de Netanyahu.
No entanto, é verdade que o Papa possui algo único: sua autoridade moral e sua capacidade de mobilizar consciências em escala global. Um Papa em Gaza não seria apenas um símbolo, mas um tapa na cara da indiferença mundial. Se Leão XIV exigisse publicamente a entrada em Gaza, mesmo que lhe fosse negada, o impacto seria inegável.
Seu gesto desafiaria os líderes da guerra, destacando sua responsabilidade pelo sofrimento de pessoas inocentes. Além disso, poderia inspirar a comunidade internacional a agir com mais urgência para garantir ajuda humanitária e pressionar por um cessar-fogo.
Foto: Ali Jadallah | Anadolu Ajansi
A viagem do Papa a Gaza não é uma utopia, mas também não é uma solução mágica. Seria um ato de coragem, um desafio aos poderosos e um abraço aos esquecidos. O grande abraço que os palestinos aguardam e que o mundo anseia por ver. Mesmo que não interrompa a guerra imediatamente, poderá mover as peças no tabuleiro de xadrez global, forçando os líderes (especialmente Netanyahu e Trump) a se olharem no espelho de sua própria desumanidade.
Assim como Francisco na África Central, outro Papa, Leão XIV, poderia ser o profeta que desperta as consciências e abre caminho para a paz. Mas, para isso, Prevost precisa estar disposto a correr o risco. Porque, como disse João Paulo II, "a paz não é apenas a ausência de guerra, mas a presença da justiça". E em Gaza, a justiça continua sendo uma dívida pendente.
Santidade, deixe-se guiar pelo seu coração e pela imensa pulsação do mundo inteiro. A Palestina precisa de você, e as crianças e os famintos não podem esperar mais . E o Padre Romanelli respiraria aliviado, finalmente!
Arte: Gernika Palestina | Reprodução