05 Fevereiro 2025
"Embora o clericalismo nunca perca uma oportunidade de mostrar sua cara feia, um subtexto perturbador emerge das palavras ditas e não ditas. Porque, se apenas os padres, a casta dos castos, são chamados a viver muitas relações sem possuir ninguém, os outros – pais, maridos, noivos – podem sentir-se implicitamente autorizados a viver as suas (poucas?) relações em nome da posse exclusiva. Que isso é verdade, a contabilidade anual de feminicídios infelizmente confirma", escreve Anita Prati, professora de Letras no Instituto Estatal de Educação Superior Francesco Gonzaga, em Castiglione delle Stiviere, na Itália, em artigo publicado por Settimana News, 04-02-2025.
Em 21 de janeiro, um artigo de Amedeo Cencini intitulado Por uma Igreja e um padre em missão foi publicado no SettimanaNews. O artigo como um todo e algumas passagens em particular provocaram reações animadas por parte de quem o leu, como demonstram os inúmeros comentários publicados gradualmente nos dias seguintes.
O texto de Cencini também não me deixou indiferente, pelo contrário, me deu muito o que pensar.
A ambiguidade é um elemento “natural” de todo ato linguístico como ato comunicativo. A comunicação se estrutura, de fato, a partir do movimento que a mensagem realiza em seu am-agere, em sua peregrinação do emissor ao(s) receptor(es).
A estreiteza do canal de comunicação que se estende entre nossas intenções de dizer e a compreensão dos outros representa um dos principais fatores de risco no que diz respeito à ambiguidade.
Para reduzir esse risco, o emissor da comunicação deve se esforçar para dar forma a um ditado claro, inequivocamente interpretável, que se deixe o menos aberto possível ao jogo polissêmico que alimenta as pluralidades hermenêuticas.
Por outro lado, o próprio jogo polissêmico qualifica o ato comunicativo como um "ato irônico": em homenagem ao grego eironeuomai, em que o dito vem sempre dizer não o que diz, mas o que não diz, a polissemia pode se tornar de tempos em tempos uma cifra artística ou um instrumento de defesa - um método eficaz e de baixo custo idealizado pelo emissor para manter ocultas suas verdadeiras intenções.
Se algumas formas textuais – um livro de receitas, por exemplo – são constitutivamente chamadas a superar a polissemia por meio de processos de simplificação que reduzem drasticamente a possibilidade de mal-entendidos, outras, ao contrário, encontram na ambiguidade do modus cogitandi que as fundamenta o terreno fértil para modalidades comunicativas que fazem da falta de transparência seu elemento distintivo.
Um exemplo eficaz desse tipo de comunicação explorada na ambiguidade são muitos textos curiais contemporâneos, caracterizados por uma ambivalência lexical que transfere para o plano do significante as oscilações de um pensamento que, apesar das boas intenções declaradas, ainda se move indeciso entre vislumbres de abertura ao espírito do Vaticano II e um legado machista e sexofóbico inveterado, incrustado de clericalismo.
O artigo em questão parte de uma observação preliminar: em nossos tempos críticos é difícil falar de ratio, entendida como "regra, projeto definitivo, indicação vinculativa", especialmente "em relação a uma instituição que vive uma fase bastante problemática e a uma figura que está no centro dela (tanto da instituição quanto da crise), como a do sacerdote".
A ambiguidade aqui não é tanto expressa no texto em si, cujas palavras muito claras pressupõem o conceito de que a Igreja é uma instituição no centro da qual está a figura do sacerdote. A ambiguidade surge, antes, no diálogo implícito com toda uma série de documentos produzidos nos últimos anos a respeito da palavra sinodalidade.
Por um lado, a sinodalidade como dimensão constitutiva da Igreja, Povo de Deus, segundo as diretrizes de sentido traçadas pelo texto da Comissão Teológica Internacional de 2018, A sinodalidade na vida e na missão da Igreja: "A sinodalidade, neste contexto eclesiológico, indica o modus vivendi et operandi específico da Igreja, Povo de Deus, que manifesta e realiza concretamente o seu ser comunhão no caminhar juntos, no reunir-se em assembleia e na participação ativa de todos os seus membros na sua missão evangelizadora".
Por outro lado, a Igreja como sociedade desigual de desiguais, segundo as afirmações claramente expressas nos Vehementer nos de Pio X de 1906, que traçavam uma linha de demarcação clara entre os presbíteros – centro e cume da Igreja hierárquica – e o rebanho dócil.
É diante dessa ambiguidade conceitual que se torna ainda mais urgente reformular a pergunta que Cencini coloca no final de sua introdução: "qual padre e para qual Igreja?".
Sim, quais padres? O artigo de Cencini relata a recente promulgação, pelo Dicastério para o Clero, da Ratio Nationalis Institutionis Sacerdotalis (Norma Nacional para a Formação Sacerdotal) para a Itália, que por sua vez é apresentada como uma emanação da terceira edição, datada de 2016, da Ratio Fundamentalis Institutionis Sacerdotalis.
Na introdução à Ratio Fundamentalis lemos: "O dom da vocação ao sacerdócio, colocado por Deus no coração de alguns homens, compromete a Igreja a propor-lhes um sério caminho de formação". Homens quem? Homens como masculino inclusivo ou homens como masculino exclusivo?
Aqui, acredito, podemos razoavelmente limpar o terreno de qualquer ambiguidade e assumir que, nas intenções dos editores do texto, não se trata nada mais do que de um masculino exclusivo.
Ora, se na frase "colocados por Deus no coração de alguns homens", podemos afirmar com certeza que a expressão alguns homens se refere única e exclusivamente aos homens do sexo masculino, segue-se outra consequência interessante e nada óbvia.
Mas vamos à passagem textual que mais causou perplexidade. Este é o pequeno parágrafo intitulado “A castidade como garantia de doação de si”.
A ambiguidade comunicativa aqui está ligada, em primeiro lugar, ao uso da palavra garantia, termo do léxico jurídico-econômico que indica, por si só, o meio idôneo para assegurar o cumprimento de um compromisso ou obrigação.
Se tomarmos a palavra garantia em seu valor econômico-jurídico, a frase em sua totalidade passa a ser colocada em um nível econômico-jurídico.
É evidente que, se na frase “A castidade como garantia do dom de si” a palavra garantia for tomada segundo o seu sentido próprio, as qualidades constitutivas do dom – liberdade e gratuidade – ficam minadas.
Supondo que seja plausível que a intenção comunicativa não tenha querido se desviar para horizontes de mercado, podemos descartar essa hipótese interpretativa e considerar a possibilidade de entender a palavra garantia segundo um significado secundário.
Mas, neste ponto, abre-se um segundo nível de ambiguidade, desta vez em relação à palavra castidade.
O significado comum da palavra castidade se refere à esfera sexual da existência. Castidade significa abstenção de relações sexuais ou, no máximo, de relações sexuais ilícitas, tanto dentro como fora do casamento.
Essa interpretação restritiva, no sentido sexual, da palavra castidade encontra seu fundamento e razão na estrutura moralista da religião romana, fortemente condicionada pelo medo do impuro. As práticas religiosas romanas baseavam-se no preceito da castidade ritual, como bem ilustra Tíbulo na primeira elegia do segundo livro: quem desfrutou dos prazeres de Vênus à noite não pode aproximar-se do altar, não pode tomar parte nos ritos sagrados.
…ele desceu do ar,
cuja alegria externa foi varrida pela alegria noturna de Vênus.
Casta placenta superior.
…Que qualquer um que tenha desfrutado dos presentes de Vênus na noite passada se afaste do altar.
A castidade agrada aos deuses. [3]
Mas pensar em castidade apenas em termos sexuais é redutor e empobrecedor. Agora, até a religião católica abandonou o moralismo como um fim em si mesmo, tanto que o próprio artigo nos oferece uma resposta à pergunta "O que é castidade?" nestes termos: "A castidade é o oposto da posse em todas as áreas da vida." Nada ou quase nada a ver com sexo, então.
Nada a ver com sexo, pelo contrário. A castidade se expressa como uma atitude interior e concreta, como uma postura existencial que nos liberta do desejo de posse em todos os âmbitos da vida, nas relações com as pessoas, nas relações com o mundo, com a criação, com o tempo, até mesmo com nós mesmos. Eu não sou dona de nada, nem mesmo do meu marido, nem mesmo dos meus filhos e filhas, nem mesmo dos meus alunos. Nem meu jardim, nem minha vida. O Senhor o deu, e o Senhor o tirou; bendito seja o nome do Senhor.
Lindo. Evangélico, profundamente evangélico.
Como reitera o artigo, de fato, as relações evangélicas “são livres de qualquer forma de poder sobre o outro e de autorreferencialidade, e capazes de guardar respeitosamente os limites da intimidade própria e alheia, ou o mistério do eu e do tu”.
Lindo mesmo. Mas então por que – sempre segundo o artigo – "a castidade se torna a chave do modo de amar e viver as relações típicas do homem celibatário e do padre celibatário, chamados a viver muitas relações, mas sem possuir nenhuma"? Dito nestes termos, como qualidade evangélica, aliás como qualidade evangélica por excelência, não deveria a castidade ser a marca distintiva do modo de amar e de viver as relações, típico de quem segue a Cristo?
Então, para quem é o evangelho? Quem é chamado a viver relacionamentos evangélicos livres de poder e autorreferencialidade? Somente padres, sejam eles heterossexuais ou gays, ou todos? E a Igreja, o que é a Igreja?
Enquanto isso, embora o clericalismo nunca perca uma oportunidade de mostrar sua cara feia, um subtexto perturbador emerge das palavras ditas e não ditas. Porque, se apenas os padres, a casta dos castos, são chamados a viver muitas relações sem possuir ninguém, os outros – pais, maridos, noivos – podem sentir-se implicitamente autorizados a viver as suas (poucas?) relações em nome da posse exclusiva. Que isso é verdade, a contabilidade anual de feminicídios infelizmente confirma.
Concluo minha reflexão retornando aos dois documentos relatados no artigo de Amedeo Cencini. Nas páginas introdutórias da Ratio Fundamentalis lemos: "A vocação ao sacerdócio é um dom que Deus concede à Igreja e ao mundo, um caminho para a santificação de si mesmo e dos outros, que não deve ser seguido de forma individualista, mas tendo sempre como referência uma porção concreta do Povo de Deus".
Para reiterar a importância desse vínculo concreto entre os sacerdotes e o Povo de Deus, a Ratio se baseia no repertório do Papa Francisco, em particular em uma daquelas imagens coloridas às quais Francisco nos acostumou desde o início de seu pontificado: "A ideia de base é que os seminários possam formar discípulos missionários 'apaixonados' pelo Mestre, pastores 'com o cheiro das ovelhas', que vivam entre elas para servi-las e levar-lhes a misericórdia de Deus".
A imagem é eficaz, nada a dizer. É uma pena que estas afirmações sejam apoiadas, no final da Ratio Fundamentalis, pela assinatura, na sua qualidade de secretário da Congregação para o Clero, de um certo arcebispo titular de Rota, diocese espanhola suprimida em 1149, existindo atualmente apenas no papel.
Milagres da criatividade curial! Os bispos e arcebispos titulares são, de fato, bispos de uma diocese que não existe ou não existe mais, uma sede episcopal, isto é, que existe apenas no nome. A própria Ratio Nationalis foi assinada pelo arcebispo titular de Tiburnia, a antiga capital de Noricum, um bispado suprimido no século VII, cujos achados arqueológicos, trazidos à tona algumas décadas atrás, estão hoje primorosamente preservados nas florestas da Caríntia. Ou seja: a cerca está destruída e as ovelhas não estão mais lá.
Não nos resta outra opção senão arquivar sob o título de “linguagem irônica” esta passagem textual, na qual aqueles que recomendam ao sacerdócio que sejam pastores imbuídos do cheiro das ovelhas são pastores sem rebanho; só podemos retornar ao antigo adágio com que o povo comum sempre olhou para os homens da Igreja, entre piedade e indulgência: "eles pregam bem, mas praticam mal".
Em outras palavras: "faça o que eu digo, mas não faça o que eu faço". Uma atitude recomendada, aliás, pelo próprio Jesus, em relação aos que se sentam na cadeira de Moisés: "Fazei e observai tudo o que vos disserem, mas não façais segundo as suas obras, porque dizem e não fazem".
1 Veja aqui.
2 Veja aqui.
3 Tibulo, Elegiae II, 1, 11-13