Sem Amor e Relincho Rumo aos Matadouros – Rock do Jegue Atacado. Artigo de José Rodrigues Filho

(Foto: Fernando Santos Cunha Filho | Wikimedia Commons)

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13 Julho 2023

"Uma sociedade que desrespeita e não protege seus semelhantes e os animais, agindo na destruição ambiental, está distante do alcance da dignidade humana e bem aperfeiçoada na brutalidade e violência", escreve José Rodrigues Filho, professor da Universidade Federal da Paraíba, que foi pesquisador nas universidades de Johns Hopkins e Harvard, e que recentemente lecionou na Universidade McMaster, em artigo publicado por seu blog, julho de 2023.

Eis o artigo.

Não foi sem amor e relincho que os artistas da música nordestina cantaram as diferentes formas de vida dos animais. Enquanto Luiz Gonzaga cantou que o jegue, jumento ou burro é nosso irmão, Genival Lacerda, em seu Rock do Jegue, cantou e interpretou que os animais têm o direito de amar, fazendo isto num dueto de relincho, conforme os vídeos abaixo.

Infelizmente, o que se vê hoje são os jegues na estrada rumo aos matadouros, na maior brutalidade e cruelmente do homem, que não são só contra seus semelhantes, mas contra os jegues em toda região Nordeste. Isto é a negação do que disseram nossos artistas quando interpretaram e contaram a vida destes animais, que deveriam ser vistos como sagrados, assim como as vacas na Índia.

Hoje, falecidos, nossos artistas devem se remexer no túmulo por conta da matança criminosa a que estão sendo submetidos nossos jegues e da avareza de empresários chineses e seus lucros pornográficos, em cima de nosso sofrido irmão – jumento, como disse Luiz Gonzaga. O extermínio dos jumentos é o extermínio de uma cultura e o Nordeste sem o jumento não é Nordeste.

Para a coordenadora da Frente de Defesa dos Jumentos, Gislane Brandão, o jumento é uma espécie em extinção diante do abate de mais de 70 mil deles por ano. A estimativa é que mais de 600 mil jumentos tenham sido abatidos desde 2016, restando apenas 300 mil deles na região Nordeste. Para os especialistas deve haver a proibição de abate urgentemente.

“Estamos dando um grito de alerta porque essa é a oportunidade final para salvar os nossos últimos jumentos. Não há mais tempo, temos de parar o abate”, disse Brandão. Por sua vez, segundo estimativa da instituição inglesa denominada de Santuário dos Jumentos (Donkey Sanctuary), “20% dos animais morrem antes mesmo de chegarem aos abatedouros pelo sofrimento imposto”.

O jumento é acima de tudo um animal resistente, sobrevivente da caatinga nordestina, cuja morte depende de um sofrimento muito exagerado, incluindo a fome. Como vão ser mortos, pouco importa se vão morrer de fome. Como disse a coordenadora, “os jumentos são amontoados em caminhões, depositados em fazendas sem comida e água, o que gera enormes sofrimentos e mortes”.

Os animais são capturados e comprados por todos os Estados do Nordeste e transportados de forma clandestina e irregular para três abatedouros na Bahia. Pelo que se comenta já existem ações na justiça e discussões na Câmara dos Deputados, tardiamente pedindo a proibição do abate. Espera-se que esta violência seja barrada, o mais rápido possível.

É lamentável que o animal que serviu de transporte para Jesus Cristo, há mais de dois mil anos atrás, seja tratado com a violência similar a dos carrascos de Cristo, mesmo se tratando de um animal. Sabemos que uma das características do jumento é a calma e paciência que, como estamos vendo, se dá até no momento da morte.

Quando o jogador de football, Kay Havertz, do Chelsea da Inglaterra, foi indagado pela imprensa por que seus colegas o chamavam de jumento (donkey), ele respondeu: Não é por conta de meu football. É algo mais profundo. Desde o início que eu senti uma relação especial com os jumentos. É um animal muito calmo e talvez eu me personalizo neles, uma vez que sou muito calmo.

Para Havertz, eles relaxam o dia todo. Não fazem muito e só querer viver a vida deles. Eu os amo. E quando perco, gostaria de estar perto deles. Olho para os animais e vejo algo humano neles, que me traz recuperação e paz.

Entre nós, infelizmente, nem a cruz que o jumento tem desenhada nas costas o livrou, como disse o artista, de tanto sofrimento e agora de uma morte tão cruel. Enquanto o Santuário dos Jumentos está levantando doações para melhorar a vida de cinco milhões de jumentos no mundo, nós estamos exterminando o restinho que temos.

Para esta organização sem uma melhoria das condições de vida dos animas, não há qualidade de vida humana. Somos carentes de justiça ambiental e educação ambiental, o que nos impede de contemplar e nos relacionar em harmonia com a natureza. Vale lembrar que não viveremos sem os recursos da natureza. Preservá-la é o mínimo que devemos fazer.

Uma sociedade que desrespeita e não protege seus semelhantes e os animais, agindo na destruição ambiental, está distante do alcance da dignidade humana e bem aperfeiçoada na brutalidade e violência. Finalmente, como indagou o artista - de quem é esse jegue? Perguntem a nossas autoridades e aos avarentos chineses.

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