17 Agosto 2022
Para permanecermos sendo “sujeitos” e, portanto, “vigilantes” no sofrer e no morrer, e não nos tornarmos “objetos” passivos, é necessária uma ética do acompanhamento. A proteção da própria identidade não pode ser solipsista, até porque precisaríamos ser onipotentes para não termos que recorrer à ajuda de ninguém.
A opinião é de Domenico Marrone, teólogo e padre italiano, professor no Instituto Superior de Ciências Religiosas de Bari, na Itália, em artigo publicado por Settimana News, 04-08-2022. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Sobre a delicada questão do fim da vida, a Puglia, na Itália, tenta o caminho da lei regional. É o primeiro caso na Itália, a primeira vez que uma região tenta fazer por conta própria. O projeto de lei foi aprovado na Comissão Regional não por unanimidade: o partido Fratelli d’Italia e dois conselheiros regionais do Partido Democrático votaram contra, enquanto o Movimento Cinco Estrelas se absteve.
Segundo os promotores, o projeto de lei, que conta com Fabiano Amati (Partido Democrático) como o primeiro signatário, absorve os ditames da sentença da Corte Constitucional 242 de 2019 e prevê a assistência à saúde para a morte serena e indolor de pacientes terminais.
Sou da opinião de que uma questão tão complexa e delicada requer o envolvimento do Parlamento. A proteção daquilo que diz respeito aos direitos civis e sociais não tolera uma diversidade desses direitos localmente, pois devem ser assegurados obrigatoriamente em todo o território nacional em benefício de todos os cidadãos e residentes no território nacional.
Portanto, acho que não ajuda à causa das delicadas problemáticas em questão e menos ainda à promoção de um sentimento comum o fato de se engajar em uma espécie de competição ou antagonismo institucional, quase para querer demonstrar quem chegou primeiro.
É indispensável “depor as armas”, abandonando todas as trincheiras das posições ideológicas ou dos princípios abstratos e renunciando a transformar em bandeiras as pessoas frágeis e vulneráveis, de cuja proteção a Corte e sobretudo a Constituição nos pedem para dar prioridade.
O objetivo não é ter uma lei, mas ter uma lei boa, que se enquadre na sólida estrutura personalista da Carta Constitucional da Itália, protegendo o direito ao cuidado e à assistência, e promovendo formas de proximidade e de solidariedade que tornem o recurso a decisões extremas uma opção à qual tendencialmente ninguém sinta a necessidade de recorrer.
Morrer é uma questão que diz respeito a cada um de nós individualmente, mas nunca de modo puramente individual, no sentido de que isso ocorre dentro de uma trama de relações, que a progressiva complexificação das relações sociais torna ainda mais rica e extensa. Embora possa ser retoricamente eficaz para forçar o consenso sobre a própria posição, é enganoso pensar na questão do fim da vida independentemente dessa trama de relações.
Esse princípio personalista, que também está na base da Constituição italiana, é o horizonte dentro do qual não podemos deixar de situar a compreensão dos conceitos-chave do debate que a recente sentença suscitou.
Precisamente o princípio personalista ajuda a pôr em uma perspectiva correta um elemento que frequentemente aparece no debate, isto é, a reivindicação do direito de morrer, muitas vezes apresentado como direito a um suicídio medicamente assistido.
É claro que isso não é contemplado pela legislação italiana, e é extremamente problemático incluí-lo entre os direitos invioláveis da pessoa ou fazer com que ele derive do direito à liberdade pessoal. Pelo contrário, a partir desses direitos deriva o imperativo à tutela da vida como base para o gozo de todos os outros direitos, com particular atenção para quem é mais fraco e vulnerável.
É a própria Corte Constitucional que nos adverte contra “uma concepção abstrata da autonomia individual que ignora as condições concretas de desconforto ou de abandono nas quais, muitas vezes, tais decisões [de suicídio] são concebidas” (Portaria n. 207/2018, n. 7).
Contra esse risco, ela reitera a legitimidade de dispositivos penais que proíbam “condutas que abram caminho para escolhas suicidas”, mas, sobretudo, lembra que o primeiro dever do Estado para com as pessoas idosas, doentes, sozinhas, psicologicamente provadas é elaborar políticas públicas que garantam o cuidado e sustentem um contexto de proximidade e de solidariedade, ou seja, fortaleçam aquele tecido relacional na ausência do qual a reivindicação da autonomia se volta contra si mesma.
Embora, no mundo ocidental, a possibilidade de pedir para pôr fim à própria vida ou a de um familiar já seja chamada hoje de “novo direito”, deve-se notar que a sentença n. 242/2019 reconhece não um direito ao suicídio, mas a faculdade de pedir ajuda para realizá-lo, sob certas condições. Além disso, em nenhum caso é configurável, a cargo de alguém, uma obrigação de prestar assistência ao suicídio de outra pessoa.
O que a Consulta fez não foi abrir a possibilidade a essas formas de “doce morte”, mas julgar não punível a pessoa que ajuda quem decidiu morrer, encontrando-se em situações bastante circunscritas. De fato, devem ser pessoas com uma doença irreversível, mantidas em vida por tratamentos médicos de suporte, afligidas por sofrimentos graves tanto de natureza física quanto psicológica.
Portanto, tanto a exultação de quem atribuiu à sentença o mérito de ter conferido maior liberdade para “decidir sobre a própria morte” quanto a perplexidade e a promessa de batalhas em nome do princípio da sacralidade da vida de matriz católica parecem infundadas.
A sentença não abre à legalização da eutanásia ou do suicídio assistido, mas tende a descriminalizar quem ajuda o paciente terminal (nas condições mencionadas acima) determinado a se entregar à morte. Descriminalizar não significa legalizar, muito menos aprovar moralmente; trata-se, em vez disso, de reconhecer a situação limite!
No entanto, o imperativo à proteção a vida nunca se transforma na obrigação de permanecer vivo a todo o custo. Embora muitas vezes confundido com o direito ao suicídio assistido, o direito à suspensão dos tratamentos é algo profundamente diferente.
O direito de recusar os tratamentos ou de os suspender, quando considerados desproporcionais e, portanto, demasiado onerosos, protege tanto a liberdade quanto a inviolável integridade da pessoa, da qual é um corolário incontornável o controle das intervenções a que o corpo é submetido. Neste caso, a pessoa não se entrega à morte, nem pede a outrem que lhe entregue, mas a aceita, recebendo um tratamento paliativo adequado, incluindo a sedação profunda, à espera de que ela ocorra. É um direito bem atestado no ordenamento jurídico italiano, a partir do artigo 32 da Constituição.
Uma mediação política e cultural mais articulada ajudaria a captar melhor a densidade antropológica do tema e a conexão com o significado do morrer, que por sua vez remetem ao sentido do viver e do cuidado recíproco dentro da comunidade.
Acreditamos que a reflexão ética, abandonando de uma vez por todas a estéril contraposição entre leigos e católicos, muitas vezes enrijecidos em suas próprias posições e relutantes a um diálogo fecundo, deveria levar em conta algumas questões importantes.
Porém, é necessário que todos nos ajudemos a sair das ideologias. De nada adianta reiterar uma verdade perene sem se defrontar com a história que muda, com as situações particulares. É necessário não parar apenas para reiterar os princípios gerais, não se entrincheirar atrás deles, mas é preciso ter a coragem de tomar os casos em mãos, um a um, e tratá-los com um sábio discernimento.
Pode parecer paradoxal, mas as referências tanto de quem defende o suicídio assistido quanto de quem se opõe a ele são aparentemente as mesmas: a autodeterminação, a liberdade, a qualidade de vida. O que as distingue e determina opções opostas é o quadro antropológico (e teológico) geral: a autonomia desprovida de relações, por um lado, a vida como dom recebido e dado, por outro.
Nas questões do fim da vida, desencadeiam-se batalhas ideológicas entre quem, em nome de um radicalismo individualista, invoca o direito de morrer como, quando e onde se quiser, e quem defende a vida de forma extrema, sem discussão, sempre e em todos os casos. Urge uma plataforma de diálogo para superar qualquer deriva ideológica e extremista em temáticas que exigem uma abordagem compartilhada e madura.
Em particular, assistimos ao delineamento de duas culturas em relação ao morrer que podem ser resumidas em dois modelos em tensão entre si. Um modelo de controle e um modelo de cuidado. Poderíamos também falar de um modelo de domínio e de um modelo de responsabilidade.
“No seio das sociedades democráticas, temas delicados como estes devem ser tratados com pacatez: de maneira séria e reflexiva, e bem dispostos a encontrar soluções – inclusive normativas – o máximo possível compartilhadas. De fato, por um lado, é preciso levar em conta a diversidade das visões do mundo, das convicções éticas e das pertenças religiosas, em um clima de escuta recíproca e acolhida. Por outro lado, o Estado não pode renunciar a tutelar todos os sujeitos envolvidos, defendendo a igualdade fundamental pela qual cada um é reconhecido pelo direito como ser humano que vive junto com os outros em sociedade. Uma atenção especial deve ser reservada aos mais frágeis, que não podem fazer valer os próprios interesses sozinhos. Se esse núcleo de valores essenciais para a convivência vier a faltar, desaparece também a possibilidade de se entender sobre aquele reconhecimento do outro que é o pressuposto de todo diálogo e da própria vida associada. A legislação em campo médico e sanitário também requer essa visão ampla e um olhar abrangente sobre o que mais promove o bem comum nas situações concretas” [1].
Sem dúvida, o progresso médico é muito positivo. Mas, ao mesmo tempo, as novas tecnologias, que permitem intervenções cada vez mais eficazes no corpo humano, exigem um suplemento de sabedoria para não prolongar os tratamentos quando estes já não beneficiam a pessoa. Em particular, quando não há mais proporcionalidade entre melhora real e dignidade do paciente.
As condições modificadas em que as pessoas morrem hoje são em grande parte atribuíveis ao aumento das potencialidades técnicas da medicina. Finalmente, percebemos o quanto se morre mal na nossa sociedade. Por muitos motivos: inclusive o cultural, ou seja, a remoção da morte como momento inevitável e necessário da história humana. Mas também se morre mal devido à própria medicina. Não por culpa das suas insuficiências, mas – paradoxalmente – devido à sua eficácia.
“As Igrejas também devem se reposicionar diante dos desafios da velhice e da morte. Isso significa, entre outras coisas, não condenar imediatamente, mas levar a sério as expectativas, os medos e as necessidades das pessoas. A busca de uma boa morte hoje precisa de respostas novas e credíveis” [2].
Não é possível gerir as situações complexas que a medicina tecnológica possibilita hoje com um instrumento normativo de quase um século atrás.
Fica claro que a decisão da Corte produziu uma estrutura que permanece precária: a intervenção legislativa, portanto, não é menos urgente. A primeira tarefa que nós, como cidadãos, temos o dever de assumir, portanto, é estimular o sistema político a sair da sua inércia e se encarregar da questão.
Antes de abordar outras decisões legislativas sobre a matéria, seria desejável trabalhar para aplicar duas leis: a Lei n. 38/2010 e a n. 219/2017. Um compromisso que toca dimensões não apenas políticas e logísticas, mas também culturais e formativas, e que poderia favorecer uma discussão mais consciente sobre os recursos disponíveis para aliviar o sofrimento.
Acima de tudo, é preciso uma aplicação mais adequada da Lei n. 38/2010 sobre os cuidados paliativos, atualmente amplamente desatendida: aliviar a dor e fazer com que os doentes se sintam destinatários de cuidados também nas fases terminais é de grande eficácia para combater as experiências de abandono e de sofrimento em que muitas vezes se enraízam os pedidos de eutanásia.
Também é oportuno partir da Lei n. 219/2017 sobre “Consentimento informado e disposições antecipadas de tratamento” (DAT). Embora não faltem elementos problemáticos e ambíguos, ela é fruto de um caminho trabalhoso, que permitiu conectar uma pluralidade de posições divergentes. A lei permite suspender os tratamentos que – no diálogo entre profissionais de saúde, paciente e (na medida do possível) familiares – sejam considerados desproporcionais. Ela também regulamenta, na previsão de uma “futura incapacidade de autodeterminar-se”, a expressão antecipada do próprio juízo e a nomeação de um procurador. Além disso, promove os cuidados paliativos e o tratamento da dor.
O suicídio não faz parte dos cuidados de saúde. Porque cuidar dos moribundos não é realmente ajudá-los a tirar a própria vida. A medicina hoje é perfeitamente capaz de controlar a dor física, a ansiedade do sufocamento e a angústia da aproximação da morte.
O Tribunal Europeu dos Direitos Humanos [3] sancionou a impertinência de invocar a liberdade de autodeterminação como direito ao suicídio e a sua contradição com as leis nacionais.
O suicídio é contrário ao desejo natural do vivente, e a expressão de uma vontade de morte muitas vezes esconde outras razões: fragilidade da pessoa, pressões familiares, necessidade de reconhecimento, depressão etc. Acentuar univocamente a autodeterminação leva a subestimar a influência reciproca que se realiza por meio da cultura compartilhada e das circunstâncias concretas: pedidos aparentemente livres, na realidade, são fruto de uma injunção social, da qual o impulso econômico é uma parte relevante. “Proteja-me do que quero”, escreve o filósofo coreano Han na epígrafe de um de seus livros [4].
A própria Associação Médica Mundial mantém uma posição contrária à legitimação de ações que levem à morte ou ajudem a se entregar à morte.
Tommaso Corsi é o protagonista de um romance de Luigi Pirandello intitulado “O dever do médico”, escrito em 1911 e representado dois anos depois. O rico jovem burguês ficou ferido depois de uma troca de tiros com o marido da sua amante, que caiu sob os disparos de Corsi. Quem cuidou dele foi o Dr. Vocalopulo. Na densa trama dos paradoxos pirandellianos, Tommaso decide se suicidar, mas o médico que cuida dele, mais uma vez, o salva. Ao término do romance, o protagonista exclama: “Eu tinha me matado. Veio ele. Salvou-me. Com que direito?, eu lhe pergunto agora”.
Os rocambolescos fatos do romance pirandelliano nos oferecem a oportunidade de abordar um tema tão delicado e complexo. Embora seja verdade que a decisão sobre os tratamentos e as terapias cabe, acima de tudo, ao paciente, tanto a consciência (sapere cum) quanto a liberdade (da raiz indo-europeia “leudh”: povo, die Leute, e, portanto, “pertença”) referem-se ao contexto de relações em que o paciente vive: médicos, parentes e amigos.
Para permanecermos sendo “sujeitos” e, portanto, “vigilantes” no sofrer e no morrer, e não nos tornarmos “objetos” passivos, é necessária uma ética do acompanhamento. A proteção da própria identidade não pode ser solipsista, até porque precisaríamos ser onipotentes para não termos que recorrer à ajuda de ninguém.
Em suma, trata-se de dar origem a um exercício de diálogo social, que inclua a multiplicidade de perspectivas a partir das quais se olha legitimamente para a questão, assim como todas as visões de mundo presentes em uma sociedade pluralista. Sobre outras questões, a decisão da maioria pode ser mais facilmente aceita, enquanto nesta é necessário um maior esforço para a construção de um consenso verdadeiramente inclusivo.
Um passo para todos poderia ser o fato de focar melhor a sutil, mas profunda, diferença entre a suspensão de tratamentos já desproporcionais, aceitável para todos, e a imposição de um direito ao suicídio medicamente assistido, ao qual muitos sentem que devem resistir, sobretudo em razão da possibilidade de acabar desobstruindo dinâmicas de descarte daqueles que parecem ser um fardo para a sociedade segundo uma incompreendida ideologia da eficiência.
Somente o respeito e a escuta de todas as posições, dentro do horizonte definido pela Constituição italiana, nos permitirão chegar a uma lei que possamos definir autenticamente como “nossa”, por ser de todos. Será ainda melhor quanto mais formos capazes de nos engajarmos no diálogo que a sua elaboração exige.
“Estamos bem cientes da sensibilidade e da delicadeza do tema que é de dramática relevância e, pelo fato de dizer respeito à sacralidade da vida, exige um caminho acurado por parte do legislador, em um amplo debate parlamentar que represente o país e as reais necessidades dos seus cidadãos, livre de lógicas partidárias e possível instrumentalizações”, afirma a nota da Conferência Episcopal da Puglia, liderada pelo presidente Donato Negro (arcebispo de Otranto) e pelo vice-presidente Michele Seccia (metropolita de Lecce). Uma lei que envolve, portanto, questões fundamentais como os direitos, as liberdades, o valor da vida.
“Cada cidadão – reitera a Igreja da Puglia – tem, acima dos diversos ius garantidos, aquilo que pode ser resumido no ius vitae, ou seja, a proteção contra todo atentado contra a vida e a garantia de que a Comunidade cuidará dele, não recorrendo a fórmulas parciais quando ele não consiga.” Para os bispos, portanto, toda tentativa de normatizar o fim da vida “sem ter posto em ação as oportunas garantias de assistência e de auxílio não está de acordo com o respeito à pessoa”.
1. Francisco, Mensagem aos participantes do Encontro Regional Europeu da Associação Médica Mundial sobre as questões do fim da vida, 17 de novembro de 2017.
2. Comissão Nacional de Justiça e Paz da Igreja Católica da Suíça, junho de 2016.
3. Tribunal Europeu dos Direitos Humanos, seção V, sentença de 19 de julho de 2012, Koch vs. Alemanha, recurso n. 497/09.
4. Cf. B.-C. Han, Psicopolítica: o neoliberalismo e as novas técnicas de poder. Belo Horizonte: Ayiné, 2018.
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Por uma lei sobre o fim da vida. Artigo de Domenico Marrone - Instituto Humanitas Unisinos - IHU