Ao concluir a Economia de Francisco, Papa faz um chamado aos jovens para projetarem uma narrativa econômica diferente

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25 Novembro 2020

O encontro Economia de Francisco chegou ao fim no último sábado. Mas de acordo com seus participantes, esse final é apenas o começo.

A reportagem é de Brien Roewe, publicada por National Catholic Reporter, 24-11-2020. A tradução é de Wagner Fernandes de Azevedo.

No último dia do evento Economia de Francisco, o papa Francisco encorajou os participantes a responderem à “urgente necessidade de uma narrativa econômica diferente”, enquanto os jovens presentes expuseram suas próprias ideias sobre o que seria essa visão, começando com desacelerar os motores econômicos globais que estão destruindo o planeta.

“Nós estamos convencidos que um mundo melhor não pode ser feito sem uma economia melhor, e que a economia é tão importante para a vida das pessoas e dos pobres que nós precisamos nos preocupar com isso”, manifestam-se em declaração, jovens economistas e empreendedores que participaram dos três dias do evento virtual, ocorrido entre 19 e 21 de novembro.

A Economia de Francisco procurava uma proposta desde a perspectiva dos jovens e suas ideias para novos modelos e vias econômicas para o mundo definir como é o florescimento humano.

Ao longo das conferências, ancorados por organizadores situados na Basílica de São Francisco de Assis, na Itália, palestrantes, participantes e aqueles que conversaram no chat online expressaram a crença de que os sistemas econômicos atuais e passados não são capazes de enfrentar o duplo desafio de atender às necessidades das pessoas do planeta sem dizimar ainda mais o planeta e seu clima.

Ao final, os participantes emitiram 12 pontos de ação para realmar a economia global. Os 12 pontos refletem os 12 centros temáticos de vilas que identificaram os principais tópicos, como finanças e humanidade, energia e pobreza, trabalho e justiça. No topo da lista: desacelerar o ritmo econômico global “para deixar a Terra respirar”.

“Quando a covid acabar, devemos escolher desacelerar a corrida desenfreada que está sufocando a Terra e as pessoas mais vulneráveis que vivem na Terra”, disseram os jovens.

Outros pontos de ação incluem:

• dividir tecnologias avançadas para ajudar países de baixa-renda a desenvolverem fontes de energia e economia de forma sustentável que não contribuam para o aquecimento global;
estabelecer cuidados aos bens comuns, incluindo a atmosfera e ecossistemas, no centro das agendas de governo e acadêmicas;
• respeitar o direito a um trabalho decente para todos;
• abolir imediatamente os paraísos fiscais em todo o mundo;
• prover educação de qualidade e oportunidades iguais de trabalho para as mulheres;
• destinar os recursos da guerra para educação e saúde pública.

Embora algumas pessoas possam considerar esses pedidos “utópicos”, os participantes disseram ver seus posicionamentos como “proféticos, e portanto podem pedir, pedir e pedir novamente, porque o que parece impossível hoje parecerá menos amanhã, graças ao compromisso e à insistência”.

“Pedimos tudo isso antes de nós mesmos, e estamos comprometidos em viver os melhores anos de nossa energia e inteligência para que a [Economia de Francisco] possa trazer cada vez mais sal e fermento para a economia de todos”, escreveram.

O encontro Economia de Francisco foi projetado para ser um catalisador colaborativo para imaginar um novo sistema econômico, que beneficia e prioriza as pessoas, os pobres e o planeta. Foi chamado por alguns de “Davos do Papa”, uma referência ao Fórum Econômico Mundial anual de líderes globais, mas substituindo a elite empresarial mundial por aspirantes a economistas e empresários, todos com menos de 35 anos.

Em uma mensagem de vídeo no sábado, Francisco foi direto: “Precisamos de mudanças, queremos mudanças e buscamos mudanças”. Ele enfatizou “a necessidade urgente de uma narrativa econômica diferente” e exortou aos jovens que compartilham de sua crença a “arregaçar as mangas” e assumir a liderança.

“A gravidade da situação atual, tornada ainda mais evidente pela pandemia de covid-19, exige que uma posição responsável seja tomada por todos os atores sociais, todos nós, com vocês na linha de frente”, disse o Papa.

E continuou: “É chegado o momento de enfrentar o desafio de promover e incentivar modelos de desenvolvimento, progresso e sustentabilidade em que as pessoas, especialmente os excluídos (incluindo a nossa irmã Terra), não sejam mais – no máximo – meramente nominais, presença técnica ou funcional. Em vez disso, eles se tornarão protagonistas em suas próprias vidas e em toda a estrutura da sociedade”.

Francisco repetiu as palavras do papa Paulo VI ao dizer que o desenvolvimento não pode se limitar ao crescimento econômico, mas sim promover a totalidade de cada pessoa. Ele chamou o sistema atual de desequilibrado estruturalmente e disse que não era suficiente aumentar a riqueza e distribuí-la de forma mais justa, confiar na filantropia para preencher lacunas ou contar com novas tecnologias para tornar a Terra um lugar melhor para a vida humana. Em vez disso, é necessário “recuperar o senso do bem comum”, disse Francisco; os pobres requerem mais do que bem-estar social, mas um lugar à mesa no desenvolvimento de novos modelos econômicos que beneficiem a todos.

“Sem atalhos! Sejam fermento! Arregacem as mangas! Depois que a atual crise de saúde passar, a pior reação seria cair ainda mais profundamente no consumismo febril e em formas de autoproteção egoísta. Lembre-se: nunca saímos iguais de uma crise; ou terminamos melhor ou pior”, disse ele.

Uma oportunidade de mudar de rumo

Com o Papa e o santo como inspiração, a Economia de Francisco reuniu mais de 2 mil jovens para entrar na conversa sobre como seria uma nova economia inspirada em seus ensinamentos. E, embora a pandemia do coronavírus alterasse os planos de nos reunirmos pessoalmente em Assis, pouco fez para diminuir a convicção dos participantes da necessidade de uma mudança econômica global.

“Você não desanimaram”, disse Francisco, “e, de fato, apreciei o nível de reflexão, precisão e seriedade com que trabalharam. Vocês trouxeram aqui toda a paixão pelas coisas que lhes emocionam, porque vocês se preocupam, ficam indignados e incentivados a trabalhar pela mudança”.

Kate Raworth, economista do Instituto de Mudança Ambiental da Universidade de Oxford, disse que as crises vividas nesta primeira parte deste século – a recessão global de 2008, as mudanças climáticas e os impactos econômicos e sanitários da pandemia do coronavírus – ilustram quão profundamente interligado é o mundo hoje e como os sistemas atuais não apenas contribuíram para as crises, mas não podem resolvê-las porque não foram projetados com esses desafios.

“Precisamos reimaginar como será a prosperidade humana no século XXI e uma visão que não dependa de uma expansão infinita em todos os lugares”, disse ela.

Raworth disse que seu “modelo donut” de economia e limites sociais e planetários “é a selfie da humanidade do século XXI”. Mas ela disse que também pode ser uma “bússola” de como as economias devem avançar.

O modelo donut ilustra dois anéis inter-relacionados: um interno que mede como as nações estão atendendo às necessidades essenciais das pessoas, conforme definido pelos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas; e um externo que rastreia como os países estão excedendo as fronteiras planetárias de suporte à vida relacionadas ao clima, biodiversidade, poluição e uso da terra.

“O objetivo aqui é atender às necessidades de todas as pessoas dentro dos meios do planeta vivo. E de repente o objetivo da humanidade não é uma expansão sem fim – está prosperando em equilíbrio”, disse ela.

O mundo como um todo e as nações individuais estão atualmente longe de ser equilibradas, acrescentou Raworth, com países de alta renda como os EUA ainda não atendendo a todas as necessidades essenciais dos cidadãos, ao mesmo tempo em que colocam uma pressão desproporcional nos recursos do planeta. O país mais próximo da “zona do donut” é o Vietnã.

Raworth disse que uma meta econômica central deve ser a criação de novos modelos de negócios que permitam que o desenvolvimento tire as pessoas da pobreza, mas não às custas da destruição ambiental.

“Isso nunca foi feito. É uma nova jornada, que requer uma nova visão, nova ambição e novas políticas”, afirmou.

Muhammad Yunus, economista bengali e ganhador do prêmio Nobel em 2006, fundador de um movimento global de microcrédito, disse que as finanças foram originalmente criadas para facilitar as trocas comerciais, mas rapidamente transformaram-se em um veículo para consolidar a riqueza e “fazer algumas poucas pessoas mais ricas”.

Em uma conversa na sexta-feira com quatro jovens economistas, Yunus disse que a pandemia de coronavírus expôs a fraqueza do atual sistema econômico, onde aqueles que estão às margens da sociedade caem com frequência na pobreza – algumas vezes em questão de semanas – enquanto “um festival de superlucros” ocorre entre companhias que fazem dinheiro no tempo pandêmico, estocando mercadorias e com a produção da vacina.

Enquanto as nações procuram recompor suas economias após a pandemia, disse Yunus, retornar a esse estado seria um erro.

“Estou dizendo a todos, por que vocês querem voltar para uma situação pré-pandêmica? Era terrível. Esse mundo está absolutamente nos empurrando para a nossa morte final e o desastre final porque o aquecimento global nos empurrará para essa direção”, disse ele.

Como outros, incluindo o Papa, ele disse que a pandemia “parou a máquina” e permitiu uma oportunidade de examinar se a humanidade deseja mudar de curso. Isso está ocorrendo no início de uma década crítica, durante a qual as emissões globais de gases de efeito estufa devem ser reduzidas à metade até 2030, e os países se comprometeram coletivamente em alcançar os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU.

Yunus apontou para uma meta de “três zeros”: zero emissões de carbono, zero concentração de riqueza, zero desemprego. Para chegar lá, será necessário construir novos caminhos, disse ele, caso contrário, a humanidade acabará no mesmo destino.

“Precisamos nos decidir para que isso aconteça. Está em nossas mãos”, disse Yunus.

Economia, ecologia, casa

Vandana Shiva, uma física indiana e ativista ambiental, em uma discussão na sexta-feira disse que, embora Aristóteles considerasse a economia como a arte de viver, ela agora foi distorcida para significar ganhar dinheiro.

Ela continuou a citar o papa Francisco em sua exortação apostólica Evangelii Gaudium, de 2013, onde ele diz que o bezerro de ouro voltou pela idolatria do dinheiro. Além disso, Shiva disse que o progresso se concentrou em “desempenhar o papel de Deus”, seja pela edição de genes, sementes geneticamente modificadas ou automação. As crises atuais que o mundo enfrenta, ela acrescentou, estão “enraizadas na ideia de que a natureza está morta, as pessoas são matérias-primas a serem usadas e exploradas – elas também são apenas insumos para a máquina”.

Observando que ecologia e economia compartilham uma raiz comum, “a casa”, ela acrescentou que “a economia deve cuidar de nossa casa comum” e buscar trabalhar em harmonia com a natureza por meio do trabalho para restaurá-la e preservá-la, em vez de apenas extrair recursos a partir dela.

“Percebi que o melhor princípio econômico é o que São Francisco nos deu: é só dando que recebemos”, disse ela.

Shiva disse que o momento presente apresenta uma chance de “reivindicarmos nossa humanidade profunda” e unidade uns com os outros e com a Terra. “Somos, é claro, uma espécie entre trilhões. E somos uma humanidade em um planeta. E a Economia de Francisco mostra o caminho”, disse ela.

Quanto ao que acontecerá a seguir, os membros do comitê para a Economia de Francisco disseram que o trabalho continuará através dos centros regionais, bem como dos centros de “vilas” dispostos em torno das 12 áreas temáticas de interesse.

Eles também esperam realizar outro encontro em Assis, desta vez pessoalmente, possivelmente no outono de 2021, e incluir mais pessoas da África e da América do Sul, bem como pessoas de baixa ou nenhuma renda.

Num momento do sábado, os participantes compartilharam mensagens de vídeo sobre o que a Economia de Francisco significava para eles.

Boa música para o nosso planeta”.

O início de uma nova economia global que não deixa ninguém para trás”.

Criando uma cultura de conservação, preservação e inclusão”.

A comunidade que põe em prática Fratelli Tutti”.

"Um mundo melhor para nossos filhos".

Um ponto em que todos concordaram apareceu na tela quando a transmissão ao vivo se aproximava do fim: “Este é apenas o começo”.

 

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