24 Outubro 2019
Em situações de risco, a intervenção do Estado é decisiva e a lição de Keynes é sempre atual. Como explica o economista Jean-Paul Fitoussi.
A entrevista é de Eugenio Occorsio, publicada por La Repubblica, 21-10-2019. A tradução é de Luisa Rabolini.
"O capitalismo não morreu, apenas não está evoluindo. Pelo contrário, precisa urgentemente de elementos do socialismo, a partir da consciência de que deve garantir uma maior proteção social. Caso contrário, corremos realmente o risco de uma revolução". Jean-Paul Fitoussi, nascido em 1942, guru da SciencesPo e há alguns anos professor na Universidade Luiss em Roma, durante muito tempo presidente da agência do Conseil d'analyse économique do Palais Matignon, passou a vida estudando as inter-relações entre a doutrina econômica dominante e a melhoria efetiva do bem-estar dos cidadãos. Ele acaba de publicar La neolingua dell'economia (A neolíngua da economia, em tradução livre, lançado em 3 de outubro na Itália pela Einaudi) dedicado aos aspectos deteriorantes do capitalismo.
E em 19 de novembro, está prevista a atualização do estudo "A medida errada de nossas vidas" resultado do trabalho da comissão "Beyond Gnp", que Fitoussi preside junto com Joseph Stiglitz na OCDE (os demais são Thomas Piketty, Enrico Giovannini e Chiara Saraceno).
Professor, qual é o crime histórico do capitalismo que deve nos dar a sensação de estarmos sentados em um barril de pólvora?
Vou dar um exemplo. Há décadas o desemprego está entre nós, às vezes menor nas poucas ilhas de bem-estar, mas quase sempre de forma endêmica. E é como se a sociedade capitalista o tivesse assumido como um aspecto normal. É inevitável pensar que o desemprego seja funcional para a manutenção da estrutura capitalista; aliás, seja seu próprio motor: porque torna os trabalhadores menos fortes e de posse de menor poder de barganha do que os empresários, porque, ao manter baixa o nível dos salários aumenta aquele dos lucros e das rendas financeiras do produto nacional, porque penaliza a competitividade e, portanto, torna vulneráveis os países.
Quais são os perigos que se corre?
Banalmente os ataques da concorrência do exterior, mas depois o aumento das desigualdades, a expansão da pobreza, a deterioração da estrutura social e, portanto, da democracia. Nesse ponto, como eu disse, existe um risco concreto de revoltas internas que podem se tornar muito perigosas. O pior é que a história parece não ensinar nada. Sem ir muito longe, aqui na França tivemos a luta das banlieues, que produziam apenas melhorias marginais nas condições de vida das periferias, agora os coletes amarelos. Em relação aos quais, é verdade, Macron fez concessões, mas elas não são nada comparadas aos favores que ele fez aos ricos, desde a redução do imposto sobre a renda financeira às medidas sobre a herança e as casas de luxo. Em outros lugares a rebelião assume outras formas: a ultra-direita na Alemanha, o populismo na Itália, o Brexit, Trump. Cada situação com suas armadilhas em termos de democracia e justiça social. O capitalismo ocidental está correndo o risco de perder o equilíbrio que o sustentava até hoje.
O último nome citado continua sendo o maior mistério: um bilionário se tornou o queridinho dos "trabalhadores" ...
Mas porque ele conseguiu convencê-los de que o perigo vinha dos imigrantes e da concorrência internacional desleal, como se os estadunidenses não protegessem sua indústria e sua agricultura. Nada mais absurdo. No entanto, olhando a história justamente nos Estados Unidos, encontramos o exemplo mais brilhante de solução para as crises, tanto aquela da década de 1930 quanto aquela recente das finanças. Uma intervenção maciça do estado resolveu os problemas, Keynes no estado puro.
O nome de Keynes reaparece o tempo todo, até mesmo entre os defensores do capitalismo liberal. Inadequadamente?
Certamente que sim, Je suis socialiste, não toquem em Keynes. Sua teoria era tão simples quanto vencedora: o estado deve intervir na economia quando os cidadãos estão em risco. Deve assumir cotas nas empresas, investir diretamente nas infraestrutura, assumir a responsabilidade nas situações mais desesperadas, melhorar e não acabar com as garantias sociais, os subsídios de desemprego, as certezas da proteção das aposentadorias por saúde. Chama-se política econômica. O capitalismo a médio prazo tira vantagem disso porque, no final, a estrutura do livre mercado é salvaguardada, mas passando através de fortes doses de socialismo.
Não para diminuir o nível da discussão histórica, mas as notícias nos fala de fortes controvérsias na Europa: esse intervencionismo estatal, do qual se sente a necessidade, deve passar pelo crivo de Bruxelas. Como fazer isso?
De fato, está errada a abordagem rigorosista da qual, por contribuição da Alemanha, é permeada a política comunitária. É o caminho mais seguro para a implosão das sociedades capitalistas. É necessária uma revisão radical da abordagem da União Europeia que permita déficits públicos mais amplos para financiar o desenvolvimento futuro. Não se esqueçam da lição da Grécia, onde os suicídios e a mortalidade infantil aumentaram.
Mas a nova presidente da UE, Ursula von der Leyen, declarou-se aberta a uma maior flexibilidade. Podemos ter esperança?
Eu não teria muitas ilusões, porque essa mudança de mentalidade exige uma revisão constitucional dos tratados, que não é faculdade da comissão, mas o conselho europeu que deve aprová-la por unanimidade e dada a rigidez dos países nórdicos, a meta é inatingível. Em outras ocasiões houve uma sugestão efêmera de afrouxamento das restrições, como quando Alemanha e França excederam o 3%, mas tudo acabou aí. Enquanto isso, as desigualdades causam estremecimentos: outro dia, no Les Echos, apareceram duas manchetes: uma dizia que Bernard Arnault aumentou sua fortuna pessoal em 30 bilhões, a outra chamava a atenção para o escândalo, porque aumentou em 1% o orçamento da previdência social. Veja você, até onde o capitalismo pode chegar quando tenta proteger a si mesmo!.
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Pode ser banal, mas o socialismo é necessário. Entrevista com Jean-Paul Fitoussi - Instituto Humanitas Unisinos - IHU