05 Junho 2019
"Sob a batuta da classe dominante, as mineradoras, em conluio com o Estado Brasileiro, estão fazendo guerra contra os povos, contra a mãe terra, contra a irmã água, contra todos os seres vivos e contra as futuras gerações. Os megaprojetos de mineração chegaram à exaustão e estão causando o colapso das condições materiais de vida", escreve Gilvander Moreira, frei e padre da Ordem dos carmelitas.
Com o Tema "Bacia do Rio Doce, nossa Casa Comum", e o Lema “Vão-se os bens da criação, ficam miséria e destruição! E agora, José?” aconteceu em Itabira, MG, a 4ª Romaria das Águas e da Terra da Bacia do Rio Doce, dia 02 de junho de 2019, domingo. Participaram cerca de 10 mil pessoas, romeiras e romeiras da mãe terra e da irmã água, todos/as irmanadas/os na defesa da nossa única Casa Comum: o planeta Terra.
Com dois caminhões de som interligados, com a presença do cantor e compositor das CEBs, Zé Vicente, com músicas proféticas, com gritos de luta, com palavras de pessoas golpeadas pela mineração, durante toda a manhã de ontem, 02 de junho de 2019, por muitas ruas e avenidas de Itabira, aconteceu a 4ª Romaria das Águas e da Terra da Bacia do Rio Doce. E aconteceu com a presença de Nossa Senhora Aparecida, de São Francisco de Assis (patrono da Romaria das Águas e da Terra), com um grande cruzeiro que foi carregado solidariamente e ao final da Romaria fincado ao lado da Igreja de Nossa Senhora da Piedade, na Praça José Máximo Resende Filho, em Itabira, que será o símbolo ad eternum dessa 4ª Romaria. Deixamos plantadas na portaria da mina Cauê, da mineradora Vale, em Itabira, mais de 300 cruzes, cada uma com o nome de um/a dos/as mártires das mineradoras Vale/Samarco/BHP e Estado. Ao final da Celebração Eucarística da 4ª Romaria, foram distribuídas mais de 300 mudas de plantas nativas, cada uma também com o nome de um/a dos/as mártires dos crimes/tragédias das mineradoras/Estado e levadas pelas romeiras e romeiros para serem plantadas e cuidadas. Isso é sinal de que a luta conjunta de todas as forças vivas da sociedade vencerão essa máquina de guerra devastadora que está em ação sob a liderança da mineradora Vale e outras mineradoras, com a cumplicidade do Estado: poderes executivos, legislativo e judiciário em todos os níveis, salvo raras exceções. E, obviamente, com o respaldo do poder midiático.
Sob a batuta da classe dominante, as mineradoras, em conluio com o Estado Brasileiro, estão fazendo guerra contra os povos, contra a mãe terra, contra a irmã água, contra todos os seres vivos e contra as futuras gerações. Os megaprojetos de mineração chegaram à exaustão e estão causando o colapso das condições materiais de vida. Não dá mais para tolerar essa máquina assassina que é o sistema capitalista, com agronegócio, monoculturas e mineradoras espalhando terror nos territórios como dragão do Apocalipse.
Essa 4ª Romaria oxigenou com espiritualidade profética as milhares de pessoas que dela participaram. Vimos e experimentamos que a terra natal do poeta Carlos Drumond de Andrade e o berço da mineradora Vale, Itabira, se tornou uma cidade dentro de crateras da mineração, sempre coberta pela poeira tóxica e por resíduos de minério que a gente vê a todo instante nas ruas, nas calçadas e sobre as casas. Segundo pesquisas da Universidade de São Paulo (USP), Itabira se tornou uma das cidades do Brasil campeã em número de pessoas com depressão e em número de suicídio, tudo isso consequência da exploração de minério. Mas também Itabira está se tornando uma cidade cada vez mais com um povo lutador pelos seus direitos.
Com alegria, socializamos, abaixo, duas pérolas proféticas da 4ª Romaria das Águas e da Terra da Bacia do Rio Doce: um pequeno texto de Zé Vicente e a Carta da 4ª Romaria.
Por Zé Vicente, cantor e compositor das CEBs
Ontem, dia 02 de junho de 2019, pela manhã, nas grandes avenidas e na rodovia que circunda a mina controlada pela mineradora Vale, em Itabira, MG, mais de dez mil pessoas marcharam, mostrando que somos e seremos cada vez mais um povo unido. Gritamos, como, e com a força das pedras e montanhas de nossa terra, por Vida, com justiça. Pelos direitos sagrados, humanos e ambientais.
Aqui na casa do Poeta Carlos Drumond de Andrade, entendi melhor o seu poema: " No meio do caminho tinha uma pedra. Tinha uma pedra no meio do caminho... No meio do caminho tinha uma pedra…" Sim, querido poeta, unidos seremos a Pedra no sapato e nas consciências dos tecnocratas e magnatas do mercado e dessas Vales sem escrúpulos e, desses que vendem nossas fontes de água e de riqueza, que pertencem, em primeiro e inegociável lugar, ao Povão brasileiro. Pedra seremos no Caminho do Sistema que mata e anestesia a mente e a lucidez das pessoas, usando e corrompendo governos, poderes legislativos, judiciários, grande mídia e até certos pastores e grupos de influência religiosa, que distorcem e manipulam a Palavra para abençoar tiranos e corruptos assassinos.
Uma placa na entrada da Vale usava uma frase de um Salmo bíblico para seu falso sossego. Vejam nas fotos. Ontem, fizemos história na 4a Romaria das Águas e da Terra da Bacia do Rio Doce e Dioceses desta Região e da Vizinhança. Seguiremos, em nome de todas as vítimas dos crimes em Mariana, Brumadinho e em qualquer lugar de nosso Planeta; com a bênção de Deus a quem somente daremos a Honra, o Poder e a Glória.
Uma quaresmeira florida nos sorriu de dentro da mina, sinalizando que podemos contar com as flores e, com pessoas que, mesmo dentro da engrenagem, não farão o jogo de seus crimes.
Vão-se os bens da criação, ficam miséria e destruição! E agora, José?
Somos um povo peregrino, povo em romaria, em busca da terra prometida, construtor do reinado de Deus, que é um reino “de justiça, paz e alegria no Espírito Santo” (Romanos 14, 17). Por isso, caminhamos na força de um sonho maior, solidário com todas as pessoas que têm “fome e sede de justiça”, a justiça do Reino, sempre por ser atingida e realizada. Trazemos nossa solidariedade com todas as vítimas dos crimes/tragédias socioambientais provocados pelas empresas mineradoras em nossas Minas Gerais e outras regiões deste planeta, anunciando-lhes uma boa notícia: “felizes os que choram”. Suas lágrimas fecundam toda criação, pois “também a própria criação espera ser libertada da escravidão da corrupção, em vista da libertação que é a glória dos filhos de Deus” (Romanos 8, 21).
Caminhamos pelas terras sagradas de Itabira, MG, que contêm “noventa por cento de ferro nas calçadas e oitenta por cento de ferro nas almas”, como canta o poeta. Itabira é a síntese de nosso Estado, a terra mineira prometida por Deus ao seu povo de ontem e de hoje, conforme descrita, de forma minuciosa, na Bíblia, em Deuteronômio 8,7-14; 8,19; 29,21-23. Nesse texto sagrado, Deus garante que o seu povo vai encontrar uma terra boa e com muita água. Terra boa para agricultura e até para a mineração. E Deus mesmo estabelece um limite para a sua exploração, mediante normas de conduta que garantam o bem comum, promovam as pessoas e assegurem a natureza. Quando essas regras são descumpridas, vem a maldição (29,21-23). “Olhe! Javé seu Deus vai introduzir você numa terra boa: terra cheia de ribeirões de água e de fontes profundas que jorram no vale e na montanha; terra de trigo e cevada, de vinhas, figueiras e romãzeiras, terra de oliveiras, de azeite e de mel; terra onde você comerá pão sem escassez, pois nela nada lhe faltará; terra cujas pedras são de ferro e de cujas montanhas você extrairá o cobre. Quando você comer e ficar satisfeito, bendiga a Javé seu Deus pela boa terra que lhe deu. Contudo, preste atenção a si mesmo, para não se esquecer de Javé seu Deus e não deixar de cumprir seus mandamentos, normas e estatutos, que hoje eu ordeno a você”.
Diante da Palavra de Deus, de sua promessa e de suas advertências, entendemos que, neste momento histórico, somos desafiados a assumir uma responsabilidade crítica e propositiva sobre as atividades mineradoras em nossa região e em nosso planeta. Conscientes de que somos herdeiros das promessas divinas e de que “O Senhor Deus é nossa força, Ele nos dá pés ligeiros como os da gazela e nos faz caminhar nas alturas” (Cf. Habacuc 3,19), subimos ao Pico do Amor, no bairro Campestre e chegamos à Paróquia Nossa Senhora da Piedade, trazendo os gritos de toda a população da Bacia do Rio Doce, nossa Casa Comum e os gritos da mãe terra, assumindo uma verdadeira “conversão ecológica”, como nos adverte o Papa Francisco: "As religiões têm um papel fundamental a desempenhar, pois, para garantir um futuro sustentável corretamente, precisamos reconhecer nossos erros, pecados, faltas e falhas, o que leva a um sincero arrependimento e desejo de mudança. Dessa forma, podemos nos reconciliar com
os outros, com a criação e com o Criador". Somente assim, podemos “nos comprometer a promover e implementar um desenvolvimento sustentável, apoiados pelos nossos mais profundos valores religiosos e éticos, considerando que o desenvolvimento humano não é apenas uma questão econômica ou dos especialistas: é uma vocação, um chamado que requer uma resposta livre e responsável de todos, que se desenvolvam em conjunto com a nossa irmã Terra e nunca contra ela".
Condenamos o atual modelo econômico devastador e destruidor, que é voraz, orientado apenas para o lucro: Vão-se os bens da criação, ficam miséria e destruição! Propomos uma mudança de paradigma em todas as nossas atividades econômicas, incluindo a mineração, pois somos responsáveis por entregar às gerações futuras um mundo melhor do que este que recebemos. Temos conhecimentos e condições suficientes para reorganizar a vida em sociedade para além do sistema extrativista, materialista, individualista e consumista, que quer a todos devorar.
Somos também solidários com a Igreja Pan Amazônica em seu Sínodo a se realizar em outubro, na busca de novos caminhos para a Igreja e por uma ecologia integral. De Itabira, sob as bênçãos de Deus, renovamos, com esta Romaria, nossas forças e organização, nosso compromisso com a vida, em todas as suas expressões e dimensões, a partir de nossa Bacia do Rio do Doce, nossa Casa Comum.
Itabira-MG, 02 de junho de 2019.
Romeiros e romeiras da 4ª Romaria das Águas e da Terra da bacia do Rio Doce.
O vídeo abaixo ilustra o assunto acima.
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Com mineração, “vão-se os bens da criação, ficam miséria e destruição! E agora, José?” - Instituto Humanitas Unisinos - IHU