14 Março 2019
"Talvez seus irmãos cardeais não o soubessem, mas Jorge Mario Bergoglio é o papa do sul, primavera do mundo, eleito para o trono de Pedro para dar ao Evangelho a voz primaveril desta nova primavera global.", escreve Riccardo Cristiano, jornalista, em artigo publicado por Formiche, 13-03-2019. A tradução é de Luisa Rabolini.
13 de março de 2013. Foi eleito papa Jorge Mario Bergoglio, o papa da Igreja em saída, da Igreja pobre, da Igreja do hospital de campanha, o papa que rompe as fronteiras internas das sociedades e entre as sociedades e abre os corações aos migrantes, ao diálogo como único método, que fala do Deus da Misericórdia e da primavera do Evangelho. Tudo isso é certamente o Papa Francisco desde aquela noite em que ele se apresentou como bispo de Roma, vindo do fim do mundo.
Mas se Bergoglio é certamente isso, tudo isso, apesar deste ser o tempo do fechamento, da riqueza, das fronteiras pessoais e estatais, dos cuidados negados, da violência mimética, da ira de Deus, da rejeição de todas as primaveras, a “epocalidade” de seu pontificado talvez, e também, esteja em algo mais: em uma palavra, discernimento e em uma perspectiva, o sul do mundo. Vamos começar com o discernimento.
Imaginemos Bergoglio que neste tempo dramático releia a quarta regra do discernimento nos Exercícios Espirituais de Santo Inácio: " Desolação espiritual. Chamo desolação a todo o contrário da terceira regra, como obscuridade da alma, perturbação, inclinação a coisas baixas e terrenas, inquietação proveniente de várias agitações e tentações que levam a falta de fé, de esperança e de amor; achando-se [a alma] toda preguiçosa, tíbia, triste, e como que separada de seu Criador e Senhor.
Porque assim como a consolação é contrária à desolação, da mesma maneira os pensamentos que provêm da consolação são contrários aos pensamentos que provêm da desolação. (Exercícios Espirituais, nº 317).
Olhando para a divergência entre o mundo real, suas tendências tão distantes do acolhimento ao estrangeiro, porque em primeiro lugar estamos nós, os nativos, tão distante do gesto de visitar os prisioneiros, porque quem errou deve ser trancado naquele lugar separado “e então jogar fora a chave", tão distante do ato de visitar os doentes, porque "eu me salvo sozinho", devemos também imaginá-la relendo a primeira regra do discernimento: “Nas pessoas que vão de pecado mortal em pecado mortal, costuma ordinariamente o inimigo propor-lhes prazeres aparentes, fazendo-lhes imaginar deleitações e prazeres sensuais, para mais as conservar e fazer crescer em seus vícios e pecados. Com estas pessoas o bom espírito usa um modo contrário: punge-lhes e remorde-lhes a consciência pelo instinto da razão." (Exercícios Espirituais, n. 314). Em suma, o discernimento, como escreveu o padre Francisco Occhetta, "na vida espiritual ajuda a fazer escolhas. Discernir significa peneirar, separar, distinguir as vozes do coração que nos habitam para poder fazer escolhas livres, responsáveis e conscientes".
As vozes mudam porque os contextos mudam, os parâmetros mudam, e para Bergoglio, com o propósito de entender como permanecer fiel ao Evangelho os cristãos devem entender como mudar. De fato, como se pode permanecer fieis na vida? Quem permanecer fiel ao próprio amor aos vinte anos, quando tiver sessenta anos ainda será verdadeiramente fiel? Ele realmente vai amá-lo? Saberá entende-lo? Isso também vale para o Evangelho e significa preservar o espírito da primavera em contextos históricos e sociais diferentes.
Quando o mundo foi dividido em grandes tribos, a escolha constantiniana poderia ter tido algum sentido. Mas já não era mais Igreja constantiniana a Igreja de João Paulo II, aquela que soube ajudar a derrubar o Muro de Berlim, certamente não pra se esconder atrás do bloco ocidental, mas para continuar a unir o mundo e libertar os homens lá do leste. Hoje a escolha só pode ser semelhante e mais radical, porque envolve não uma ideologia, mas uma religião: ser Igreja com o sul do mundo significa, de fato, também ser Igreja com o Islã, continuar a unir e salvar os homens deste sul. É este papa do sul do mundo que os senhores dos vários primatismos detestam, porque ele lhes nega a cobertura fictícia da sempre fictícia guerra de religião que anseiam continuar para a maximização dos lucros.
Temos, portanto, um papa total e globalmente pós-constantiniano, e isso assusta aqueles que veem nos sacramentos um prêmio para os perfeitos, e no Evangelho um código de acesso ao primeiro mundo, que exclui os outros, que combate os outros, que condena os outros.
Para este papa, por outro lado, a capacidade da necessidade de ver Deus em todas as coisas significa saber e ter que o procurar longe, porque ali também existe Deus. Excluir Deus do que não é cristão é um ato de soberba provavelmente insuportável a Deus. Agora que se quer substituir o bipolarismo leste-oeste pelo bipolarismo norte-sul, o pontificado bergogliano discerne e começa estendendo a mão aos dois, para as vítimas africanas, ao islamismo, às religiões orientais, ao iluminismo, ciente do quanto cada um deles, começando pelo Iluminismo, pai da moderna exegese, tenha contribuído para ajudar o cristianismo a se salvar de seus males internos.
O escândalo da pedofilia e das inadequações de tantos bispos e cardeais, por fim ofereceu a Bergoglio a possibilidade de mudar finalmente o discurso romano: chega de instituição de ordenados que defende a si mesma defendendo eles, os "clérigos", mas finalmente Igreja do povo de Deus, homens e mulheres, velhos e jovens, na qual defender a instituição é defender a vítima, que é na Igreja e da Igreja.
Assim, Bergoglio poderá parecer um papa em dificuldade, contra as tendências do mundo: assim como o Evangelho. Apesar de seus sofrimentos indescritíveis e insuportáveis, não vemos talvez que hoje a primavera do mundo é representada pelos povos do sul, pelos migrantes rejeitados por um mundo que se fecha e por regimes que se vivem como prisões? Não são os povos do sul que deram origem ao único movimento global contra a opressão, o movimento dos migrantes? Talvez seus irmãos cardeais não o soubessem, mas Jorge Mario Bergoglio é o papa do sul, primavera do mundo, eleito para o trono de Pedro para dar ao Evangelho a voz primaveril desta nova primavera global.
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Bergoglio. Os seis anos de um papa pós-constantiniano - Instituto Humanitas Unisinos - IHU