25 Julho 2017
No dia 18 de julho, poucos dias atrás, o Pe. Andrea Gallo, o padre da calçada, dos últimos, o fundador da Comunidade de São Bento, no Porto de Gênova, teria completado 89 anos. Depois de pouco mais de dois meses desde a nomeação do Papa Bergoglio, o padre se foi. Estava entusiasmado com a chegada de Francisco. A Igreja, que ele considerava vaga desde a morte de João XXIII, voltava a ser profética. Nos quatro anos desde o falecimento do Pe. Gallo, muitos fatos aconteceram naquela que ele sempre considerou como a sua casa. Falamos a respeito disso com Dom Matteo Maria Zuppi, nomeado pelo Papa Francisco como arcebispo metropolitano de Bolonha, 61 anos, padre desde 1981.
A reportagem é de Loris Mazzetti, publicada no jornal Il Fatto Quotidiano, 23-07-2017. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
A entrevista, na íntegra, estará dentro do novo livro dedicado ao Pe. Gallo que será lançado em setembro: Per sempre in cammino [Para sempre a caminho], editado pela PaperFirst.
Dom Zuppi, conheceu o Pe. Gallo?
Sim, eu o encontrei uma vez em Gênova.
O Pe. Gallo, à missa, levava dois ambões: um com o Evangelho e, sobre o outro, a Constituição. A diocese de Gênova o acusava de ser um excêntrico.
O seu carisma foi fundamental. Com várias dificuldades, o Pe. Gallo sempre esteve dentro da diocese de Gênova, que sempre o acolheu. O seu funeral foi celebrado com muita proximidade pelo cardeal Bagnasco. Gallo manifestava fisicamente aquilo que, no Concílio Vaticano II, tinha encontrado o seu cumprimento, mas que vinha desde antes do próprio Concílio. Penso em quantos teólogos disseram que era preciso ter a Bíblia em uma mão e o jornal na outra.
Gallo falava da Constituição, porque é o fundamento da nossa convivência e o fruto de uma tradição muito alta de valores, de ideais que compõem o humanismo com que devemos nos defrontar. Temos uma dívida enorme para com aqueles de quem a herdamos. Assim, a Bíblia e o jornal, a palavra de Deus e o sinal dos tempos, a Igreja e a vida civil, a sociedade e o mundo secular, sempre em busca do bem comum.
Quem é Matteo Maria Zuppi?
Um pobre cristão, que busca ser cristão, que descobriu no Evangelho, na Igreja, a resposta a muitas perguntas que o inquietavam e que continuam a inquieta-lo, e que tenta ajudar os outros como pode, seguindo os ensinamentos de alguém que nos educa a não nos contentar.
Qual é a virtude mais importante que um padre deve ter?
Rezar, escutar, ler com profundidade o Evangelho e, depois, a proximidade com as pessoas, aquela que o Papa Francisco chama de proximidade em ambos os sentidos, porque a proximidade também permite que o outro se aproxime: eu estou perto de você, e você está perto de mim. Não é possível ser padre permanecendo longe. Ele deve saber escutar o outro, e o outro deve ter a possibilidade de poder manifestar aquilo que tem.
Qual é a sua Igreja, aquela que, na sua opinião, ela deveria ser?
Esta. Uma Igreja que sabe tocar o coração dos homens de muitos modos, que sabe reconhecer a presença de Deus na vida dos homens que, com largueza e com a maternidade de Nossa Senhora, da Mãe da misericórdia, consegue incluir a todos. Às vezes, tornamo-nos pequenos, perdemos a largueza da maternidade. Devemos mantê-la, saber esperar, é um ato de confiança, é muito diferente do laissez-faire. A maternidade não é laissez-faire, mas é também saber esperar.
O Papa Francisco fala de cuidar das feridas e de aquecer os corações dos fiéis. Por feridas, podemos entender: os cristãos divorciados, os casais homossexuais, os escândalos do IOR, o problema da pedofilia, mantido às escondidas durante anos dentro da Igreja?
Certamente são todas feridas, algumas muito profundas, que, em alguns casos, ignoramos porque não nos demos conta, algumas outras vezes, fingimos não ver, outras vezes não sabíamos como enfrentar e, com prudência, apenas tentamos limitar os danos. A atitude a que o Papa Francisco nos convida é chamar as coisas pelo seu nome, não ter medo de nada e acreditar que o caminho da verdade é aquele que permite aliviar a ferida e encontrar o remédio para tratá-la.
O Papa Francisco abriu o debate sobre o papel da mulher dentro da Igreja. O senhor acredita que a Igreja cometeu erros contra a mulher?
O papel da mulher na Igreja nunca foi marginal, embora teve que enfrentar muitas dificuldades, sofrendo até um certo tipo de mentalidade. A Igreja também se confronta com a cultura das pessoas que a compõem. Certamente, devemos ter mais atenção e crer cada vez mais no gênio feminino. Para usar uma expressão de João Paulo II, a mulher é fundamental. Sem ela, a Igreja seria manca.
O Pe. Gallo dizia que, depois de João XXIII, a Igreja esteve vaga. Apenas com a chegada de Francisco é que a Igreja voltou a ser profética.
Não sei. Dizer que a Igreja está vaga é como dizer que a Igreja teria deixado de falar. Certamente, houve frases muito diferentes. Em cada uma delas, devemos saber ler as riquezas e as indicações dadas. Penso no belíssimo documento do Jubileu do ano 2000, Duc in altum, “que nos convida a fazer memória grata do passado, a viver com paixão o presente, a nos abrir com confiança ao futuro”, ou em como o Papa Bento XVI tentou nos ajudar a reviver o espírito do Concílio. Francisco, hoje, nos ajuda a viver a presença da Igreja profética, indicando-nos prioridades, quando fala dos pobres, quando insiste na evangelização, na alegria do Evangelho, especificando: “Eu não digo tudo”. Não é preciso falar de tudo. Quando a Igreja quer dizer tudo, corre o risco de não dizer nada. No passado, isso aconteceu algumas vezes.
Quando disseram ao Pe. Gallo que ele era um padre de rua, ele respondeu: “Eu sou um padre da calçada”. O senhor fez o mesmo, dizendo: “Sou um padre na rua”. O que queria dizer?
Que todos os padres e os cristãos, como tais, só podem estar na rua. Francisco nos lembra disso e nos dá o exemplo. O padre, o cristão não pode ficar sentado em um clube. Nosso Senhor não montou um clube ou um salão mais ou menos na moda. Um padre deve rejeitar o salão e, por tudo aquilo que representa, deve viver na rua.
Há uma Igreja apostólica, profética, que se inspira nos últimos, que prega misericórdia e caridade, e há uma Igreja que é política, poder, luxo, distante das pessoas. A primeira aproxima até os não crentes. A segundo, às vezes, afasta os crentes.
Não há dúvida. O problema é que é sempre a mesma Igreja, aquela que prega a misericórdia, aquela mais verdadeira. Não deve acontecer que a Igreja perca a sua verdadeira motivação tornando-se outra coisa. Eu não acho que seja assim, pelo menos eu espero, porque quando alguém escolhe o luxo não se dá conta de que entrou em um estranho mecanismo. Devemos ouvir o Evangelho, que obriga a todos a ficar na rua, lá onde estão os nossos irmãos menores, mais fracos, que precisam de ajuda. É sobre a misericórdia que seremos julgados.
O que quer dizer quando afirma que devemos ajudar a Igreja a se tornar pobre?
Significa ajudar a Igreja a ser ela mesma. A Igreja herda muitos bens. Dou um exemplo que envolve a diocese de Bolonha. O meu antecessor herdou do seu proprietário, por testamento, uma fábrica, a Faac, uma multinacional que produz portões automáticos. Nós devemos administrá-la com cuidado. Se formos pobres, podemos fazer isso bem, se não entramos na lógica persuasiva do dinheiro, com tudo aquilo que envolve, conseguimos administrá-la bem. Caso contrário, tudo se torna muito mais complicado. Todos os lucros da Faac são destinados a obras de caridade. Demos regras que nos mantêm a salvo de uma eventual utilização dos lucros dentro da diocese.
A Igreja diz estar muito preocupada com a imigração, mas o que faz?
Ainda pouco, em comparação com aquilo que poderíamos fazer. No entanto, muitíssimas das nossas estruturas foram disponibilizadas para o acolhimento. Há também uma responsabilidade sobre a visão do problema, não apenas sobre como enfrentar a emergência. Quando eles desembarcam, é preciso ajudá-los, não se pode deixá-los no meio do mar. É preciso fazer uma política mais ampla. Não estou resignado diante do que está acontecendo, é preciso permanecer humano e encontrar respostas inteligentes que evitem o problema. Infelizmente, o medo e a tentação de nos fechar nos faz encontrar uma falsa segurança. Quem fala em construir muros não favorece a segurança daqueles que estão deste lado. Estamos diante de um problema epocal que deve ser enfrentado por todos, juntos, com inteligência e respeito pela vida humana.
Eu li que, quando passava pela estação de Bolonha, o senhor se comovia ao pensar nos 85 mortos e 200 feridos do massacre do dia 2 de agosto. O nosso país é um país de verdades ocultas, onde é difícil processar o poder.
Sim, é verdade. Tanto para o massacre da estação quanto para o de Ustica, embora tenham passado décadas, estamos muito longe da verdade. A dor é enorme para as vítimas, a falta de verdade dói cada vez mais nos parentes das vítimas e não só. A consequência, infelizmente, é a de acreditar cada vez menos naquilo em que deveríamos ter confiança: as instituições públicas.
O Estado não ajuda, ou é só promessas para além das cores dos governos.
Atrasos, promessas não mantidas, lentidões burocráticas provocam um incômodo terrível. Os parentes das vítimas têm uma sensação de abandono. Aqueles que pensam que eles vivem tudo isso com sensibilidade demais comete um erro. Eles nos lembram qual é o nosso dever. Eu acho que devemos tirar um ensinamento disso: não se deve adiar, render-se, resignar-se, esperando que outra pessoa pense nisso. Até uma clara admissão de incapacidade é melhor do que essa opacidade que cerca os massacres.
O senhor é o bispo dos últimos assim como o Pe. Gallo era o padre dos últimos?
Talvez, talvez. Eu acho que o bispo sempre deve ser o bispo dos últimos, porque eles são os nossos irmãos menores. Eu era o quinto de seis irmãos, cresci em uma família onde os maiores tinham que cuidar de nós, os menores. Sempre pensei que não fazer isso leva a consequências terríveis. Espero ser realmente um bispo dos últimos, porque isso significaria que sou um bispo de todos.
O papa de joelhos pelo Pe. Milani, de joelhos pelo Pe. Mazzolari e, talvez, como um desejo, amanhã também de joelhos no túmulo do Pe. Gallo: isso não representa um sinal de esperança?
É claro, isso nos ajuda a redescobrir os seus valores, a sua obediência. Eles eram muito obedientes e muito livres. Aquele gesto de Francisco significa que podemos tentar tornar a Igreja rica e bonita com o exemplo de quem a viveu de maneira original, dando frutos que são muito evidentes.
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“A Igreja só se salva voltando a ser pobre.” Entrevista com Matteo Zuppi, arcebispo de Bolonha - Instituto Humanitas Unisinos - IHU