Desindustrialização aumenta desemprego

  • Sexta, 19 de Outubro de 2018

Ao longo de 2018 o ObservaSinos trabalhou na criação e publicação do Especial do Trabalho Vale do Sinos. A série histórica do ObservaSinos aborda grandes temas sobre o mundo trabalho entre os anos de 2003 e 2016, período de grande movimentação e transição econômica, política e social no Brasil. Os dados analisados são dos 14 municípios do Conselho Regional de Desenvolvimento - Corede do Vale do Rio dos Sinos, região de atuação do Observatório.

Em uma parceria com a Beta Redação, do curso de Jornalismo da Unisinos, o Especial do Trabalho expandiu sua região de análise para Porto Alegre, capital do Rio Grande do Sul. Os dados coletados e as matérias produzidas foram uma realização dos alunos da editoria de Economia, que utilizaram os tópicos do Especial do ObservaSinos como fio condutor.

A Beta Redação é um projeto de integração de diferentes atividades acadêmicas do curso de Jornalismo da Unisinos em laboratórios práticos, divididos em seis editorias. O objetivo da Beta Redação é proporcionar aos jornalistas em fase final de formação uma vivência intensa da realidade profissional, fomentando a experimentação e o exercício crítico do Jornalismo, em contato direto com o público.

Eis o texto

Especialistas explicam o fenômeno e apontam as mudanças necessárias para o setor voltar a crescer

A reportagem é de Paula Câmara Ferreira, publicada pela Beta Redação, 10-10-2018.

Se a desindustrialização do Brasil e do Rio Grande do Sul antes era tratada como um mito, hoje este fenômeno demonstra ser real. Entre 2011 e 2017, as vagas do Estado no setor da indústria da transformação caíram 43,86% . Os dados são do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (CAGED) — do Ministério do Trabalho, o levantamento ainda aponta que no período de 2014 a 2017 as demissões no setor aumentaram 9%.

Somado a isso, o perfil do Estado, criado pela Confederação Nacional da Indústria(CNI), aponta que o setor da Indústria do Rio Grande do Sul diminuiu 5.3 pontos percentuais na participação total do PIB do estado entre 2005 e 2015.

Infográfico: Evolução do emprego na Indústria da Transformação RS

Valdonete Oliveira, 60 anos, ex-gerente de produção de esquadrias de PVC para construção civil, é um dos trabalhadores que foi cortado pela recessão que indústria vem sofrendo. “Trabalhei durante 11 anos no setor e fui desligado da empresa no início deste ano. A queda de produção começou com a crise brasileira política e econômica que reduziram o financiamento para construção civil, tirando o poder de compra de todo cidadão que precisava de imóvel, as construtoras não conseguiram vender seus imóveis afetando toda cadeia de produção”, relembra.

Oliveira conta também que nos bons tempos eles trabalhavam com 80 pessoas na produção fazendo 160 unidades por dia de esquadrias. Antes de sair da empresa, viu a equipe e a produção diminuir para 28 pessoas e 40 unidades por dia.

Efeitos da desindustrialização precoce

Para a professora do Programa de Pós Graduação (PPG) em Economia da Unisinos, Janaina Ruffoni, o corte de postos de trabalhos e a perda de renda são características da desindustrialização precoce que o Brasil e o Rio Grande do Sul têm enfrentado. “Deixamos de produzir internamente e passamos a importar. Isso é um efeito negativo da desindustrialização. Perdemos fábricas porque deixamos de ser competitivos, vimos acontecer isso na indústria calçadista”, explica.



Janaina acredita que a indústria deveria pensar em novas áreas de atuação, como produtos de fronteira, pensando em biotecnologia e nanotecnologia, focando no agronegócio (Arquivo Pessoal)

Janaina explica que um dos motivos do estado estar experimentando este fenômeno prematuramente é a entrada da China no mercado mundial. “A indústria rio-grandense não estava preparada para enfrentar uma concorrência internacional mais pesada, como quando a China começou a competir com o Brasil em setores como o calçadista, por exemplo”, acrescenta.

A especialista compara a situação atual da indústria brasileira com outros países que passaram pelo fenômeno da desindustrialização de forma “natural” e destaca: “ Nestes casos, eles se desindustrializam, pois começaram a desenvolver atividades mais intensivas de conhecimento e menos manufatureiras. Então, o processo de deixar de industrializar passou a ser relativamente natural, e a indústria vai para outros países”.

Para o professor e pesquisador do Mestrado Profissional em Gestão e Negócios (MPGN) da UNISINOS e Consultor da Associação Brasileira da Indústria Elétrica e Eletrônica no RS (ABINEE), Oscar Kronmeyer, a indústria gaúcha vive um processo de redução de sua capacidade de agregar valor ao produto. “Podemos perceber isso nos setores de maior intensidade tecnológica, como é o caso da indústria eletroeletrônica, onde atuo mais proximamente”, explica.

Kronmeyer salienta que o efeito desta redução é o enfraquecimento dos elos da cadeia de valor industrial, o que reduz o adensamento da cadeia produtiva. “Isto significa a perda da capacidade de inovação, pois é na cooperação dos elos nas cadeias produtivas que se estabelecem as grandes oportunidades para desenvolvimento e inovação de produtos”, conta.

Ainda sobre a desindustrialização natural, Janaina esclarece que o desenvolvimento tecnológico e o design projetual ficam nesses países mais desenvolvidos. “Nestes casos, deixando de produzir bens industriais eles focam sua mão de obra para setores de serviços com maior intensidade tecnológica”, explica.

Janaina aponta ainda que a indústria manteve-se focada nos setores já consolidados e deixou de explorar outras oportunidades. “ Nós não somos um país e um estado que produz produtos tenologicamente intensivos, que tenham mais valor agregado por conhecimento e não pela questão da produção relativamente mais barata”, ressalta.

E Kronmeyer alerta: “O risco é termos indústria sim, afinal somos um imenso mercado, que atrai fornecedores, mas não industrialização, no sentido de dominarmos os ciclos de maior acumulação de riqueza. Ou seja, termos indústrias montadoras de produtos, e não desenvolvimento de produtos. Aí, estamos fora dos elos de maior ganho e multiplicadores da inovação”.

Futuro do RS na indústria

Janaina enxerga como o “pulo do gato” da indústria gaúcha o foco cada vez maior na produção, aumentando o valor agregado dos produtos e também se aventurando em novas áreas. “É trabalhar por exemplo com um calçado de valor agregado, com marca e loja própria. E talvez assim conseguir exportar o valor do design e não só um produto que é barato e que apenas por isso vende em grande quantidade”, fala.



Para Oscar Kronmeyer o RS tem uma grande oportunidade de transformar o perfil de sua indústria, investindo em industrialização e intensificação tecnológica na cadeia do agronegócios (Arquivo Pessoal)

Kronmeyer aponta a automação como o futuro da indústria. “Vejo o Brasil inevitavelmente adotando de maneira cada vez maior as tecnologias de automação, mas é preciso que isto seja feito num progressivo progresso rumo ao estado-da-arte, mas em primeiro lugar assegurando a sustentabilidade econômico-financeira destes investimentos”, explica.

O pesquisador relembra que parte significativa da renda e da competitividade brasileira vem do agronegócio. “No RS, 40 a 44% do PIB vem do agronegócio. Assim, me parece evidente que este é o território com maior potencial para automação. E ainda fica evidente que não estamos falando da automação no seu estado mais sofisticado, mas a automação adequada ao contexto competitivo”, pondera.

Outro ponto destacado por Kronmeyer é a importância da Indústria 4.0 para o RS. “Me parece evidente que a Indústria 4.0 cria extraordinárias oportunidades para o empreendedorismo. Progressivamente, o mundo em rede, impulsionado por esta conectividade proporcionada pela tecnologia, permite que mais e mais atores participem das cadeias produtivas, seguramente conduzidas pelas empresas-âncora, mas com oportunidades para empreendedores estarem presentes nestas cadeias”, destaca.

Janaina destaca que para acompanhar a Indústria 4.0 é preciso haver uma mudança do perfil do trabalhador. “Esse tipo de tecnologia que vem vindo exige multidisciplinaridade para se dar conta dela. Isso tem muito a ver com o perfil da mão de obra. Estamos falando da internet das coisas, da inteligência artificial, de máquinas que aprendem a falar. Então, eu preciso sim de um funcionário com uma capacidade maior de lidar com diferentes conhecimentos e diferentes disciplinas”, expõe.

No campo do empreendedorismo, o professor fala sobre o conceito do PRO-CONSUMER. “Somos produtores e consumidores o tempo todo. Isto já é uma realidade, ainda que em pequena escala: cidadãos vendendo o excedente de sua produção caseira de energia elétrica, viabilizada no Brasil com o Smart Grid; application stores, onde cada cliente pode fazer seu aplicativo e vender pela Apple ou Google Play; oportunidades de prestação de serviços com a manufatura aditiva, com impressão 3D, em casa”, fala. Kronmeyer afirma que esta tendência diminui custos para empresas e para clientes. “O cliente contribui fazendo parte do serviço e porque usa parte da sua infraestrutura”, conclui.