Trabalho inacabado: um exame dos 10 anos de abusos sexuais do clero

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18 Mai 2012

Dez anos depois que a cobertura de notícias generalizada sobre os abusos sexuais cometidos por padres abalou a Igreja Católica dos Estados Unidos, a resposta hierárquica à crise contínua indica que a Igreja "perdeu a sua capacidade de ser uma instituição autocorretiva", disse o padre jesuíta Tom Reese a um simpósio de especialistas em abusos do clero.

A reportagem é de Joshua J. McElwee, publicada no sítio do jornal National Catholic Reporter, 11-05-2012. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

Reese proferiu o discurso principal na manhã do dia 11 de maio em uma conferência de um dia intitulada "Abuso sexual do clero dez anos depois", realizada na universidade jesuíta de Santa Clara, na Califórnia. Depois de Reese, houve uma série de painéis de discussão entre uma ampla gama de especialistas em abuso sexual.

Entre os palestrantes, estavam algumas pessoas que defendem firmemente a resposta dos bispos dos EUA à crise, particularmente desde a implementação da Carta de Proteção a Crianças e Jovens de 2002, e outras que, às vezes veementemente, apontam para as suas fraquezas.

Os apresentadores incluem Kathleen McChesney, primeira diretora do escritório dos bispos dos EUA para a proteção à criança e à juventude; o juiz de Ohio Michael Merz, ex-membro e presidente do National Review Board dos bispos dos EUA; o padre dominicano Tom Doyle, advogado canônico conhecido por ser o autor de um dos primeiros relatórios sobre o assunto; e Barbara Blaine, fundadora e presidente da Rede de Sobreviventes de Abusos Praticados por Padres (SNAP, na sigla em inglês).

Em seu discurso, Reese falou sobre "o trabalho inacabado de resposta à crise dos abusos sexuais". Ele disse que, apesar das mudanças na política da Igreja para melhor investigar os abusos, "o problema na Igreja Católica hoje é que a hierarquia se focou tanto na obediência e no controle" que já não pode mais consertar a si mesma.

"Teólogos criativos são atacados, irmãs são investigadas, publicações católicas são censuradas, e a lealdade é a virtude mais importante. Essas ações são defendidas pela hierarquia por causa dos temores de 'escandalizar os fiéis', quando, na verdade, foi a hierarquia que escandalizou os fiéis", disse Reese, pesquisador sênior do Woodstock Theological Center da universidade de Georgetown.

"Nós ainda não temos um sistema para a responsabilização dos bispos", disse Reese. "É uma desgraça que apenas um bispo, o cardeal Bernard Law, de Boston, tenha renunciado por causa de seu fracasso em lidar com a crise dos abusos sexuais. A Igreja estaria em um lugar muito melhor hoje se 30 bispos ou mais houvessem se levantado, reconhecido os seus erros, assumido a plena responsabilidade, pedido desculpas e renunciado".

"Espera-se que um pastor entregue a sua vida pelas suas ovelhas. Esses homens não estavam dispostos a depor seus báculos pelo bem da Igreja", continuou.

"O Vaticano também precisa fazer o seu trabalho. Ele parece não ter problema algum em investigar irmãs e teólogos, mas investigar a má gestão de um bispo não é uma prioridade", disse.

"Mesmo quando um bispo é indiciado, ninguém tem o bom senso de lhe dizer para tirar uma licença até que o caso esteja encerrado", continuou, em uma aparente referência a Dom Robert Finn, bispo de Kansas City-St. Joseph, em Missouri, o primeiro prelado a enfrentar um julgamento criminal por não ter denunciado um padre suspeito de má conduta sexual.

Reese também disse que a Igreja "precisa reimaginar a sua atitude" em relação aos sobreviventes dos abusos, dizendo que a Igreja dos EUA não pode ver as vítimas "simplesmente como clientes ou como problemas a serem tratados. Ao contrário, devemos vê-las como parte integrante da nossa comunidade, pessoas que devem ser acolhidas".

"Tal atitude encorajaria a Igreja a ir ao encontro das milhares de vítimas de abuso sexual que não se manifestaram. Queremos que elas se manifestem. A Igreja precisa delas".

Dentro do leque de críticas feitas por Reese em seu discurso no simpósio, encontram-se:

  • O fato de que o processo de investigação delineado na Carta de 2002 "parece suspeito, pois está sob o controle do bispo". "A credibilidade episcopal aqui é zero", disse Reese. "O processo só terá credibilidade na medida em que for visto como verdadeiramente independente do bispo. Somente um processo independente terá a credibilidade para dizer: 'Sim, este padre pode voltar ao ministério";
  • Uma falta de disposição por parte dos bispos de indicar quando seus colegas não seguiram as orientações de denúncia dos abusadores. "Os bispos têm que se esforçar e vigiar a si mesmos", disse Reese. "Eles devem se pronunciar e criticar publicamente aqueles bispos que não estão observando a Carta ou que estejam falhando em suas responsabilidades. Os bispos, incluindo o presidente da Conferência dos Bispos, precisam dizer: 'Que vergonha, bispo, ponha a sua casa em ordem'. Isso não é um julgamento canônico. Isso é correção fraterna";
  • O fato de que não há "nenhum procedimento-padrão" para a investigação de denúncias de abuso. "Cada diocese está por conta própria, com o resultado de que algumas fazem o trabalho melhor do que outras", disse Reese;
  • A falta de indicações de "melhores práticas" para as dioceses, para ajudá-las a discernir como investigar os abusos. "Nós nem sequer sabemos quantos padres estão suspensos ou por quanto tempo suas suspensões irão durar", disse Reese. "Muitos padres temem que, se forem falsamente acusados, serão suspensos indefinidamente, porque o bispo tem medo de devolvê-los ao ministério".

Reese também criticou o que chamou de "uma cultura do medo e da dependência" na Igreja.

Apontando para o fato de que os sacerdotes diocesanos são "totalmente dependente da boa vontade dos seus bispos" para obter atribuições e promoções desejadas, ele disse que "falar a verdade ao poder não é algo bem-vindo na Igreja Católica".

"Nessa cultura corporativista, muito poucos vão dizer 'não' ao bispo", continuou, referindo-se ao julgamento em curso na Filadélfia do Mons. William Lynn, ex-secretário do clero dessa arquidiocese, o primeiro administrador diocesano a ser criminalmente acusado de transferir os padres suspeitos de abuso de um lugar para o outro, em vez de denunciá-los à polícia.

"O único pároco da Filadélfia que se recusou a aceitar um padre abusador foi repreendido e punido por desafiar o arcebispo", disse Reese. "É isso que acontece quando você fala a verdade ao poder na Igreja Católica".

Encerrando sua fala com uma tentativa de encontrar esperança para o futuro, Reese disse que, "felizmente, algum dia, o que aprendemos sobre detecção, prevenção e cura dos abusos na Igreja poderá ser de ajuda para responder aos abusos na sociedade norte-americana".

A conferência da Santa Clara University ocorre após a publicação de muitos dos pontos de vista dos palestrantes sobre o escândalo em um novo livro, intitulado Sexual Abuses in the Catholic Church: A Decade of Crisis, 2002-2012 [Abusos sexuais na Igreja Católica: Uma década de crise, 2002-2012].

Publicado em outubro de 2011, o livro também inclui capítulos escritos pelo bispo australiano aposentado Geoffrey Robinson, pelo psicoterapeuta e ex-padre A. W. Richard Sipe, e por Karen Terry, coordenador interino de pesquisa do John Jay College de Justiça Criminal.

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