Os limites de uma arte

Mais Lidos

  • Alessandra Korap (1985), mais conhecida como Alessandra Munduruku, a mais influente ativista indígena do Brasil, reclama da falta de disposição do presidente brasileiro Lula da Silva em ouvir.

    “O avanço do capitalismo está nos matando”. Entrevista com Alessandra Munduruku, liderança indígena por trás dos protestos na COP30

    LER MAIS
  • Dilexi Te: a crise da autorreferencialidade da Igreja e a opção pelos pobres. Artigo de Jung Mo Sung

    LER MAIS
  • Às leitoras e aos leitores

    LER MAIS

Revista ihu on-line

O veneno automático e infinito do ódio e suas atualizações no século XXI

Edição: 557

Leia mais

Um caleidoscópio chamado Rio Grande do Sul

Edição: 556

Leia mais

Entre códigos e consciência: desafios da IA

Edição: 555

Leia mais

19 Agosto 2011

"Cinema, para Malick, não é apenas uma arte destinada a narrar uma história. Ela também pode ser instrumento destinado a expor ideias, desenvolver temas e demonstrar verdades ocultas a um primeiro e superficial olhar. No caso de A árvore da vida, a aproximação pode ser feita, mais do que a um ensaio, a um poema", escreve Hélio Nascimento, crítico de cinema, em artigo publicado no Jornal do Comércio, 19-08-2011.

Eis o artigo.

A radicalização proposta pelo diretor Terrence Malick em A árvore da vida não surpreenderá os que acompanham a filmografia numericamente pequena deste realizador. Mas certamente causará espanto entre a grande maioria dos espectadores atuais, principalmente aqueles programados para acompanhar automaticamente as fórmulas colocadas em prática pelos grandes estúdios.

Malick filma pouco. Desde 1973, ano de seu primeiro longa-metragem, Terra de ninguém, até hoje são apenas cinco filmes, entre eles uma obra-prima, Além da linha vermelha, um dos maiores filmes sobre a guerra e ao lado de Glória feita de sangue, de Stanley Kubrick, a dupla maior do gênero.

O cineasta não concede entrevistas, não permite ser fotografado, não comparece a mostras e festivais. Este ano, A árvore da vida, inscrito pelos produtores, recebeu a Palma de Ouro do Festival de Cannes, sem a presença do realizador.

Este recluso, no entanto, tem grande prestígio entre técnicos e intérpretes. No citado filme bélico foi grande o número de astros que participaram em pequenas aparições, apenas movidos pelo interesse em atuar, mesmo que apenas em poucos planos, num filme do cineasta. Parece que o realizador quer ser conhecido apenas pela sua arte. E pratica um cinema exigente, sem nenhum tipo de concessão. Por vezes até discutível, o que também é uma prova de sua importância. Porém, é possível constatar que desde sua criação o cinema poucas vezes foi submetido à experiência tão rigorosa como a do filme que agora estamos vendo.

A referência a Stanley Kubrick não deve se limitar a uma aproximação de dois filmes do mesmo gênero e nem ao fato de A árvore da vida ter alguns pontos de contato com 2001: uma odisseia no espaço.

É que Malick, desde seus primeiros filmes, vem tentando uma aproximação com o que poderíamos chamar de cinema-ensaio. Ao mesmo tempo, o diretor tem procurado dar continuidade às propostas de Alain Resnais, não apenas nas relações entre tempos diferentes, porque Malick também é interessado na aproximação entre palavra e imagem.

Cinema, para Malick, não é apenas uma arte destinada a narrar uma história. Ela também pode ser instrumento destinado a expor ideias, desenvolver temas e demonstrar verdades ocultas a um primeiro e superficial olhar. No caso de A árvore da vida, a aproximação pode ser feita, mais do que a um ensaio, a um poema.

O cinema é quase sempre aproximado ao romance. Malick, sem desprezar a narração permitida pela participação da câmera como elemento de observação, procura se aproximar do poema. Faz uma espécie de ensaio poético sobre a vida e suas leis, desde seu aparecimento até o presente. No caso do filme atual, ele não se limita às indagações e ao amargor do personagem principal, que não encontra no mundo atual, mesmo que a imagem da ponte possa ser a possibilidade de uma travessia, um ponto de equilíbrio.

O que de mais notável existe no filme se encontra na ligação entre o cotidiano na vida de uma família com as leis que regem a conduta humana e cujas raízes se encontram na violência das primeiras explosões e nos conflitos entre formas ainda não definidas. A abstração não é propriamente uma revolução nas artes visuais.

Antes ela parece ser um retorno a um período no qual a vida apenas procura sua configuração. As imagens que Malick oferece ao espectador são deslumbrantes, mas não estão dissociadas do que virá depois.

A figura do pai autoritário é o símbolo de uma civilização erguida sobre a necessidade de um número extenso de renúncias.

O órgão e o piano são referências a uma necessidade de ordem e disciplina, nem sempre harmonizadas com os desejos humanos. Esta contradição é exposta na cena em que o filho altera o movimento do disco.

O tema do Édipo é igualmente desenvolvido com clareza. E há também outra aproximação, talvez involuntária, a Kubrick. Agora, em vez do Danúbio de Strauss, o que se ouve em algumas passagens é o Moldau de Smétana. Não apenas por estes dois rios as obras dos dois cineastas se aproximam.