25 Julho 2011
No jornal La Stampa de hoje, eu publico um extenso artigo dedicado às polêmicas que surgiram depois da publicação do Cloyne Report, o quarto relatório do governo sobre os casos de pedofilia que envolvem expoentes do clero. Publicado na semana passada, é dedicado à gestão inadequada de alguns casos que ocorreram de 1996 a 2008 na diocese de Cloyne, no sul do país, liderada até o ano passado por Dom John Magee, ex-secretário de três papas (Montini, Luciani e Wojtyla).
A reportagem é de Andrea Tornielli, publicada em seu blog, Sacri Palazzi, 24-07-2011. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
O Relatório Cloyne, em 341 páginas, aborda 19 casos de abuso ocorridos nessa diocese e acusa Magee e, especialmente, o vigário-geral ao qual o bispo havia confiado a gestão desses casos, Mons. O`Callaghan, de não ter enfrentado o fenômeno de modo adequado, evitando implementar todos os procedimentos necessários para proteger as vítimas previstos nas diretrizes da Conferência Episcopal Irlandesa e nas novas normas estabelecidas pela Santa Sé. Surge do relatório como a cúria de Cloyne não aplicou devidamente as regras introduzidas pelo Papa Wojtyla e pelo cardeal Joseph Ratzinger a partir de 2001.
Na terça - feira, 19 de julho, o primeiro-ministro da Irlanda, Enda Kenny, perante o Parlamento, fez um discurso duríssimo atacando o Vaticano de modo direto e sem precedentes. De acordo com o primeiro-ministro, o relatório teria "evidenciado a tentativa da Santa Sé de bloquear uma investigação sobre um Estado soberano" e teria feito "surgir a disfunção, a desconexão e o elitismo que dominam a cultura do Vaticano. O estupro e a tortura de crianças foram minimizados para sustentar, ao contrário, o primado das instituições, o seu poder e a sua reputação". Palavras graves, que fizeram disparar a tensão entre Dublin e a Santa Sé. Palavras que se explicam pelo clima quente perceptível hoje na Irlanda, um país no qual as investigações e os relatórios do governo revelaram a inadequação de muitos bispos.
Diante das acusações do primeiro-ministro, é preciso lembrar que a Santa Sé é mencionada pelo relatório em apenas um caso, em mérito da resposta que foi dada aos bispos irlandeses, em 1997, depois destes terem apresentado ao escrutínio do Vaticano algumas disposições para enfrentar os casos de pedofilia que incluíam, dentre outras coisas, a denúncia obrigatória à polícia. A Congregação para o Clero, tendo examinado o texto, informou que esse documento continha "procedimentos e disposições que parecem ser contrários à disciplina canônica e que, se aplicados, poderiam invalidar os atos dos próprios bispos que estão tentando dar fim ao problema", tornando-os vãos e ineficazes em caso de recurso pelos padres acusados. Uma resposta tecnicamente correta, mesmo que transpareça dela o fato de que, na segunda metade dos anos 1990, ainda não havia a percepção generalizada no Vaticano da gravidade do fenômeno da pedofilia.
Também deve ser lembrado que o então prefeito do clero, Darío Castrillón Hoyos, um ano depois dessa carta, encontrando-se com os bispos irlandeses, havia lhes dito claramente que a Igreja "não deve, absolutamente, obstaculizar o legítimo caminho da justiça civil". "O fato de a Congregação ter proposto objeções – declarou o porta-voz do Vaticano, padre Federico Lombardi – era compreensível e legítimo, mesmo que se possa discutir a adequação da intervenção romana de então com relação à gravidade da situação irlandesa. Não há nenhuma razão para interpretar essa carta como destinada a ocultar os casos de abuso".
O primeiro-ministro Enda Kenny, no entanto, também quis colocar a Santa Sé no banco dos réus. "Infelizmente, o primeiro-ministro não mencionou a reforma radical introduzida nos procedimentos pela Igreja liderada por Bento XVI", explicou o arcebispo de Dublin, Diarmuid Martin, entrevistado pelo Vatican Insider. "A Igreja irlandesa é hoje, sem dúvida, um lugar muito mais seguro para as crianças do que era há poucos anos". A gravidade do ataque está justamente nisto: o primeiro-ministro Kenny pareceu ter se dirigido mais ao Vaticano do que aos bispos da Irlanda inadimplentes.
"Em torno da diocese de Cloyne – admite Dom Martin –, havia um grupo que, em nome de sua própria concepção do `direito canônico`, até mesmo optou por não aplicar as normas da Congregação para a Doutrina da Fé, isto é, do então cardeal Ratzinger". É grave que, mesmo depois da publicação das novas diretrizes vaticanas, tenha havido casos em que elas foram ignoradas, esnobadas ou minimizadas.
Os fatos relatados pelo Relatório Cloyne indicam claramente que mudar as leis não é suficiente. É preciso uma mudança de mentalidade. Justamente o que Bento XVI está fazendo, com regras ainda mais rígidas, com as suas palavras, mas sobretudo com o seu exemplo: nos primeiros seis anos do seu pontificado, multiplicaram-se as decisões firmes e as punições duras para aqueles que se mancharam com os abusos e, sobretudo, pôs-se finalmente a atenção sobre as vítimas, que devem ser acolhidas, apoiadas e ajudadas (coisa que, infelizmente, muitas vezes não acontecia).
A Santa Sé está preparando uma resposta adequada para as acusações gratuitas do primeiro-ministro Kenny, julgadas como infundadas até por muitos observadores irlandeses, que certamente não são suaves com a Igreja Católica.
E, para adicionar novas tensões agora, acrescenta-se também um projeto de lei em estudo na Irlanda, que preocuparia muito a Igreja: se aprovado, obrigaria os sacerdotes a denunciar à polícia notícias sobre abusos de menores mesmo que apreendidas em confissão. Caso contrário, eles passariam cinco anos na prisão. Uma proposta que o bispo Gianfranco Girotti, regente da Penitenciaria Apostólica, definiu como "absurda" e "inadmissível". Também foi claro o distanciamento do sociólogo Massimo Introvigne, representante da OSCE para a luta à discriminação contra os cristãos: "Nem os piores governos totalitários jamais ousaram atacar o segredo da confissão".
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Quando a Irlanda quer o confronto com o Vaticano - Instituto Humanitas Unisinos - IHU