28 Julho 2025
Esta semana, Roma recebe mil criadores de conteúdo religioso nas redes sociais. Eles participarão do Jubileu nos dias 28 e 29 de julho, parte de um Ano Santo com foco no ambiente digital.
A reportagem é de Sara Castro, publicada por El País, 27-07-2025.
Paula Vega viralizou na internet em 2023, quando ela e o marido decidiram passar a lua de mel em Roma para visitar o Papa Francisco. Eles chegaram vestidos de noivos e carregavam suas certidões de casamento. “Queríamos a bênção dele. Eu disse a ele que era uma missionária digital, e ele me disse para tentar”, diz ela. Essa malaguenha de 30 anos redescobriu sua fé há quase uma década e agora compartilha conteúdo religioso no Instagram, onde tem mais de 56 mil seguidores. Ela já está fazendo as malas para retornar ao Vaticano. Pela primeira vez na história, um Jubileu está sendo celebrado com mil influenciadores católicos de 46 países em um Ano Santo que se concentra no mundo virtual. “A Igreja percebeu que os jovens não estão nas paróquias, embora estejam nas redes sociais. Nós somos a porta de entrada para a fé. Temos a melhor mensagem do mundo, mas temos que saber como vendê-la”, diz ela.
O evento, que acontecerá nos dias 28 e 29 de julho, acontece em um contexto em que os dados mostram que a sociedade está se tornando menos religiosa. A porcentagem de católicos é pouco mais da metade, embora apenas 18,8% sejam praticantes, de acordo com a pesquisa do CIS de abril. Entre os menores de 24 anos, o número de fiéis ultrapassa o limite de um terço, e os casamentos religiosos são menos populares, tendo diminuído quase 39% desde 2015. Há duas décadas, 90,2% da população se considerava católica. Esta é uma mudança rápida e significativa.
Xiskya Valladares, mais conhecida como a freira do Twitter, faz uma autocrítica: “As missas não atraem mais os jovens, nem mesmo eu. Eles têm fé, mas se não vão às paróquias, a culpa é nossa. Precisamos nos conectar com a realidade e oferecer a mensagem de Jesus em uma linguagem renovada”. Ela mora em Palma, tem 56 anos, é freira da Congregação da Pureza de Maria, filóloga, doutora em comunicação e missionária digital.
Ela tem 782 mil seguidores no TikTok, embora tenha começado no X (antigo Twitter) há 15 anos. "Eu me interessei muito pelo movimento 15-M, queria saber sobre as preocupações dos cidadãos e descobri o poder das mídias sociais.
Juntei-me a todas as novas que estavam surgindo", diz ela. Como pioneira neste setor, ela faz parte da organização Jubileu para criadores de conteúdo católico. "Haverá um encontro com o Papa, treinamento com profissionais de comunicação, workshops, um concerto, uma missa e uma caça ao tesouro", diz ela.
Ela afirma que o evento não seria possível sem o trabalho do Papa Francisco, que deu importância a essa questão. "Ele me deu a oportunidade de participar com voz e voto no Sínodo da Sinodalidade de 2023. Fui uma das 54 mulheres que, pela primeira vez na história, foram plenamente incluídas no fórum dos bispos", diz ela.
Em sua intervenção inicial, ela lembrou, eles riram dela, mas na segunda assembleia, eles a ouviram e redigiram o primeiro documento oficial sobre a missão digital, que levou a uma Jornada Mundial da Juventude em 2024, em Lisboa, com criadores de conteúdo católicos, apoiados pelo Dicastério para a Comunicação da Santa Sé.
“Os missionários digitais são um lugar de compreensão da realidade da Igreja, de experiências de fé e de questionamento de questões existenciais que nos dizem respeito a todos, embora, claro, não sejam os únicos”, afirma Pablo Velasco Quintana, secretário nacional de comunicação da Associação de Propagandistas Católicos.
Sofía Alas, outra organizadora do Jubileu, reconhece de Roma que a Igreja valoriza cada vez mais a maneira de "comunicar a Palavra de Deus de uma forma mais íntima, não tão teológica como estávamos acostumados". Ela acredita que o anonimato que as mídias sociais oferecem aos usuários favorece uma aproximação mais próxima à fé, pois elimina o medo de ser julgado, relata Íñigo Domínguez.
Laura Pérez, chefe de gestão de talentos da agência de marketing de influência MB TalentsGroup, concorda. Ela afirma que sua empresa emprega diversos criadores de conteúdo religioso. "É um nicho em crescimento; as pessoas estão interessadas em seu estilo de vida", afirma. Ela afirma que eles têm uma capacidade significativa de capturar e reter públicos. "Eles não são uma vitrine vendendo um produto; são perfis diversos que interagem de forma muito humana com sua comunidade", afirma.
Vega estuda teologia e seus colegas são seminaristas. Ela acredita que "um missionário digital precisa ser formado". Ela sabe que a Igreja está trabalhando para apoiar criadores de conteúdo como ela: "A internet tem um grande potencial evangelizador. É claro que as telas nunca substituirão o contato físico. Nós aproximamos os jovens das paróquias".
Às quartas-feiras, ela dedica uma seção no Instagram para "tornar visíveis as mulheres de fé silenciadas dentro da Igreja e reconhecer seu trabalho". Ela sabe que as mulheres têm enfrentado dificuldades dentro da instituição, incluindo ela mesma. "Um padre me disse para deixar a teologia de lado e começar a dar aulas de catecismo ", diz ela.
Quique Mira mora em Valência. Ele tem 27 anos e cria conteúdo católico nas redes sociais. "Minha família não praticava a fé; para mim, não tinha nada a ver com o sentido da vida até conhecer um padre aos 19 anos que me transformou", confessa. Ele deixou a vida noturna onde trabalhava e começou a investir mais em paróquias. "Criei uma conta no Instagram para compartilhar essa experiência", conta.
Alguns dos temas que ele aborda no Instagram, como esperar para fazer sexo até o casamento ou a identidade de gênero de acordo com a religião, causam comoção, mas alcançam milhões de visualizações. Ele se casou recentemente com María Lorenzo, também missionária digital: "Explicamos o que significa viver em um relacionamento a três, incluindo Deus".
Ele tem mais de 200 mil seguidores em todas as suas redes sociais e é o fundador da Aute, "uma organização que aproxima os jovens da fé" e que possui um aplicativo para dispositivos móveis, uma marca de roupas com peças com mensagens cristãs e diversos eventos. "O que costumava ser um púlpito na Igreja para fazer uma homilia, hoje é um vídeo no Instagram. Agora, toda a atenção dos jovens está nas redes sociais, e nós temos que estar lá", comenta.
Paola Pablo, uma dominicana de 30 anos, residente em Madri, é cantora: "Eu evangelizo através da música nas redes sociais; estou no YouTube e no Instagram". Em 2018, ela lançou sua primeira música dedicada a Jesus e, entre esta e seu último single, já compôs 18 músicas. "Estou presente em todas as principais plataformas, como o Spotify. A maioria dos ministérios católicos tem uma distribuidora musical", explica. Ela tem mais de 100 mil seguidores no Instagram.
Ele acredita que as músicas têm o poder de conectar, especialmente com os jovens. "Elas tocam o coração e abrem portas", diz ele, referindo-se ao Hakuna Group Music, a banda jovem cristã que lotou o WiZink Center de Madri em diversas ocasiões. Retiros, exercícios espirituais e concertos estão cada vez mais populares, em sua opinião. "Vai além de ir à missa dominical com a família; cria uma comunidade", diz ele.
Valladares acredita que a religião deve estar presente em todas as esferas e lembra que Bento XVI já dizia que um versículo do Evangelho é tão longo quanto um tuíte. Ele compara a internet a um hospital de campanha, parafraseando o Papa Francisco: “Há muitas pessoas sozinhas e feridas, às vezes pela própria Igreja. Podemos dar-lhes esperança”.
Ele acredita que os criadores de conteúdo católico promovem a sobrevivência. "As igrejas estão vazias ou lotadas de idosos; temos muito em jogo em nossa missão digital", alerta. Ele não vê necessidade de rezar o terço no TikTok e compartilhar fotos de anjos. "As paróquias já existem para a catequese. Falo com ateus e crentes porque não meço o valor de uma pessoa pela sua fé", esclarece. Ele fala abertamente, defende o direito de uma pessoa homossexual ser catequista e se juntou a um movimento juvenil nas redes sociais que, em abril, pediu aos cardeais que criassem um papa do século XXI, não do século XIX.
Carlos García, madrilenho de 33 anos, é missionário digital e faz parte da equipe de comunicação da Delegação da Infância e Juventude da Arquidiocese de Madri. "Cresci em uma família onde a fé não era vivida, mas aos 27 anos me aproximei da Igreja depois de terminar um relacionamento tóxico", diz ele.
Ela começou a compartilhar no Instagram o trabalho que realiza com a organização sem fins lucrativos Misión Hatari, que atua na Espanha e no Peru, e isso começou a gerar interesse. Ela tem mais de 20 mil seguidores. Agora, ela está apresentando novos conteúdos, como sua empolgação com seu casamento, suas peregrinações e seu trabalho em paróquias. "A internet é um lugar para o trabalho missionário; não há fronteiras", resume.
Joaquín Hernández, um padre de 47 anos do bairro madrilenho de Villaverde, começou a usar as redes sociais em 2017. "Essas plataformas me desagradavam um pouco, então decidi fazer algo útil com elas", lembra. Durante o confinamento, ele transmitiu a missa e acumulou 10 mil seguidores. Agora, ele tem mais de 78 mil no Instagram.
Ele criou o podcast semanal Al Lío sobre espiritualidade, fé e estilo de vida. "Meu objetivo não é falar sobre oração o tempo todo. Posso abordar valores cristãos, mesmo sem mencionar Deus", resume. Ele valoriza positivamente o compromisso do Vaticano com a presença digital: "Hoje, se um jornal só publica em papel, está perdido. O mesmo acontece na Igreja; também nos mantemos atualizados".