20 Mai 2025
“O pânico moral é uma situação em que uma pessoa tem medo de aderir às suas próprias convicções morais porque isso exigiria uma certa coragem que poderia ter consequências. Nem sempre somos submetidos a provações que exigem coragem, ou pelo menos integridade”. A reflexão é de Ilan Pappé, professor da Universidade de Exeter, no Reino Unido, em artigo publicado por SinPermiso, 14-05-2025. A tradução é do Cepat.
As reações do mundo ocidental à situação na Faixa de Gaza e na Cisjordânia levantam uma questão preocupante: por que o Ocidente oficial, e especialmente a Europa Ocidental oficial, é tão indiferente ao sofrimento dos palestinos?
Por que o Partido Democrata dos EUA é cúmplice, direta e indiretamente, da falta de humanidade diária na Palestina, uma cumplicidade tão flagrante que provavelmente foi uma das razões pelas quais perdeu a eleição, já que o eleitor árabe-estadunidense e progressista em Estados-chave não pôde, e com razão, perdoar o governo Biden por seu papel no genocídio na Faixa de Gaza?
É uma pergunta pertinente, uma vez que estamos diante de um genocídio transmitido ao vivo que agora foi repetido no terreno. É diferente de épocas anteriores de indiferença e cumplicidade ocidentais, tanto durante a Nakba como durante os longos anos de ocupação desde 1967.
Durante a Nakba e até 1967, não era fácil obter informações, e a opressão pós-1967 foi em grande parte gradual e, como tal, ignorada pela mídia e pela política ocidentais, que se recusaram a reconhecer seu efeito cumulativo sobre os palestinos.
Mas esses últimos dezoito meses são muito diferentes. Ignorar o genocídio na Faixa de Gaza e a limpeza étnica na Cisjordânia só pode ser descrito como intencional e não como uma ignorância. Tanto as ações dos israelenses como a linguagem que as acompanha são visíveis demais para serem ignoradas, a menos que políticos, acadêmicos e jornalistas decidam fazê-lo.
Esse tipo de ignorância é, acima de tudo, o resultado de uma campanha de pressão israelense eficaz, que prosperou no terreno fértil dos complexos de culpa, do racismo e da islamofobia europeus. No caso dos Estados Unidos, é também o resultado de muitos anos de uma máquina de pressão eficaz e implacável que muito poucas pessoas no meio acadêmico, nos meios de comunicação e, particularmente, na política ousam desobedecer.
Este fenômeno é conhecido em pesquisas recentes como “pânico moral” e é muito característico dos setores mais conscientes das sociedades ocidentais: intelectuais, jornalistas e artistas.
O pânico moral é uma situação em que uma pessoa tem medo de aderir às suas próprias convicções morais porque isso exigiria uma certa coragem que poderia ter consequências. Nem sempre somos submetidos a provações que exigem coragem, ou pelo menos integridade. Quando isso ocorre, é em situações em que a moralidade não é uma ideia abstrata, mas um chamado à ação.
É por isso que tantos alemães permaneceram em silêncio quando os judeus foram enviados aos campos de extermínio, e por que os estadunidenses brancos ficaram parados assistindo quando os afro-americanos foram linchados ou, ainda antes, escravizados e maltratados.
Que preço jornalistas proeminentes do Ocidente, políticos veteranos, professores titulares ou CEOs de empresas conhecidas seriam passíveis de pagar se culparem Israel por cometer genocídio na Faixa de Gaza?
Eles parecem estar preocupados com dois possíveis resultados. O primeiro é serem condenados como antissemitas ou negacionistas do Holocausto; o segundo é que temem que sua resposta honesta desencadeie um debate que inclua a cumplicidade de seu país, da Europa ou do Ocidente em geral, na execução do genocídio e de todas as políticas criminosas contra os palestinos que o precederam.
Esse pânico moral dá origem a alguns fenômenos surpreendentes. Em geral, transforma pessoas cultas, eloquentes e competentes em completos imbecis quando falam sobre a Palestina. Impede que os membros mais perspicazes e ponderados dos serviços secretos examinem os pedidos israelenses para incluir toda a resistência palestina em uma lista de terroristas e desumaniza as vítimas palestinas na grande mídia.
A falta de um mínimo de compaixão e solidariedade para com as vítimas do genocídio foi exposta pelos padrões duplos demonstrados pela grande mídia do Ocidente, especialmente pelos jornais mais prestigiados dos Estados Unidos, como o New York Times e o Washington Post.
Quando o diretor do Palestine Chronicle, Ramzy Baroud, perdeu 56 membros de sua família, assassinados pela campanha genocida de Israel na Faixa de Gaza, nenhum de seus colegas jornalistas estadunidenses se dignou a falar com ele ou demonstrar qualquer interesse nessa atrocidade. Por outro lado, uma acusação fabricada por Israel de uma ligação entre o Chronicle e uma família em cujo prédio foram mantidos pessoas reféns despertou enorme interesse e capturou a atenção desses jornais.
Esse desequilíbrio entre humanidade e solidariedade é apenas um exemplo das distorções que o pânico moral acarreta. Não tenho dúvidas de que as ações contra estudantes palestinos ou pró-palestinos nos Estados Unidos, ou contra conhecidos ativistas na Grã-Bretanha e na França, bem como a prisão do diretor do The Electronic Intifada, Ali Abunimah, na Suíça, são todas manifestações desse comportamento moral distorcido.
Um caso semelhante ocorreu recentemente na Austrália. Mary Kostakidis, uma renomada jornalista australiana e ex-apresentadora do SBS World News Australia, um programa semanal exibido no horário nobre, foi levada perante o Tribunal Federal por sua reportagem – um tanto insípida, diga-se de passagem – sobre a situação na Faixa de Gaza. O simples fato de o tribunal não ter rejeitado imediatamente essa acusação demonstra quão enraizado está o pânico moral no Norte global.
Mas há outro lado da moeda. Felizmente, há um grupo muito maior de pessoas que não têm medo de correr os riscos que acarreta abertamente seu apoio aos palestinos e que demonstram essa solidariedade, mesmo sabendo que isso pode levar à suspensão, à deportação ou até mesmo à prisão. Não são fáceis de encontrar no meio acadêmico, na mídia ou na política, mas são a voz autêntica de suas sociedades em muitas partes do mundo ocidental.
Os palestinos não podem se permitir o luxo de deixar que o pânico moral do Ocidente expresse sua voz ou tenha seu impacto. Não ceder ao pânico é um pequeno, mas importante passo para a construção de uma rede global pela Palestina, que é urgentemente necessária: primeiro, para impedir a destruição da Palestina e de seu povo e, segundo, para criar as condições para uma Palestina descolonizada e libertada no futuro.