Caminhar com Inácio de Loyola. Artigo de Eliseu Wisniewski

Santo Inácio de Loyola (Pintura: Francisco de Zurbarán | Domínio público)

02 Agosto 2022

 

"Os sete capítulos que compõe a obra buscam fornecer 'uma fundamentação bíblica, mais precisamente neotestamentária, das colunas-mestras da espiritualidade inaciana, pois toda espiritualidade cristã, se é verdadeira tal, brota dos Evangelhos, origina-se da pessoa de Jesus Cristo' (p. 8)", ressalta Eliseu Wisniewski, Presbítero da Congregação da Missão (padres vicentinos) Província do Sul e mestre em Teologia pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC-PR), ao comentar o livro Caminhar com Inácio de Loyola, de Pe. Mario de França Miranda.

 

Eis o artigo.

 

A espiritualidade inaciana é uma entre outras ricas e profundas espiritualidades da Igreja Católica. Cada uma destas espiritualidades, naturalmente, acentua alguns pontos da vida e da mensagem de Jesus Cristo, sendo que todas elas, vividas autenticamente, se encontram e se assemelham por terem raízes no mesmo solo do Novo Testamento. A adesão à pessoa de Jesus Cristo, possibilitada pela ação do Espírito Santo, significa necessariamente um compromisso com a causa do Reino de Deus. O encontro de Inácio com Jesus Cristo por ocasião de sua conversão no castelo de Loyola não constitui exceção a essa característica básica da fé cristã. A leitura da vida de Cristo e dos santos despertou nele não só a urgência de uma mudança de vida, mas também de levar a outros os dons recebidos.

 

Na esteira da formação recebida na Companhia de Jesus, cuja missão atual é a participação na missão da Igreja evangelizadora na sua totalidade, tendo por finalidade a realização do Reino de Deus em toda a sociedade humana, não só na vida futura, mas também na presente, Pe. Mario de França Miranda, depois de viver mais de 65 anos como jesuíta, olhando para os anos passados, constata o quanto recebeu desta ordem criada por Santo Inácio e seus companheiros. Qualquer pessoa, a partir do que viveu, assimila valores, critérios, tradições, hábitos, padrões de comportamento que irão marcar a sua personalidade, adquirindo, ainda, um modo peculiar de olhar a realidade, de emitir juízos sobre fatos, de estabelecer objetivos, de reagir diante de certas situações, enfim de constituir sua própria identidade. Movido por um profundo sentimento de gratidão escreveu o livro: Caminhar com Inácio de Loyola (Loyola, 2022, 126 p.).

 

Foto: Divulgação

 

Os sete capítulos que compõe a obra buscam fornecer “uma fundamentação bíblica, mais precisamente neotestamentária, das colunas-mestras da espiritualidade inaciana, pois toda espiritualidade cristã, se é verdadeira tal, brota dos Evangelhos, origina-se da pessoa de Jesus Cristo” (p. 8).


A primeira reflexão aborda a missão na Companhia de Jesus (p. 09-23), a segunda reflexão concentra-se na mística inaciana (p. 25-42), a terceira reflexão volta-se para a Companhia de Jesus e laicato na missão (p. 43-55), a quarta reflexão ocupa-se com o papel do Espírito Santo na vida da Companhia de Jesus (p. 57-73), a quinta reflexão traz como temática a cruz na vida do jesuíta (p. 75-86), a sexta reflexão aprofunda a interpelação dos pobres à Companhia de Jesus (p. 87-101), e, por fim, a sétima reflexão adentra na temática Inácio de Loyola e a liberdade cristã (p. 103-120).


Na exposição destas temáticas, dentre outros aspectos, Pe. Mario de França Miranda salienta que: “a missão da Companhia de Jesus se caracteriza pelo ‘magis’, a saber, querer realizar sempre mais e melhor” (p. 22), e ainda “o magis inaciano implica uma pessoa livre diante da tarefa evangelizadora pelo Reino de Deus. Esta disposição básica possibilita que o Espírito Santo, o inspirador da opção a ser tomada, possa ser percebido em sua ação pelo Reino de Deus” (p. 23).

 

A “mística inaciana é tarefa para toda nossa existência, proporcionando-nos uma surpreendente qualidade de vida, uma paz interior, uma relativização contínua dos incidentes inevitáveis, ainda que exteriormente nada pareça ter mudado” (p. 42). Importante que os leigos colaboradores com o carisma inaciano “sejam aqueles dedicados full time a uma missão, sejam aqueles que ajudam esporadicamente dentro de suas possibilidades, estejam animados pela mística do Reino de Deus: um amor pessoal a Jesus Cristo, uma intenção reta, uma dedicação sincera pelos demais” (p. 54).

 

A “primazia dada ao Espírito Santo não só fundamenta a importância do discernimento contínuo na vida dos jesuítas, mas também a abertura de novas frentes de evangelização motivadas pelos desafios à missão da Companhia” (p. 72), uma vez que “a percepção contínua do Espírito Santo e a consequente atitude de discernimento, pressupostas na vida do jesuíta, exigem dele uma assimilação pessoal do espírito pelos Exercícios Espirituais, que só será possível pela contínua oração diária ou pela familiaridade com Deus, pela profunda identificação com Jesus Cristo em sua missão pelo Reino de Deus (não um Jesus intimista), pela valorização do silêncio e da reflexão no dia a dia” (p. 73).

 

Realmente, na “medida em que um jesuíta toma consciência do que a missão exige dele motiva-se a viver com menos exigências e facilidades para poder investir suas qualidades, seus conhecimentos, seu tempo e suas energias na realização do Reino de Deus, embora incipiente neste mundo, as já prefigurando sua realidade final na outra vida em Deus. A ascese não é jamais um fim, mas sim um meio de melhor capacitar a pessoa em sua ação pelo Reino” (p. 79). Diante desta situação, “as normas, embora necessárias, se revelam insuficientes para nortear o comportamento dos jesuítas individualmente considerados. A motivação deve brotar de dentro do jesuíta, como companheiro na missão do Jesus pobre (EE 98).

 

Mesmo podendo dispor de bens e facilidades oferecidas a toda comunidade, o desejo de se assemelhar mais a Jesus Cristo leva o jesuíta a uma pobreza espiritual, a um cuidado constante com seu estilo de vida e de trabalho, a uma aquisição de bens bem pensada, assim como com seu uso e com sua renovação. Tarefa nada fácil, pois implica uma revisão e um discernimento contínuos” (p. 98). Desse modo, “a pessoa se torna mais livre e, portanto, com maior capacidade de sentir, interpretar a vontade de Deus em sua vida” (p. 115), isso porque, a “pedagogia inaciana consiste em fazer crescer a sintonia da nossa liberdade com a liberdade de Deus e diante o investimento da nossa liberdade. Essa atuação de Deus acontece por meio da ação do Espírito Santo, ação esta mais sentida que conhecida, daí a necessidade do discernimento espiritual” (p. 115-116).


O autor e renomado teólogo com sua ampla e profunda formação intelectual juntamente com uma sólida formação espiritual é movido por um profundo sentimento de gratidão e reconhece que a espiritualidade inaciana possibilitou construir sua personalidade, fornece as verdades, valores metodologias, autoconhecimento, disciplina e orientações seguras para uma vida humana, intelectual e espiritual. Recebeu testemunhos valiosos de vida cristã autêntica, uma pedagogia da liberdade para discernir nas encruzilhadas, uma capacidade de abraçar o novo sem descartar o antigo, uma ampla visão da realidade, todo um modo específico de proceder que caracteriza os jesuítas.


O presente livro, portanto, fruto das suas experiências pessoais e de seus conhecimentos teológicos é um testemunho espiritual - representando um agradecimento a Santo Inácio e aos companheiros jesuítas que muito contribuíram em sua formação: “eram mestres exímios simplesmente pelo testemunho de vida, pela coerência com que o professavam, pela liberdade em suas decisões corajosas, pela simplicidade e humildade mesmo sendo pessoas notáveis e ocupando cargos importantes, pela dedicação austera a estudos profundos e exigentes ou a missões em contextos desafiantes. A lista é enorme e aqui me limito a mencionar alguns, como Armando Cardoso, Pedro Velloso, Luciano Mendes de Almeida, Pedro Arrupe, Eduardo Caiuby e ainda outros, aos quais devo muito de minha formação teológica, como Henri de Lubac e Karl Rahner” (p. 8).

 

Sem pretender um estudo completo, nestas páginas, Pe. Mario de França Miranda apresenta as colunas da espiritualidade dos jesuítas em forma de breves pensamentos o que torna a leitura mais fácil e direta e, certamente, ajudará não só os jesuítas, mas também os presbíteros, bem como leigos e leigas, que igualmente se alimentam desta espiritualidade, para que “possam melhor vivê-la e compartilhá-la com outros” (p. 8), colocando-se a serviço da Igreja em vista da missão.

 

Referências

 

MIRANDA, Mario de França. Caminhar com Inácio de Loyola. São Paulo: Loyola, 2022, 126 p. (Coleção Nas pegadas do peregrino). ISBN 9786555041637

 

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