Triplo Concerto: Salmann, Sequeri e Theobald sobre o futuro da teologia. Artigo de Andrea Grillo

Foto: Reprodução | Sapere.it

12 Mai 2021

"Sem uma teologia rica de imaginação, nenhuma reforma da Igreja será possível. Mas sem uma reforma da Igreja, a teologia acabará por imaginar tudo, menos a realidade", escreve Andrea Grillo, teólogo italiano e professor do Pontifício Ateneu Santo Anselmo, em artigo publicado por Come Se Non, 08-05-2021. A tradução é de Luisa Rabolini

Eis o artigo.

 

Na tarde romana de 5 de maio, e agora disponível aqui, três dos teólogos católicos mais renomados se revezaram em sequência para configurar um futuro para a teologia frente aos desafios culturais e institucionais das últimas décadas. A iniciativa vem do Instituto João Paulo II e representa sem dúvida, por um lado, o fruto de um profundo repensamento desta instituição acadêmica, mas, pelo outro, também o início promissor de um "canteiro de construção da imaginação". Um concerto triplo, portanto, que dura cerca de 150 minutos. Com três instrumentos, três estilos, três nações e três visões diferentes, em recíproca escuta, e que vale a pena considerar antes de tudo em suas peculiaridades. Gostaria de falar um pouco sobre isso, em uma ordem diferente daquela da "performance": prefiro o programa de casa, que privilegia a ordem alfabética e, portanto, é mais adequado para a escuta.

 

1. O violino: Salmann e o fenômeno a acompanhar

Vou começar com a leitura mais livre e surpreendente. Um olhar "de fora" sobre os últimos 70 anos, de Pio XII ao Papa Francisco, com uma grande mudança tanto na imagem de Deus como na consciência do homem. Sem saudade, mas sem ilusões. Uma teologia que “acompanha as metamorfoses” e está disposta a mediar os mistérios. Uma teologia concebida "na fronteira entre a Alemanha e a Holanda", mas aquecida pelo destinatário romano e pela carga metafórica da linguagem. Uma sabedoria que conjuga o Pai Todo-Poderoso e um verso poético sobre o Deus indesejado, numa espécie de “ataraxia emocional” e de “multiplicidade a reconciliar”. Palavra solta, acolhedora e livre, sem tecnicismos disciplinares, mas também sem mediações explícitas de caráter institucional.

 

2. O violoncelo: Sequeri e o logos a ser resgatado e rearticulado

O timbre é diferente, mais baixo, com menos agudos, mas elaborado em dois pontos de evidência: a saída dos lugares-comuns da "koiné teológica contemporânea", para redescobrir uma vocação originária da fé com o logos. Daí a concentração num “sagrado” que saiba, ainda hoje, como ontem, distinguir o que se deve consagrar e o que se deve sacrificar. Uma sabedoria teológica que saiba servir para a multidão e que queira entrar com coragem e confiança na cultura comum, trazendo a sua preciosa bagagem, sem pretender "ostentar erudição sobre o humano". Uma abordagem mais exigente, mais canônica, não menos paradoxal.

 

3. O piano: Theobald e a correlação entre teologia e magistério

O terceiro instrumento toca "a duas vozes": coloca claramente em relação a vocação da teologia e do magistério e preocupa-se em recuperar as intuições fundamentais do Vaticano II, superando as reduções sofridas até o Papa Francisco. Neste caso, é evidente que para a teologia católica uma mediação institucional explícita - autorizada e magisterial - deve ser aberta e claramente tematizada. Caso contrário, o risco da abstração recai sobre a teologia devido à correlação estrutural entre epistemologia e instituição. Mesmo a teologia mais solta seria vã se negligenciasse os arranjos estruturais, das hermenêuticas e das autoridades.

Todos os três discursos, aqui reduzidos ao mínimo, têm um som precioso. São o espelho de uma era e de escolas diferentes, mas não incompatíveis: vêm da união singular da sabedoria monástica e da fenomenologia, do conhecimento fundamental e estético, da hermenêutica e da história da teologia. Podem, assim, elaborar um novo olhar sobre a realidade, recuperar o lado "pensado" da fé, assumir a mediação institucional da tradição. No entanto, a integração dos três discursos não é tão simples, por pelo menos três motivos.

 

a) Para sair dos brejos de uma teologia "autorreferencial" - da qual falou principalmente o violoncelo de Sequeri - é inevitável acertar as contas não só com a realidade da vida, mas também com aquela da instituição. Um discurso sobre os direitos do "logos", assim como o formulou Sequeri, pode certamente encontrar uma consonância com modelos do passado - ele mencionou sobretudo o Concílio de Trento e Ratzinger - mas é certo que não pode mais se valer das formas de mediação institucional, nem do primeiro nem do segundo. Fé sem catecismo não é fé: isso é verdade. Mas um catecismo enrijecido e entrincheirado não é mais uma garantia, mas uma ameaça. Por isso, um cuidado pelo olhar “de fora” (à la Salmann) e uma reflexão sobre as “formas de mediação magisterial” (como em Theobald) torna-se decisiva para um efetivo repensamento da “vocação lógicada fé.

 

b) A sabedoria que, a cada oportunidade, como um adivinho, descobre a vertente de água que mata a sede continua a ser uma virtude insubstituível. Mas o violino de Salmann sabe bem que para acompanhar homens e mulheres nas metamorfoses são necessárias linguagens comuns, formas comuns, ações comuns. Sobre o que deve ser "sacrificado" e o que "consagrado" - para usar a terminologia de Sequeri - são necessárias "decisões" formais. Não é por acaso que, justamente vindo do norte da Alemanha, a palavra de Salmann tenha aparecido tão iluminadora quanto discretíssima ao indicar as vias concretas para a solução do impasse. Quando se admite ler cada "imaginação" como cisma, torna-se muito difícil encontrar não digo uma nova vertente, mas até mesmo uma nova torneira que não seja imediatamente chumbada.

 

c) Uma hermenêutica do Vaticano II pode se tornar uma "lógica" e um "acompanhamento" apenas na condição de resistir à tentação da "normalização". Este ponto é decisivo, sobretudo para uma tentativa de "abertura à imaginação" que não pode ser pensada como "sob tutela". Mudanças na linguagem e razão também são mudanças de autoridade. Por isso, uma determinação apurada da “polaridade” entre o magistério da cátedra pastoral e magistério da cátedra magisterial deve ser explicitamente enfrentada ou torna inútil a tentativa da imaginação.

 

Portanto, os três instrumentos não só nos deram três linhas melódicas e perspectivas, mas também indicaram as correlações necessárias "entre" seus discursos: por assim dizer, os créditos e dívidas recíprocas entre eles. E isso foi possível precisamente porque havia, e era quase palpável, uma afinidade e semelhança entre eles que era superior até mesmo das evidentes diferenças e distâncias.

Pode parecer curioso: embora proceda de um Instituto por vocação dedicado ao estudo do matrimônio e da família, o Concerto triplo pouco falou desses dois temas. Por um lado, isso é óbvio, porque o tema da conferência era "imaginar a teologia" em um nível epistemológico. Por outro lado, é natural que seja precisamente o discurso sobre o matrimônio e a família, o primeiro dos temas que a Gaudium et Spes trata para instituir uma relação significativa com o mundo contemporâneo, para suscitar toda essa mobilização de conceitos e afetos.

Uma teologia católica do matrimônio e da família exige, hoje, esse longo caminho de respeito pelo fenômeno, de elaboração da razão e da hermenêutica conciliar. A confiança no futuro, que os três oradores deixam transparecer claramente no seu Concerto Triplo, é um grande conforto, embora não torne menos árdua a tarefa de tradução, de acompanhamento e de discernimento que as linguagens, as rationes e formas institucionais devem preparar-se para empreender, sem mais delongas. Com a consciência de que sem uma teologia rica de imaginação, nenhuma reforma da Igreja será possível. Mas sem uma reforma da Igreja, a teologia acabará por imaginar tudo, menos a realidade.

 

 

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