A militarização, fase superior do extrativismo. Artigo de Raúl Zibechi

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27 Março 2021

 

“Estamos diante de um sistema que para estender sua agonia, precisa implementar figuras nascidas no século XX, que são os temas de Giorgio Agamben: o estado de exceção como forma de governo, a guerra civil legal contra os não integráveis e o campo de concentração a céu aberto, vigiado por paramilitares”, escreve Raúl Zibechi, jornalista e analista político uruguaio, em artigo publicado por La Jornada, 26-03-2021. A tradução é do Cepat.

 

Eis o artigo.

 

A militarização crescente de nossas sociedades é um claro sinal outonal do sistema capitalista patriarcal. O sistema se abdicou de integrar as classes populares, já não almeja sequer dialogar com elas, mas se limita a vigiá-las e controlá-las. Antes deste período militarista, prendia-se os descarrilados para corrigi-los. Agora, trata-se de vigiar a céu aberto camadas inteiras e majoritárias da população.

Quando um sistema precisa militarizar a vida cotidiana para controlar as maiorias, é possível dizer que está com os dias contados. Mesmo que, na realidade, esses dias precisem ser medidos em anos ou décadas.

Um bom exemplo é a herança do regime de Pinochet, no Chile, em relação ao papel central dos militares e da polícia militarizada, Carabineiros, no controle social. Uma dessas heranças é o controle das forças armadas dos excedentes da empresa estatal de cobre, principal exportação do Chile.

A Lei Reservada do Cobre foi aprovada nos anos 1950, quando se acentuavam as mobilizações de trabalhadores e pobres da cidade e do campo. Durante a ditadura militar, essa lei secreta, como seu nome indica, foi modificada em sete oportunidades. Só em 2016, graças a um vazamento do jornal digital El Mostrador, soube-se que 10% dos lucros da empresa estatal de cobre são repassados diretamente para as forças armadas.

Em 2019, a lei secreta foi revogada, quando as ruas do Chile começavam a arder com uma série de protestos e levantes que começaramem 2011, com as resistências estudantil e do povo mapuche, e depois pelas feministas.

O dano que o regime militar impôs à sociedade pode ser visto no fato de que mais da metade dos chilenos não votam, sendo que antes a grande maioria votava, em uma tremenda deslegitimação dos partidos políticos e das instituições estatais.

Não é o único caso, é claro. Os militares brasileiros tiveram um papel destacável na prisão de Lula, na destituição de Dilma Rousseff e na eleição de Bolsonaro.

Em todos os casos, a militarização viola o chamado estado de direito, as normas legais que a sociedade adotou, muitas vezes, sem ser devidamente consultada.

A militarização contribui para destruir nações e sociedades, porque supõe entregar porções significativas do poder e a gestão a uma instituição não democrática que, deste modo, fica fora de qualquer controle.

Também vem acompanhada da imposição de um modelo de sociedade que chamamos de extrativismo, um modo de acumulação de capital pelo 1% com base no roubo e a pilhagem dos povos, que implica uma verdadeira ditadura militar nas áreas e regiões onde opera.

O militarismo se subordina a esta lógica de acumulação mediante a violência, pela simples razão de que não é possível roubar os bens dos povos sem lhes apontar as armas.

Militarismo se conjuga com violência, desaparecimentos forçados, feminicídios e estupros. No mais, sempre propicia o nascimento de grupos paramilitares que acompanham as grandes obras extrativistas e que, embora sejam considerados ilegais, conforme demonstram Colômbia e México, são treinados e armados pelas forças armadas.

Agora, sabemos que a grande beneficiada com o Trem Maia serão as forças armadas, para quem o governo de López Obrador concedeu todos os trechos, acrescentando que se trata de um prêmio a essa instituição.

Existe mais de uma semelhança com o caso do cobre no Chile.

A primeira é a entrega direta dos lucros, com os quais qualquer governo consegue fidelidade dos uniformizados aos quais, na realidade, se subordina.

A segunda é o argumento da segurança nacional apresentado pelos governos. No Chile, era a luta contra o comunismo. No México, a fronteira sul, com a justificativa da migração e o tráfico.

A terceira é que a militarização é tanto um projeto como um modo de governar. Acompanha-lhe os aeroportos, a ordem interna e os mais variados aspectos da vida. Pela força, conseguem romper a legalidade a seu favor, como as normas orçamentárias.

Observamos processos de militarização dos Estados Unidos, Rússia e China ao conjunto dos países latino-americanos. Consiste no controle de geografias rurais e urbanas por homens armados a serviço do capital, para controlar os povos que resistem a pilhagem.

Não se trata da maldade de um presidente ou de um governo. Não duvido desse extremo, mas não é o central. Estamos diante de um sistema que para estender sua agonia, precisa implementar figuras nascidas no século XX, que são os temas de Giorgio Agamben: o estado de exceção como forma de governo, a guerra civil legal contra os não integráveis e o campo de concentração a céu aberto, vigiado por paramilitares.

 

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