17 Dezembro 2025
Não nos deixemos enganar pelas aparências. Na região, existe uma luta entre ideias progressistas e conservadoras que apresenta um alto grau de heterogeneidade.
A opinião é de Alfredo Serrano Mancilla, doutor em Economia, e Mariana Dondo, doutora em Ciências Sociais, em artigo publicado por El País, 17-12-2025.
Eis o artigo.
Não devemos cair na armadilha de repetir o que muitos desejam estabelecer deliberadamente. A região da América Latina não é predominantemente de direita. Não. Não é.
E nem mesmo agora, com a Bolívia deixando de ser governada pelo MAS (que é presidido por Rodrigo Paz), nem com o Chile sendo presidido por Kast, nem após a derrota da esquerda hondurenha na última eleição presidencial, é que isso mudou.
Vamos analisar três critérios para refutar essa tese amplamente divulgada, mas falsa.
1. Por um lado, analisamos os dados em relação à riqueza econômica.
73% do PIB da América Latina está nas mãos de governos de esquerda, e os 27% restantes, de governos de direita. Vale ressaltar que as duas maiores economias são o Brasil e o México, lideradas por Lula e Sheinbaum, respectivamente.
2. Por outro lado, analisamos os dados em relação à população.
74% da população latino-americana vive sob governos de esquerda, e os 26% restantes, sob governos de direita.
3. Por fim, analisamos os dados pelo número de países.
Essa seria a única variável em que governos de direita teriam vantagem, embora não por uma margem tão esmagadora quanto alguns afirmam. 42% dos governos são de esquerda, enquanto 58% são de direita.
Com esses números em mente, não seria correto endossar a tese de que a região da América Latina tenha sofrido uma mudança drástica para a direita. Econômica e demograficamente, de forma alguma; em termos de número de países, sim, mas não se trata de uma mudança radical.
Caso esses argumentos se mostrem insuficientes, acreditamos também ser apropriado examinar o que está acontecendo em termos de senso comum. Ou seja: a matriz do senso comum na região mudou radicalmente? As ideias dominantes são agora mais conservadoras e neoliberais?
A resposta é não. Os valores e princípios defendidos pela direita não são predominantes na América Latina.
O que temos, de fato, é uma disputa. Um choque entre ideias progressistas e conservadoras que resulta em um alto grau de heterogeneidade nas preferências sociais, as quais, se formos rigorosos, não devemos rotular com categorias reducionistas ou manchetes grandiloquentes.
Essa complexidade exige nuances constantes. Porque não existe um vetor ideológico dominante. Nem em uma direção, nem em outra.
Podemos constatar que existe individualismo em algumas questões, enquanto, simultaneamente, há uma visão coletiva em outras. Há uma demanda majoritária por mais serviços públicos nas áreas da saúde e da educação (ver qualquer análise da Lapop ou do Latinobarômetro; ou os próprios relatórios da Celag Data), mas também uma preferência majoritária por propostas reacionárias no combate à insegurança. Existe uma demanda por maior liberdade individual, mas também um desejo por um Estado mais protetor diante de qualquer situação adversa. A eficiência e o tratamento prestados por muitas instituições públicas são questionados, assim como a eficiência e o tratamento prestados por bancos privados, empresas privadas de telefonia, etc.
Essa sensação de caos e contradição é um reflexo fiel da realidade. É assim que pensa a grande maioria dos latino-americanos. A matriz ideológica é heterogênea. Essa disputa de bom senso é a base essencial da luta política e ideológica. Não há supremacia do eixo conservador em todas as variáveis, nem da visão mais progressista.
Em conclusão, a tese da guinada à direita da América Latina é falsa. A região é disputada.
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