Honduras: eleições sob a Doutrina Monroe. Artigo de Daniel Mann

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11 Dezembro 2025

As eleições hondurenhas de 30 de novembro foram marcadas por uma forte ingerência de Donald Trump, que ameaçou o país caso não vencesse “o seu candidato”. Rixi Moncada, candidata do partido de Xiomara Castro, caiu para o terceiro lugar, em meio a denúncias de manipulação na contagem dos votos.

O artigo é de Daniel Mann, representante da Fundação Friedrich Ebert (FES) para a Costa Rica, Guatemala e Honduras, publicado por Nueva Sociedad, 11-12-2025.

Eis o artigo.

Em maior medida do que outros países da América Central, Honduras tem estado sob influência direta dos Estados Unidos desde o século XIX. Desde as incursões de aventureiros imperiais como o filibusteiro William Walker, passando pelos enclaves bananeiros da United Fruit Company e da Standard Fruit Company, até o bipartidarismo de estilo norte-americano a partir da década de 1980, o Grande Irmão do Norte sempre exerceu sua influência de forma descarada. Assim ocorreu em 2009, quando os militares derrubaram o presidente Manuel Zelaya. O argumento oficial foi que ele caminhava para um segundo mandato inconstitucional, mas a razão profunda era que, como membro da elite tradicional do país, Zelaya ousou atacar o poder ilimitado dos grupos dominantes.

O golpe de Estado foi seguido por 12 anos de resistência da população — especialmente sindicatos, organizações indígenas, associações estudantis e grupos feministas — contra a chamada “narcoditadura” do Partido Nacional, formalmente confirmada três vezes pelas urnas em eleições suspeitas. Dessa ampla mobilização surgiu o partido Libertad y Refundación (LIBRE), autodefinido como “socialista democrático”, algo inédito em um país com forte tradição anticomunista. Fundado pelo próprio Zelaya, que ainda o preside como mediador de suas muitas facções, o LIBRE venceu as eleições presidenciais de 2021 com mais de 50% dos votos, levando ao poder Xiomara Castro, esposa do ex-mandatário.

Agora, quatro anos depois, domina a frustração. Sem dúvida, os sinais prévios às eleições não eram promissores: muitos projetos reformistas do governo Castro ficaram paralisados pela falta de maioria no Congresso; com frequência, a base radical do partido se sentiu frustrada pelos compromissos com a velha elite; demasiadas vezes foi preciso enfrentar a realidade de que nem mesmo o LIBRE estava livre da corrupção e dos vínculos com os onipresentes cartéis de drogas do país; também não ajudou a imagem gerada pela inclusão de muitos membros da família Zelaya em cargos públicos.

Provavelmente, o LIBRE não estava suficientemente preparado para as famosas “dificuldades no terreno” e, até o final, não encontrou uma forma eficaz de implementar seu programa em um Estado cujas instituições, desde sua fundação, praticamente só serviram para enriquecer as elites nacionais e funcionar como porta-aviões para intervenções dos EUA contra movimentos revolucionários da região. O governo nunca conseguiu impor suas próprias narrativas diante da cobertura negativa da mídia e dos influenciadores conservadores. Ainda assim, a magnitude da derrota eleitoral não é fácil de assimilar. Não apenas as ruas de Tegucigalpa e da metrópole industrial de San Pedro Sula ficaram vazias na segunda-feira após as eleições: também nada se ouve da base do LIBRE e da sociedade civil.

O antigo regime triunfou: o Partido Nacional, com seu candidato Nasry Asfura, ficou levemente à frente do autoproclamado combatente anticorrupção Salvador Nasralla, que desta vez concorreu pelo Partido Liberal. Esses partidos representam o tradicional sistema bipartidista: o Nacional tende mais à direita que o Liberal, e ambos são historicamente anticomunistas e pró-Estados Unidos. O ex-apresentador de TV e populista Nasralla havia concorrido pela última vez em 2021 com seu próprio partido, Salvador de Honduras, em coalizão com o LIBRE, e foi primeiro designado presidencial (equivalente a vice-presidente) até abril de 2024, mas depois se afastou do governo de Xiomara Castro.

Durante a campanha, tanto Asfura quanto Nasralla avivaram com sucesso o medo de que Honduras se transformasse em uma nova Venezuela ou até em Cuba, e fizeram esquecer completamente o quanto o país havia se tornado um self-service do capitalismo globalizado sob o último governo do Partido Nacional: regiões inteiras foram entregues a investidores estrangeiros como ZEDEs (zonas de emprego e desenvolvimento), o primeiro “território libertário” da América Latina. Ali, não houve emprego nem desenvolvimento — apenas muitas isenções fiscais para Peter Thiel e outros defensores do tecnofeudalismo. Por outro lado, grupos católicos e evangélicos conservadores se mobilizaram em “defesa da família e dos valores” contra a suposta “ideologia de gênero” presente em reformas do governo. A Conferência Episcopal de Honduras (CEH) e a Confraternidad Evangélica convocaram uma massiva “caminhada pela paz e pela democracia” no último 16 de agosto, interpretada como um protesto antigovernamental.

A corrupção e o narcotráfico atingiram níveis sem precedentes, especialmente sob o presidente Juan Orlando Hernández. Ele acabou extraditado aos EUA durante o governo Castro e condenado a 45 anos de prisão por tráfico de drogas. Dois dias antes das eleições, Donald Trump o indultou. Além disso, o presidente norte-americano garantiu apoio generoso caso “seu candidato”, Asfura, vencesse. Caso contrário, disse que não desperdiçaria seu dinheiro e haveria tarifas punitivas e deportações de imigrantes: a nova normalidade da política externa dos EUA em seu “quintal”. As ameaças não são inofensivas: mais de um milhão de hondurenhos vivem no exterior — a grande maioria nos EUA —, e suas remessas são essenciais para a economia do país.

Tudo isso parece ter afetado o LIBRE. Após 99% dos votos contados — em um processo interminável —, Asfura e Nasralla estavam empatados com cerca de 40% cada um, com leve vantagem para Asfura. A candidata do LIBRE, a ex-ministra da Defesa Rixi Moncada, ficou em terceiro lugar, com 19% dos votos. Em Honduras não existe segundo turno: o candidato mais votado é automaticamente eleito presidente.

A participação eleitoral caiu de 68% (2021) para 51% (2025). Tanto o LIBRE quanto Nasralla denunciaram fraude e manipulação do sistema de contagem, e a esquerda convocou mobilizações nas ruas. Não há dados confiáveis sobre mudanças nas preferências dos eleitores, mas aparentemente uma parte significativa dos votantes do LIBRE ficou em casa ou votou em Nasralla, que buscou se apresentar como candidato antissistema. A campanha foi marcada por acusações de manipulação de eleitores, e a interrupção do já lentíssimo processo de apuração por mais de 24 horas também não contribuiu para a confiança nos resultados. O LIBRE admitiu timidamente a derrota e, ao mesmo tempo, fez novas acusações de fraude, sobretudo contra o Partido Nacional, já conhecido por recorrer a manipulações eleitorais quando governava. Ao contrário dos temores da comunidade internacional, não se espera um golpe de Estado por parte do LIBRE, e tampouco ocorreram distúrbios significativos no dia da votação. Pela legislação vigente, a autoridade eleitoral tem até 30 dias para anunciar o resultado final, embora Trump, entre outros, pressione para que seja acelerado. É provável que nenhum partido tenha maioria no Parlamento: as últimas projeções atribuem 49 cadeiras ao Partido Nacional, 41 ao Liberal e 35 ao LIBRE, de um total de 128.

De qualquer forma, Honduras perdeu uma oportunidade histórica de mudança no país mais pobre da América Central. Agora, será decisivo observar como o LIBRE processará a derrota após o primeiro impacto: o apoio parece ter sido reduzido ao núcleo duro do partido, que, ainda assim, representa cerca de 20% dos eleitores.

Resta saber se isso será considerado um ponto de partida para um novo começo ou se as fraturas internas dessa ampla coalizão virão à tona. O ex-presidente Zelaya terá um papel decisivo: por um lado, parece ser a única figura com força integradora suficiente para unir a diversa esquerda hondurenha; por outro, como o resultado eleitoral demonstra, o LIBRE precisa urgentemente de novas e atraentes lideranças se quiser voltar a desafiar o sistema bipartidário.

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