O pinochetismo retorna ao poder

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15 Dezembro 2025

Simpatizante do candidato à Presidência do Chile pelo Partido Republicano e pelo Partido Social Cristão, José Antonio Kast, segura uma fotografia de Augusto Pinochet ao conhecer os primeiros resultados do segundo turno presidencial neste domingo, em Santiago (Chile). O ultradireitista José Antonio Kast venceu neste domingo as eleições presidenciais, derrotando por ampla margem a esquerdista Jeannette Jara, com 83,4% dos votos apurados.

A informação é de Atilio A. Boron, publicada por Página|12, 15-12-2025.

A retumbante vitória de José Antonio Kast no segundo turno está destinada a exercer uma profunda influência no Chile. Consolida-se uma sólida força de extrema-direita, neofascista, como resultado da convergência de duas variantes radicais do pinochetismo – uma liderada por Kast e a outra, ainda mais extrema, por Johannes Kaiser – às quais se somou a candidata de uma ficção chamada direita democrática, encarnada pela ex-prefeita de Providencia, Evelyn Matthei, suposta herdeira do legado de Sebastián Piñera.

Segundo o analista político chileno Jaime Lorca, a obrigatoriedade do voto – antes facultativo no Chile – canalizou para o pinochetismo e seus aliados o descontentamento social vigente em relação ao governo de Gabriel Boric, cujas taxas de aprovação na segunda metade do mandato oscilaram em torno de um magro 30%. Temas como a insegurança, o ódio aos imigrantes (especialmente venezuelanos) e a inflação – próxima de 4% ao ano – foram agitados demagogicamente pelo candidato do pinochetismo, um homem com um manejo tão descuidado dos números e das estatísticas quanto Javier Milei.

Na tentativa de convencer o eleitorado das dimensões catastróficas da insegurança, chegou a dizer em seu debate com a candidata governista Jeannette Jara que, no Chile, 1.200.000 pessoas são assassinadas por ano. Quando se deu conta do erro, falou em 1.200 de pessoas assassinadas no Chile, cuja população total é de 19 milhões. O número real correspondente ao ano de 2024 foi de 1.207 homicídios, ou 6,0 por 100 mil habitantes, uma taxa comparável à dos Estados Unidos e um pouco mais alta que a da Argentina.

Apesar disso, a imprensa hegemônica de ambos os lados da Cordilheira dos Andes magnifica a insegurança para, a partir do medo, aproximar votos da direita fascistoide dos dois países. Em todo caso, erros desse tipo foram comuns na campanha de Kast, mas, assim como no caso argentino, há um amplo setor do eleitorado que hoje comparece às urnas porque é obrigado, não se interessa pela política e não se abala diante dos disparates que um candidato possa proferir. Temas como os que estamos analisando dão conta do inesperado volume de votos que, no primeiro turno, obteve o Partido da Gente, liderado por Franco Parisi, beirando 20% dos votos e ficando a escassos quatro pontos percentuais de Kast. Boa parte desse contingente eleitoral, formado majoritariamente por novos eleitores que comparecem às urnas por causa do caráter obrigatório do voto, está profundamente impregnada pela ideologia da antipolítica, do hiperindividualismo e do desprezo por tudo o que remeta à ação coletiva, e no segundo turno inclinou-se a favor de Kast. Uma parte, talvez, tenha deixado de lado o arraigado anticomunismo vigente no Chile e apoiado a candidatura de Jara, mas não em medida suficiente para impedir uma derrota muito expressiva.

O que se pode esperar do governo de um personagem como Kast? Cortes brutais nos gastos sociais, redefinição dos avanços registrados em relação aos direitos das mulheres e uma redefinição das alianças internacionais do Chile. Certamente tentará aprofundar o modelo econômico gestado durante a ditadura de Pinochet, cujos fundamentos permaneceram intocados pela longa e inconclusa transição democrática chilena. Inconclusa porque as relações de poder e a concentração da riqueza gestadas a partir do nefasto 11 de setembro de 1973, longe de serem revertidas pelo exercício democrático, foram consolidadas e reforçadas pelas sucessivas coalizões governantes. Além disso, no contexto da nova doutrina de segurança nacional dos Estados Unidos, Kast será pressionado por Washington para a árdua tarefa de esfriar as relações de seu país com a China, principal parceiro comercial do Chile e país com o qual foi assinado, em 2005, um Tratado de Livre Comércio de grande importância.

Por outro lado, a configuração do Parlamento chileno será um obstáculo muito significativo para conter os previsíveis excessos de Kast. O Senado está dividido em partes iguais e, na Câmara, será extremamente difícil que ele obtenha os 4/7 dos votos (57%) necessários para reformar a Constituição. De todo modo, a instauração de um governo desse tipo representa um enorme desafio para a até agora governista Frente Ampla e para o campo progressista em geral. Assim como na Argentina, essas forças enfrentam um desafio refundacional: redefinir um projeto, imaginar uma nova narrativa, desenhar uma proposta concreta de governo, revitalizar as organizações de base, mobilizar seus integrantes e resolver a sempre espinhosa questão da condução política e da liderança.

São tarefas urgentes e inadiáveis, porque qualquer demora terá como consequência a criação das condições histórico-estruturais para o relançamento de um ciclo neofascista de longa duração, que ocasionará graves prejuízos aos nossos povos. Seria um erro grave ceder ao pessimismo e acreditar que uma derrota é definitiva. Mas um revés tão contundente exige um esforço de autocrítica que, entre outras coisas, leve em conta que as fórmulas do progressismo light, que convidam a avançar por uma inexistente ampla avenida do meio, nada mais fazem do que escancarar as portas da democracia para a chegada da extrema-direita ou do neofascismo colonial. Em tempos tão desmedidos como os atuais, de crise capitalista e ofensiva imperialista, com o Corolário Trump pendendo sobre as cabeças de nossos povos, a moderação, longe de ser uma virtude, transforma-se em um vício imperdoável.

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