10 Dezembro 2025
"Somente com o passar das décadas, especialmente após a destruição do Templo no ano 70, a divergência entre o cristianismo primitivo e o judaísmo rabínico tornou-se mais acentuada e profunda. Até a separação, situada por Shaye Cohen (Dai Maccabei alla Mishnah, Paideia) em meados do século II: uma divisão marcada pelo desinteresse dos judeus e pela polêmica dos cristãos. Contudo, o cristianismo majoritário teve de rejeitar — justamente então e com sucesso — as tentativas de se libertar do judaísmo por parte dos gnósticos cristãos e da heresia de Marcião, algo que Cohen esquece", escreve Giovanni Maria Vian, historiador e ex-diretor do L'Osservatore Romano, em artigo publicado por Domani, 07-12-2025. A tradução é de Luisa Rabolini.
Eis o artigo.
Entre os mal-entendidos que complicaram a relação do Papa Francisco com o mundo judaico, teve um detalhe significativo: a recorrente representação negativa dos fariseus feita pelo pontífice em seus comentários sobre as passagens do Evangelho. Reforçada pelo uso figurativo e pejorativo do termo "fariseu" na linguagem comum, e habilmente minimizada (mas não conclusivamente) por Bergoglio, que respondia às críticas com uma frase espirituosa, dizendo que estereótipos também são muitas vezes aplicados aos jesuítas.
A questão da posição dos fariseus em relação a Jesus e seus primeiros seguidores é complexa porque, apesar dos conflitos relatados pelos Evangelhos, os fariseus não se opunham preconceituosamente ao pregador de Nazaré. Como enfatiza, com atenção às nuances, o extenso e importante documento – um livro de duzentas páginas – sobre "o povo judeu e suas Sagradas Escrituras na Bíblia cristã", publicado em 2001 pela Pontifícia Comissão Bíblica, presidida pelo Cardeal Ratzinger.
O que dizia Ratzinger
No prefácio, o futuro Bento XVI de fato recordava que "as críticas dirigidas aos judeus no Novo Testamento não são mais frequentes nem mais severas do que as acusações contra Israel na lei e nos profetas, portanto, dentro do próprio Antigo Testamento". Ratzinger acrescentava – reiterando uma convicção que nutria desde a juventude – que, segundo o documento do Vaticano, a leitura judaica da Bíblia não só é possível, como também "análoga à leitura cristã", declarando-se confiante de que as duas interpretações e sua integração "serão úteis para o avanço do diálogo" entre judeus e cristãos e para a própria "formação interior da consciência cristã".
A mesma convicção fundamental transparece num importante e recente livro do biblista judeu Israel Knohl (La disputa messianica, Adelphi). Tendo como pano de fundo a questão geral, quase bimilenária, da relação entre judeus e cristãos, é analisada a fundo a diferença não entre cristianismo e judaísmo, mas sim entre fariseus e saduceus a respeito da morte de Jesus, como indica o subtítulo.
Isso confirma uma tendência historiográfica recente que insiste — de forma cada vez mais convincente — sobre a mentalidade compartilhada pelos primeiros seguidores de Jesus, todos judeus, e seus correligionários.
Cultura
Somente com o passar das décadas, especialmente após a destruição do Templo no ano 70, a divergência entre o cristianismo primitivo e o judaísmo rabínico tornou-se mais acentuada e profunda. Até à separação, situada por Shaye Cohen (Dai Maccabei alla Mishnah, Paideia) em meados do século II: uma divisão marcada pelo desinteresse dos judeus e pela polêmica dos cristãos. Contudo, o cristianismo majoritário teve de rejeitar — justamente então e com sucesso — as tentativas de se libertar do judaísmo por parte dos gnósticos cristãos e da heresia de Marcião, algo que Cohen esquece.
Muito permanece em comum e vai sendo aos poucos redescoberto, como demonstra Daniel Boyarin. No provocador e instigante livro La partition du judaïsme et du christianisme e na obra subsequente Il vangelo ebraico (Castelvecchi), Boyarin reitera a pluralidade de posições dentro de ambos os grupos. Numa "época em que judeus e cristãos estavam muito mais misturados do que agora", escreve ele, e na qual, portanto, "a questão da diferença entre judaísmo e cristianismo não existia nos termos que conhecemos hoje".
A nova investigação sobre o messianismo, conduzida por Knohl, que lecionou na Universidade Hebraica de Jerusalém, mas também no Angelicum, a universidade dos dominicanos em Roma, reconstrói de forma clara o nascimento e a evolução de um fenômeno que nunca desapareceu ao longo da história. Como ilustra o famoso exemplo de Shabbetay Tzevi, aclamado como o Messias em 1665 em Esmirna: ameaçado de morte pelas autoridades otomanas, ele se converte ao Islã, mas não é abandonado por seus seguidores, que dão origem a correntes messiânicas.
Knohl não aborda os messianismos posteriores à Antiguidade, mas enfatiza com eficácia a vitalidade do fenômeno ao descrever uma cena que testemunhou perto do Muro das Lamentações em um Ano Novo judaico, dia em que "Deus não apenas é coroado novamente como Rei das Nações, mas o Rei da Casa de Davi como Rei de Israel". O biblista concentra sua análise nas Escrituras Hebraicas, nos livros apócrifos e nos escritos de Qumran, e leva em consideração os Evangelhos, embora ignore quase completamente aquele de João.
Segundo Knohl, o momento de nascimento do messianismo deve ser posto no ano 727, quando o profeta Isaías, no momento trágico da ruína política de Israel, vislumbra a salvação: "Porque um menino nos nasceu, um filho nos foi dado, e o governo está sobre os seus ombros. E ele será chamado Maravilhoso Conselheiro, Deus Poderoso, Pai Eterno, Príncipe da Paz” (9, 6). Palavras proféticas que oito séculos depois os cristãos aplicariam sem dúvida a Jesus (e que não por acaso se repetem na liturgia do Natal).
Nas trevas descritas pelo profeta, o povo vê “uma grande luz” e então, como escreve o biblista, aparece pela primeira vez “uma figura maravilhosa e misteriosa”. Knohl acompanha com sutileza a evolução da ideia messiânica e ressalta a importância de outra catástrofe – a vitória babilônica em 587 a.C., com o início do exílio – e depois a queda provocada em 539 a.C. por um soberano pagão: é o grande rei persa Ciro quem recebe o título de Messias, tirado da casa de Davi.
O servo sofredor
Ao mesmo tempo, “desponta uma nova figura, o servo sofredor, fisicamente fraco, mas forte em espírito e no ensinamento”, descrito por um discípulo de Isaías no mesmo livro profético (61,1-3): “Aquele que fala é uma espécie de 'Messias do espírito', para usar um termo que mais tarde se tornaria comum nos escritos da seita de Qumran”, observa Knohl. Figura com a qual Jesus, no relato de Lucas (4,16-21), se identifica no início de sua pregação.
A progressão do livro, atenta aos contextos históricos da Bíblia hebraica, acaba por se concentrar na história de Jesus. A divergência é muito clara — eis a disputa messiânica, inteiramente inerente ao judaísmo — entre os fariseus, que compartilhavam com Jesus a ideia de “um rei-Messias de natureza divina”, e os saduceus, a classe sacerdotal conservadora que, ao contrário, excluía a própria possibilidade de um Messias. São eles, hostis a Jesus, que pressionam por sua condenação: Knohl os chama de "uma facção minoritária e não representativa" do judaísmo e afirma que o imaginário messiânico judaico e cristão era "extremamente semelhante".
Com a Nostra Aetate, o Concílio Vaticano II deu "um primeiro passo fundamental ao declarar que o povo judeu como um todo não deve ser responsabilizado pela morte de Jesus", recorda Knohl. Com seu livro, pretende fornecer "um sólido fundamento histórico em apoio à declaração conciliar" e contribuir a resolver a "relação fundamental" entre judeus e cristãos.
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