11 Novembro 2025
Conselho Nacional dos Direitos Humanos cobra do governo medidas urgentes diante da escalada de violência e do travamento de políticas para povos originários. Órgão aponta criminalização das retomadas, militarização dos conflitos fundiários e até violações cometidas por projetos climáticos.
A reportagem é de Daniel Camargos, publicada por Repórter Brasil, 10-11-2025.
O CNDH (Conselho Nacional dos Direitos Humanos) pediu que o governo Lula (PT) decrete estado de calamidade pública diante da escalada de violência contra povos indígenas. A recomendação, aprovada na sexta-feira (7), é mais uma pressão sobre o Brasil, anfitrião da COP30, e sobre a Cúpula do Clima da ONU, iniciada nesta segunda-feira (10).
“Há uma negligência do Estado brasileiro com povos indígenas, mesmo sendo sede da COP”, afirmou Lara Estevão, conselheira do CNDH e advogada popular da CPT (Comissão Pastoral da Terra).
Criado em 2014 e vinculado ao Ministério dos Direitos Humanos, o CNDH é um órgão federal autônomo que monitora e propõe ações de defesa dos direitos humanos no país. Formado por 18 representantes do governo e da sociedade civil, pode emitir recomendações, acompanhar casos de violações e propor medidas ao poder público.
No pedido, o conselho descreve um quadro de agravamento da violência, com assassinatos, ameaças, despejos e invasões de territórios indígenas, além de falhas persistentes nos serviços de saúde e educação. As conclusões se baseiam em missões de campo e audiências públicas realizadas desde 2024.
Relatórios citados pelo CNDH apontam também impactos de iniciativas climáticas mal planejadas. Em missão à Terra Indígena Enawenê Nawê, no Mato Grosso, o conselho identificou violações em projetos de créditos de carbono implantados sem consulta prévia, com risco de restringir o uso do território e afetar modos de vida. O CNDH afirma que políticas climáticas não podem violar direitos territoriais.
Segundo Lara, a recomendação seria feita, mesmo se não houvesse a conferência das Nações Unidas, mas o conselho escolheu divulgar o documento antes do início da COP30, avaliando que o evento daria mais visibilidade política e internacional às denúncias.
O documento afirma ainda que há violações sistemáticas de direitos e omissão do Estado na proteção de comunidades e lideranças ameaçadas. Também dirige pedidos específicos ao Supremo Tribunal Federal e ao Congresso Nacional. O prazo para as respostas é de um mês.
Violência contra indígenas aumentou após aprovação do ‘marco temporal’, diz conselho
Entre os pedidos estão a suspensão dos efeitos da Lei 14.701/2023, que instituiu o marco temporal, e a rejeição de qualquer tentativa de incluir a tese na Constituição. O conselho também recomenda barrar iniciativas que regulamentem mineração em terras indígenas sem salvaguardas e reforçar o direito à consulta prévia, livre e informada, previsto na Convenção 169 da OIT (Organização Internacional do Trabalho).
“A lei do marco temporal vem sendo utilizada como um muro para não avançar”, disse Lara. Para o conselho, a soma de omissões administrativas, decisões judiciais controversas e ações policiais sem controle ampliou o risco às comunidades, o que justifica o reconhecimento da calamidade e o uso de medidas emergenciais.
A tese do marco temporal restringe o direito à demarcação de terras indígenas somente para os povos que ocupavam o território — ou o disputavam na Justiça — em 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição.
Em setembro de 2023, o STF considerou a tese inconstitucional ao julgar o caso do povo Xokleng, de Santa Catarina. Mesmo assim, o Congresso aprovou a Lei 14.701, reintroduzindo o marco temporal.
Em 2024, o ministro Gilmar Mendes criou uma câmara de conciliação sobre a norma. A Apib (Articulação dos Povos Indígenas do Brasil) se retirou do processo, alegando que os direitos indígenas são inegociáveis.
Os relatórios citados pelo CNDH apontam que a violência aumentou depois da aprovação do marco temporal. Segundo o Cimi (Conselho Indigenista Missionário), 208 indígenas foram assassinados em 2023, o que representou um crescimento de 15,5% em relação ao ano anterior, quando houve 180 mortes. No mesmo período, os homicídios no país caíram 3,4%, de acordo com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
O CNDH também registrou 54 denúncias de violações neste ano, das quais 15 envolveram diretamente comunidades indígenas, e concluiu que a nova lei agravou os conflitos territoriais e estimulou ataques em diferentes regiões.
“Desde a aprovação do marco temporal, observamos um aumento exponencial de denúncias. É como se houvesse um aval para atacar”, disse Lara, que coordena a Comissão Permanente dos Direitos dos Povos Indígenas, Quilombolas e Comunidades Tradicionais da CNDH.
Violações de direitos dos indígenas ocorrem de norte a sul do Brasil
No Paraná, o CNDH registrou ameaças, perseguições e tentativas de homicídio contra o povo Avá-Guarani. Pouco depois de uma visita do conselho, um indígena foi encontrado decapitado.
No Mato Grosso do Sul, relatórios apontam ataques recorrentes a comunidades Guarani e Kaiowá, com despejos violentos e uso de força policial. O conselho relata a atuação conjunta de agentes públicos e grupos privados em ações de repressão às retomadas.
A Repórter Brasil mostrou que, em outubro, a tropa de choque da Polícia Militar escoltou tratores de fazendeiros e usou balas de borracha e gás lacrimogêneo contra indígenas da retomada de Guyraroká, em Caarapó (MS). O conflito levou o governo federal a enviar uma missão de emergência ao território, após relatos de desespero coletivo e ameaças de suicídio entre os Guarani e Kaiowá.
No sul da Bahia, a recomendação reúne informações da missão que acompanhou a Operação Pacificar nas Terras Indígenas Barra Velha do Monte Pascoal e Comexatibá, do povo Pataxó. O CNDH relata prisões em massa, intimidação de famílias e destruição de bens, e pede responsabilização das autoridades envolvidas. Para o conselho, há criminalização das retomadas e militarização dos conflitos fundiários.
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