24 Setembro 2025
O semanário diocesano L’Azione (Vittorio Veneto) entrevistou por telefone o cardeal Pierbattista Pizzaballa após sua renúncia em participar dos eventos jubilares previstos na diocese devido à dramática situação nos territórios palestinos (18 de setembro de 2025).
Cardeal Pierbattista Pizzaballa, lamentamos muito que não possa estar conosco em Motta di Livenza nos próximos dias, mas compreendemos as razões.
"Também lamento muito ter que cancelar este e outros compromissos. No entanto, partir neste momento, com o que está acontecendo na Cisjordânia e, sobretudo, em Gaza, não me parecia – e não me parece – oportuno. As pessoas precisam saber que estou presente, que estou aqui. Em consciência, não me sinto à vontade para deixar a diocese."
A entrevista é de Alessio Magoga, publicada por Settimana News, 22-09-2025.
Eis a entrevista
O que está acontecendo em Gaza? Qual é o seu ponto de vista?
Como já disse em outras ocasiões, sinto um grande senso de impotência e frustração diante dessa situação. Procuro manter-me sereno e livre. O importante é não se tornar instrumento de um lado ou de outro, por causa das graves polarizações existentes neste momento. De qualquer forma, é claro que o que está acontecendo é de uma gravidade enorme e não consigo entendê-lo senão à luz das lógicas humanas. Não consigo compreender como se possa tolerar algo assim. Estou desolado por todo o ódio que esta situação está criando, afastando cada vez mais qualquer perspectiva futura de recomposição e de cura dessas feridas.
Algumas vozes próximas a Israel, inclusive entre os meios de comunicação italianos, afirmam que o que se vê – destruição, fome, mortos… – é fruto da propaganda do Hamas e não corresponde à realidade.
Não é tudo preto ou branco: isso é óbvio. É evidente que existem instrumentalizações; é evidente que Israel tem suas razões… No entanto, essas razões de forma alguma podem justificar o que acontece em Gaza. É preciso dizer isso.
Então há uma desproporção real entre o que aconteceu em 7 de outubro e a resposta por parte de Israel…
Acredito que isso é evidente, e não se pode silenciar. Pago as consequências e o preço, inclusive em termos de relações e amizades. Mas é preciso reconhecer.
O projeto de dois povos e dois Estados, hoje, ainda tem valor?
A solução dos dois Estados continua sendo, idealmente, uma perspectiva, mas corre o risco de se tornar apenas uma declaração, ainda que necessária. Será preciso muita criatividade para o futuro, porque qualquer solução terá de prever períodos muito longos e um contexto de opinião pública e um contexto cultural que a compreenda. Será preciso muito trabalho para criar as condições de qualquer perspectiva futura. 'Dois povos e dois Estados' está cada vez mais distante como possibilidade, embora continue sendo a ideal.
O reconhecimento do Estado palestino por parte da comunidade internacional ainda é um caminho a seguir?
A Igreja já reconheceu o Estado palestino há algum tempo. São gestos importantes. Os palestinos precisam, sim, de apoio humano, mas também precisam ser reconhecidos em sua dignidade como povo. E pedem para serem reconhecidos como Estado. Em que tempo isso ocorrerá, não sei dizer. Sobretudo, não se pode negar a um povo, como o palestino, o direito de sentir-se 'povo'.
Para nós, aqui no Ocidente, é difícil entender a posição de Israel. Ou melhor, é difícil distinguir entre o governo israelense e o sentimento do povo judeu. Pode nos ajudar a esclarecer?
Sim, de fato, é preciso distinguir. Uma coisa é o governo, outra é a sociedade israelense, outra é o povo judeu. Não se deve confundir os planos. O povo judeu tem uma referência importante no Estado de Israel, mas não se identifica necessariamente com ele. Além disso, o governo atual não representa todo o povo judeu nem toda a população israelense. Há grandes manifestações contra o governo: a sociedade israelense está dividida sobre a guerra, sobre o governo, sobre a questão dos reféns. Generalizar nesse emaranhado sempre causa injustiça para alguém.
O que podemos fazer nós, aqui no Ocidente, para não permanecermos vítimas desse sentimento de impotência? Nossa diocese, por meio da Pastoral Social e da Cáritas Vittorio Veneto, lançou uma campanha de arrecadação de fundos para Gaza…
Acredito que é importante rezar e também criar momentos de oração comunitária. Penso que a solidariedade na oração é muito importante, especialmente com a aproximação do segundo aniversário de 7 de outubro. Creio que também é importante, como crentes, encontrar uma forma de permanecer dentro dessas situações em que, humanamente, nos sentimos muito impotentes; permanecer como crentes, com um olhar de fé, sabendo confiar à fé aquilo que não conseguimos compreender: tanta dor, tanto sofrimento, tanta injustiça… Não se deixar instrumentalizar por uma linguagem de ódio, mas permanecer sempre ancorados a uma palavra que salva, que abre horizontes e constrói, sem nunca destruir.
Como semanários diocesanos e imprensa católica, podemos oferecer uma contribuição?
Sim, acredito que sim. A comunicação e os meios de comunicação são muito importantes. Eles podem veicular uma linguagem negativa ou o contrário. No livro do Deuteronômio, Deus diz a Israel: 'Ponho diante de ti a bênção e a maldição, a morte e a vida, para que escolhas a vida!'. Assim também nós devemos estar conscientes de que não apenas devemos escolher a bênção e a vida, mas também promovê-las com o que fazemos, com a linguagem que utilizamos.
A política – inclusive a política do nosso país e de nossas instituições – pode favorecer uma mudança?
Não perderia muito tempo com a política. O que fica evidente neste período é a fraqueza, quando não a paralisia, das instituições políticas locais, internacionais, multipolares… eu diria até das instituições religiosas. Este é o momento da sociedade civil: é aí, sobretudo, que devemos agir e é a ela que devemos nos dirigir.
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