24 Setembro 2025
Mesmo que nos prendam, poderemos recordar com orgulho que ajudámos a impulsionar um movimento sem precedentes contra o genocídio.
A reportagem é de Juan Bordera, publicada por CTXT, 23-09-2025.
Estar a bordo de um dos navios da flotilha que navega em direção a Gaza tem sido uma montanha-russa de emoções quase impossível de explicar. Uma montanha-russa no meio do mar.
Enquanto em Itália pudemos celebrar um dos exemplos mais potentes de solidariedade organizada — uma greve geral de 24 horas que bloqueou portos, transportes e escolas e reuniu dezenas de milhares de pessoas em 81 cidades de um país que ainda nem sequer reconhece o Estado palestiniano —, o Ministério dos Negócios Estrangeiros do regime israelita publicou um comunicado em que se atrevia a acusar a flotilha de ser organizada pelo Hamas. O mesmo que os mais de 380 mil crianças com menos de cinco anos assassinadas por Israel — segundo as estimativas de alguns académicos —, os hospitais, a UNRWA ou os jornalistas. Todos somos Hamas. Pelo menos, para os genocidas.
Neste comunicado, o mesmo regime que está a usar a fome como arma, que bloqueia a entrada de ajuda humanitária, que chegou a utilizar carregamentos de comida como armadilha para bombardear a população palestiniana que tenta matar à fome, e que viola sistematicamente toda a legislação internacional, esse mesmo regime de terror oferece-nos agora, generosamente, deixar a ajuda humanitária que transportamos em mais de 40 barcos no porto de Ascalão sob a sua responsabilidade. E se não aceitarmos, é porque somos Hamas. Esta é uma oferta que, mesmo sabendo o que implicará para a nossa própria segurança, não podemos deixar de enviar para onde gostaríamos de enviar Netanyahu. É uma oferta que nunca vamos aceitar.
Se esta flotilha não conseguir chegar à costa de Gaza e for intercetada ilegalmente em águas internacionais como as 32 precedentes (apenas as 5 primeiras conseguiram chegar há muito tempo), e a comunidade internacional não responder como deveria ter respondido há anos, não haverá outra opção moral disponível senão preparar a próxima.
Porque, no fundo, o comunicado é mais uma amostra de fraqueza de um regime esquizoide que está cada vez mais isolado politicamente, que economicamente está a começar a sofrer as consequências dos seus atos, e cuja lista de crimes contra a humanidade já é tão grande que ninguém com decência poderá esquecer jamais.
Os pequenos passos que estão a ser dados aproximam-nos cada vez mais do fim do genocídio. Mesmo na prisão em que nos meterem pelo tempo que lhes apetecer, poderemos recordar com orgulho que a flotilha ajudou a impulsionar a partir do mar um movimento sem precedentes em terra firme que desnudou os genocidas e a vergonha da cumplicidade institucional, que agora se apressa a tentar cobrir-se um pouco.
Graças à sociedade civil que tem pressionado e continua a pressionar com força, sucedem-se os gestos, as declarações tíbias dos governos que permaneceram impassíveis perante o — no mínimo — pior genocídio do século XXI. Os pequenos passos que estão a ser dados aproximam-nos cada vez mais do fim do genocídio. Um fim que só será um princípio, e que apenas os povos organizados podem conquistar, porque se algo sabemos com certeza, é que os governos e organismos internacionais são mais lentos do que a sociedade civil, e até muito mais lentos do que os nossos barcos.
Entretanto, Israel, encorajado pela impunidade, acelera a invasão final da cidade de Gaza e prepara a futura anexação da Cisjordânia, do Líbano e de outros territórios que têm a má sorte de estar no seu delirante e doentio projeto do Grande Israel. Que ninguém procure uma diferença entre o Grande Israel e o 'espaço vital' que os nazis exigiam. Não a encontrará, também, jamais.
De facto, é ainda mais infame a desfaçatez dos israelitas, que enquanto arrasam Gaza e assassinam a população palestiniana à vista de todo o mundo, falam ao mesmo tempo de partilha com os americanos, de reconstrução ou de prosperidade imobiliária graças ao facto de pensarem ter eliminado o Estado palestino. Não se apercebem de que, ao tentar apagar a Palestina do mapa, o mundo inteiro se está a converter em Palestina, e precisamente quando pensam que estão a ganhar, é quando é mais evidente que já perderam.
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