28 Mai 2025
São abertos os dois primeiros centros polêmicos onde paramilitares americanos e as Forças de Defesa de Israel distribuem cestas básicas.
A reportagem é de Fabio Tonacci, publicada por La Repubblica, 28-05-2025.
O que poderia ter acontecido se não fosse isso? Onze semanas de bloqueio de ajuda humanitária, dois milhões de palestinos morrendo de fome, padarias fechadas, barrigas vazias. Como poderia ter sido diferente no primeiro dia do novo sistema, se antes havia 400 lugares para conseguir pão em Gaza e agora apenas dois? Além disso, eles são controlados pelo exército israelense e administrados por uma polêmica fundação americana, onde os líderes renunciam antes mesmo de assumir o cargo. Dois centros de distribuição para dois milhões de pessoas. Foi um caos. E não poderia ser de outra forma.
Mulheres, idosos, crianças, pais de famílias famintas, mães de crianças desnutridas, milhares deles chegaram a pé após caminhar quilômetros na poeira e invadiram o local montado no bairro de Tal al Sultan, área de Rafah. Desarmados, movidos pelas dores do estômago. "Mais do que isso, éramos centenas de milhares", diz alguém que, no caos, tentou até o fim agarrar a caixa que contém, no máximo, dois dias de sobrevivência. Outra cena que humilha a dignidade humana entra na dolorosa galeria da guerra de Gaza.
Nas nuvens de areia levantadas pelo desespero, vimos pessoas se empurrando e correndo de mãos vazias, adultos gritando e segurando latas de feijão seco, soldados atirando para o alto, tanques, um helicóptero sobrevoando levantando ainda mais poeira e portões sendo derrubados. “Parecia que estávamos entrando em uma base militar, não em um lugar onde nos dão comida”, disse Abu Omar Basal, um homem de 50 anos que deixou Deir al Balah para retornar à tenda com a caixa meio cheia. "Eu dei algo para meu irmão".
Abu Omar não queria ir porque não queria passar pelo reconhecimento facial (neste primeiro dia caótico, parece que não houve nenhum, a verificação limitou-se a documentos). E por que o Hamas ordenou que ficássemos em casa. "Não caiam na armadilha, não arrisquem suas vidas", foi a mensagem espalhada pelo movimento islâmico que tentou organizar bloqueios nas estradas. O medo da fome, no entanto, prevaleceu.
O pedido no primeiro Local de Distribuição Segura (Sds1) em Rafah, que foi aberto ontem de manhã às 9h, durou apenas algumas horas: quando os primeiros pacotes contendo macarrão, arroz, óleo de semente, biscoitos, lentilhas em lata (todos os alimentos para serem cozidos e a gente se pergunta como, já que não há mais cozinhas nem gás) apareceram nas cidades de tendas e outras zonas de evacuação, as pessoas famintas partiram para o sul, em direção aos dois centros em Tel Al Sultan e no Corredor Morag, que separa a cidade fantasma de Rafah do resto da Faixa. Esta é a estratégia de Netanyahu: concentrar todos os habitantes de Gaza para melhor caçar o Hamas e provocar a "emigração voluntária". Os alimentos, como se pode deduzir pelo que está escrito nas caixas, são provenientes de duas ONGs, a americana Rahma e a Heroic Hearts, que no entanto explicam em nota que não fazem parte deste sistema humanitário militarizado.
“Havia mulheres de Khan Yunis que caminharam por duas horas e meia em vão porque quando chegaram tudo estava esgotado”, disse Amjad Alshawa, diretor da rede de ONGs de Gaza, ao Repubblica. Como todas as agências da ONU, Alshawa não participa do novo mecanismo porque acredita que ele seleciona os beneficiários. Projetado pelo exército israelense, ele é supervisionado pela Fundação Humanitária de Gaza (onde três altos funcionários, incluindo ontem o chefe de operações David Burke, renunciaram porque "o sistema é incompatível com os princípios humanitários de imparcialidade e neutralidade") e é protegido pela empresa privada americana Safe Reach Solution, a mesma que durante a trégua controlou os veículos no posto de controle do Corredor Netzarim.
Proteger é um nome impróprio, dado o que aconteceu ontem: de acordo com a Kan TV, os soldados, posicionados do lado de fora do local, que é cercado e delimitado por dunas de areia, foram encarregados de salvar os empreiteiros que não conseguiram controlar a multidão. A imprensa israelense escreve que uma nova milícia ligada a Yasser Abu Shabab, membro de uma poderosa família beduína, acusado de ser fundamentalista e líder de uma gangue criminosa, está controlando a entrega de ajuda no sul e, portanto, colaborando com o exército.
Durante o caos, um jornalista da AP ouviu tiros e testemunhas viram balas saindo de um tanque. Dizem que houve 42 feridos, quase todos leves, mas a notícia ainda não foi confirmada ontem à noite. “Oito mil pacotes foram distribuídos, cada um suficiente para 5,5 pessoas por 3,5 dias, totalizando 462 mil refeições”, relata a Fundação Humanitária de Gaza. “À tarde, o volume de pessoas era tão alto que nossa equipe teve que recuar para permitir que um pequeno grupo coletasse suprimentos e se dispersasse”. Eles minimizam o que não pode ser minimizado. Devido à confusão, a distribuição foi suspensa ontem. O exército também está tentando reduzir o efetivo, garantindo que os locais passarão a ser quatro e que hoje tudo funcionará regularmente.
"Cenas de cortar o coração, a ONU não está envolvida", comenta o secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres. "Suas críticas são o cúmulo da hipocrisia", respondeu a porta-voz do Departamento de Estado dos EUA, Tammy Bruce. Há controvérsia sobre a fome de milhões de palestinos. Esta manhã, às 9h, o centro de Rafah reabre. Fora da Faixa, milhares de toneladas de alimentos permanecem sem uso em caminhões parados.