20 Setembro 2025
Há muitas maneiras de lembrar o terrível massacre de Sabra e Chatila, que durou de 16 a 18 de setembro de 1982.
O artigo é de Riccardo Cristiano, jornalista italiano, publicado por Settimana News, 13-09-2025.
Eis o artigo.
Sabra e Chatila são campos de refugiados palestinos nos arredores de Beirute. Para alguns, é importante destacar seu significado na história da tragédia palestina, especialmente por causa da responsabilidade indireta do exército israelense. Foi isso que Jean Genet, um dos primeiros a chegar ao local antes que o exército libanês cavasse as valas comuns, fez ao escrever o famoso relato "Quatro Horas em Chatila". Esse fascinante e controverso escritor francês já tinha parado de escrever há anos.
Para os libaneses, Sabra e Chatila é, acima de tudo, um horror na história de seu país, da guerra civil que os dilacerou de 1975 a 1990, devido ao papel central desempenhado pelos falangistas cristãos, autores do massacre. Um grande intelectual libanês viu o valor da reconstrução e da narrativa para a reconciliação. Ele quis contar em um filme o ponto de vista dos autores do massacre. Para complementar essa perspectiva, é preciso também entrar no ciclo de violência em que o massacre se insere e a ferocidade com que os refugiados palestinos nos campos de Sabra e Chatila, nos arredores de Beirute, foram atacados.
Vidas de idosos, homens, mulheres e crianças foram destruídas com violência brutal. Inicialmente, falava-se em algumas centenas de mortos, mas o número subiu para a cifra indicada pela Cruz Vermelha: 2.400 vítimas. Fontes palestinas falam em pelo menos 3.000. Essas pessoas estavam confinadas nesses campos com outras milhares desde que foram expulsas do norte de Israel na guerra de 1948. Inicialmente, os campos foram concebidos para poucos milhares de refugiados, mas com o passar dos anos se tornaram o lar de dezenas de milhares. A ONU classificou o massacre, que começou em 16 de setembro de 1982 e durou duas noites e três dias, como um ato de genocídio.
Para tentar entender essa violência infernal, é preciso voltar pelo menos dois dias, a 14 de setembro de 1982, quando o recém-eleito e ainda não empossado presidente libanês, Bashir Gemayel, foi assassinado. Gemayel, cristão maronita, foi um protagonista dos confrontos entre milícias. Ele uniu os cristãos contra os defensores dos palestinos e era comumente descrito como "próximo a Israel", mas naqueles dias recusou um acordo de paz proposto pelo primeiro-ministro israelense Begin. Pouco antes de ser morto, ele disse que lideraria um Líbano "independente", uma palavra importante para os muitos envolvidos na tragédia libanesa.
Para seus inimigos, Gemayel era o mal; para muitos cristãos, maronitas e ortodoxos, ele era amado. Foi um trauma para muitos deles a manhã em que foi morto pela bomba colocada perto do palco onde falava por Habib Shartouni, membro do Partido Social Nacional Sírio (PNSS). Shartouni havia instalado secretamente uma bomba poderosa no apartamento de sua irmã, adjacente à sede das Falanges, e a detonou de um bar próximo. Ele foi preso logo depois, mas só em 2017 foi condenado à morte à revelia por esse crime. Detido por anos sem julgamento, fugiu em 1990 para a Síria, onde viveu até 2004. Aqueles que sempre souberam que o verdadeiro mandante do assassinato era Assad não estavam errados.
Isso não deve surpreender: em 1976, outro massacre de palestinos ocorreu no campo de Tal al-Zataar, também por milícias cristãs, mas desta vez com a cobertura do exército sírio. No entanto, a história não pode ser compreendida sem entender também os pesadelos de muitos cristãos. Quando a OLP chegou a Beirute com seus feddayyn, o fundador das falanges cristãs, Pierre Gemayel, não era seu inimigo; muito pelo contrário. Ele acreditava que em Israel deveria ser criado um Estado binacional, como o Líbano era para muçulmanos e cristãos.
Mas a chegada da OLP o fez temer que o plano tivesse mudado. Os palestinos eram quase todos muçulmanos, e os muçulmanos apoiavam sua causa. Será que eles queriam mudar a proporção demográfica entre muçulmanos e cristãos? Será que alguém pensava em marginalizar a sua comunidade? A força militar da OLP gerou medo, a confiança mútua se perdeu, e os cristãos passaram a ser considerados amigos de Israel. E, em parte, se tornaram.
Voltemos a 1982. Em reação ao assassinato de seu carismático líder, Bashir Gemayel, que deveria salvar os cristãos e o Líbano do caos da guerra civil que já durava sete anos, um grupo de milicianos das falanges maronitas, fundadas por Gemayel e lideradas por Elie Obeika, decidiu vingar o assassinato massacrando palestinos. Para eles, era óbvio que os responsáveis pelo assassinato não eram os serviços secretos sírios, mas os milicianos palestinos. A área estava ocupada pelo exército israelense, que cercou os campos com seus tanques, mas não interveio para impedir o massacre.
A notícia do que aconteceu em Sabra e Chatila causou uma forte reação popular em Israel, e uma comissão de inquérito foi criada. Ela apontou a "responsabilidade indireta" do exército israelense no massacre. Sharon, apesar da resistência inicial, teve que se demitir do cargo de ministro da Defesa. Mas, como lembrou Gabriele Eschenazi no site da fundação Gariwo, ele sempre negou: "Ele fez isso já em 2002, quando processou a revista Time, que insinuou que Sharon havia combinado com os falangistas uma vingança contra os palestinos após o assassinato do líder cristão-maronita Bashir Gemayel. Sharon venceu o caso, e a Time foi obrigada a indenizá-lo."
A comissão de inquérito em Israel admitiu a responsabilidade indireta do exército israelense, que ocupava militarmente a área e, portanto, tinha a responsabilidade de não ter prevenido nem detido o massacre. Ampliando a discussão, é interessante o que Gabriele Eschenazi também escreve no artigo do site Gariwo: toda a operação "Paz na Galileia", como foi chamada a invasão israelense do Líbano, acabou sendo um boomerang, pois "declaradamente lançada para defender as vilas israelenses do norte dos ataques da artilharia palestina, mas na verdade pensada por Sharon para mudar a face do Líbano, que, sem a OLP, acabou progressivamente sob o controle da Síria de Assad, com exceção de uma 'zona de segurança' que Israel manteve sob controle até 2000, não sem pagar um alto preço em sangue".
E Elie Obeika? Após o fim da guerra civil, em 1990, ele foi ministro em vários governos libaneses por muitos anos, sempre por "indicação síria". Em alguns casos, sua pasta era até a de refugiados internos, até ser assassinado. Esse desdobramento é frequentemente subestimado, mas é inegável. Embora pareça certo que sua colaboração com Damasco tenha sido posterior ao massacre, algumas fontes chegam a sustentar que a ordem do massacre teria vindo de altos oficiais sírios.
Apresentada de forma resumida, a história do massacre de Sabra e Chatila destaca quatro aspectos relevantes: a reação popular israelense, que, segundo as crônicas da época, reuniu 400 mil pessoas em Tel Aviv para expressar sua indignação e favorecer a criação da comissão que investigou e levou à saída de Sharon do Ministério da Defesa. Em seguida, a pouca consciência cristã fora do Líbano, que às vezes desconhece o papel desempenhado por milicianos cristãos no massacre. Depois, a capacidade do regime de Assad de impor Elie Obeika como ministro. E, por fim, o tabu libanês, que escondeu a memória sob o tapete, reprimindo a guerra e, com ela, Sabra e Chatila.
Massaker, premiado no Festival de Cinema de Berlim, é o filme realizado por três diretores mencionados no início: o libanês xiita Lokman Slim, sua esposa Monika Borgmann e Herman Theissen. É interessante notar que a produção do filme levou muito tempo porque os primeiros cinco falangistas que aceitaram contar o que fizeram durante o massacre, com os rostos ocultos, foram presos e acusados de mentir. O filme não agradou às autoridades libanesas, e a produção teve que recomeçar do zero. Os relatos se tornaram seis, e os protagonistas continuam com os rostos ocultos.
Slim foi assassinado em 2021 pelo Hezbollah, o partido khomeinista que emergiu no Líbano justamente na época de Sabra e Chatila. Embora ainda não haja uma condenação, sabe-se que o mataram na rua, deixando seu corpo nos arredores de Beirute. Uma mensagem nas redes sociais do filho de Hassan Nasrallah, o líder do Hezbollah, embora depois removida, indica a responsabilidade do grupo.
Com os quatro anos dedicados à realização do filme, Slim quebrou um tabu, embora logo o filme não fosse mais exibido no Líbano. A narrativa mostra o lema dos falangistas que entraram no campo: "Jovens e velhos, crianças no colo, não mostrem piedade." Outro dos seis entrevistados diz que eles queriam dar uma mensagem, "mas não sei bem para quem...". Mas ainda mais importante é a avaliação de um crítico de cinema para quem, nos testemunhos, "habita uma desconcertante infantilidade lúdica", que faz das armas "funebres brinquedos nas mãos erradas".
É exatamente isso que o líder do lado oposto, Kamal Joumblatt, já escrevia na época: "A batalha parecia um jogo para todos os jovens. (...) As ideologias, assim como a má educação familiar ou escolar, os perverteram. Roubar um carro para eles era 'pegar emprestado'. (...) Precisamos desses jovens estranhos e maduros para a batalha. Devo admitir que, apesar de todos os seus erros, eu os amava muito. Pelo menos não eram hipócritas."
Em 2005, ano da produção do filme, Lokman Slim disse em entrevista ao The Guardian que ajudou a fazer o filme na esperança de que ele auxiliasse na reconciliação: "Eu não acredito que existam vítimas e perpetradores (na guerra civil libanesa). Para mim, cada perpetrador foi uma vítima, porque teve uma parte de sua humanidade amputada, e essa amputação o transformou em um assassino. Se alguém é ao mesmo tempo um perpetrador e uma vítima, isso o torna de alguma forma menos responsável pelo que fez? Não. Enquanto não reconhecermos o que fizemos uns aos outros, nunca alcançaremos uma verdadeira reconciliação."
Essa discussão nos levaria muito longe, obviamente também para o presente, mas o problema é que essa discussão, em vez de nos levar longe, está se tornando algo distante de nós.
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