12 Setembro 2025
A Suprema Corte decidiu sentenciar Jair Bolsonaro, líder da extrema-direita latino-americana, a 27 anos e três meses de prisão por liderar uma tentativa de golpe de Estado em 2022 após perder as eleições para Lula.
A reportagem é de Gerardo Szalkowicz, publicada por El Salto, 12-09-2025.
O Brasil vive nestas horas um marco histórico: pela primeira vez um ex-presidente foi condenado por crimes contra a democracia. Por 4 votos a 1, a Suprema Corte do país declarou Bolsonaro culpado de liderar “uma organização criminosa estruturada para impedir que o resultado da vontade popular expresso nas eleições de 2022 fosse cumprido, implicando sua continuidade no poder sem o aval do sufrágio universal”.
Para esse fim, Bolsonaro e sete de seus ex-ministros foram condenados por cinco crimes: tentativa de abolição violenta do Estado democrático, tentativa de golpe de Estado, organização criminosa armada, dano qualificado ao patrimônio público e deterioração do patrimônio protegido.
“Um ponto de virada da democracia brasileira”. É assim que o cientista político Sérgio Abranches define o julgamento sobre a tentativa de golpe. Em entrevista, ele destaca o ineditismo de ver Bolsonaro e generais da ativa diante de um tribunal civil.https://t.co/n55KNenncs pic.twitter.com/clVOQySj5x
— IHU (@_ihu) September 11, 2025
Cármen Lúcia e o voto final
O voto que confirmou a sentença foi o de Cármen Lúcia, muito celebrado nas redes por ser a única juíza mulher a dar o golpe final em uma figura explicitamente machista. “Ficou comprovado que o grupo liderado por Bolsonaro, composto por figuras-chave de seu governo, Forças Armadas e órgãos de inteligência, desenvolveu e implementou um plano progressivo e sistemático de ataque às instituições democráticas com o objetivo de prejudicar a legítima alternância de poder e minar o livre exercício dos poderes constitucionais”, afirmou Lúcia.
O chamado “julgamento do século” também condenou os outros sete integrantes do “Núcleo Crucial” da conspiração, entre eles os generais Walter Braga Netto, ex-ministro da Defesa e companheiro de chapa de Bolsonaro em 2022; Augusto Heleno, ex-ministro da Segurança; e Paulo Nogueira, ex-chefe do Exército.
Ainda falta definir onde o ex-presidente e ex-militar aposentado, de 70 anos, cumprirá a pena. Sua defesa tentará mantê-lo em prisão domiciliar, alegando problemas de saúde; no entanto, tudo indica que ele terá que se internar no Complexo Penitenciário da Papuda, em Brasília.
A trama golpista
Durante mais de dois anos, a Justiça brasileira coletou milhares de provas que demonstram que o ataque de milhares de simpatizantes bolsonaristas às sedes dos três poderes em 8 de janeiro de 2023, uma semana após a posse de Lula, foi apenas o capítulo final de uma longa conspiração em escritórios e quartéis.
A investigação judicial tem mais de 800 páginas com detalhes de reuniões, mensagens, documentos, escutas telefônicas, buscas e depoimentos sobre um plano para, segundo a Procuradoria, “perpetuar-se no poder e instalar uma ditadura”, e do qual Bolsonaro era o principal articulador. Foi encontrado até um rascunho de decreto para dar um suposto verniz legal à ruptura democrática. Uma peça-chave foi a confissão do tenente-coronel Mauro Cid, secretário pessoal de Bolsonaro, que assinou um acordo de delação premiada e aceitou colaborar em troca de uma pena menor.
“O golpe não se consumou porque não teve a adesão dos chefes do Exército e da Força Aérea”
O capítulo mais sinistro do complô, autodenominado “Punhal Verde e Amarelo”, contemplava, nada menos, que envenenar Lula. Também previa assassinar o então vice-presidente eleito Geraldo Alckmin e o presidente da Corte, Alexandre de Moraes. O documento com os planos de magnicídio foi impresso em um gabinete da Presidência.
“O golpe não se consumou porque não teve a adesão dos chefes do Exército e da Força Aérea”, afirmou o procurador-geral, Paulo Gonet, que responsabilizou o ex-presidente pelos violentos protestos posteriores às eleições e pela instalação de acampamentos em frente a quartéis nos quais se pedia uma intervenção militar para impedir a posse de Lula. Essa escalada conduziu, segundo Gonet, aos fatos de 8 de janeiro de 2023. Por esses dias, Bolsonaro se recusava a reconhecer sua derrota e se refugiou nos Estados Unidos para evitar entregar a faixa presidencial a Lula. Pelo ataque aos três poderes, 683 pessoas já foram condenadas.
O grande protagonista do processo judicial é o juiz Alexandre de Moraes, que havia destacado que “só resta lamentar que na história republicana tenha havido uma nova tentativa de golpe contra as instituições e contra a democracia para instalar um estado de exceção e uma verdadeira ditadura”.
O futuro de Bolsonaro e o bolsonarismo
Embora o líder de extrema-direita tenha recebido uma longa condenação, seu grupo político tenta uma via para escapar da Justiça. Trata-se de uma lei de anistia que vem sendo impulsionada por legisladores bolsonaristas e que busca beneficiar o ex-presidente e os condenados pela intentona de 8 de janeiro.
Mas mesmo que a manobra legislativa prospere, o que levaria a um choque de poderes com a Justiça, Bolsonaro está inelegível para exercer cargos públicos até 2030 por ter difundido informações falsas sobre a segurança do sistema eleitoral brasileiro.
“O bolsonarismo não desaparece com a condenação. Continua sendo uma força política com capacidade de mobilização nas ruas e nas redes, agora articulada em torno de novas figuras”
A outra carta na manga é a de um eventual indulto. O Brasil tem eleições presidenciais em outubro de 2026 e, embora com seu líder em desgraça, o bolsonarismo continua sendo a principal força de oposição. O que desponta como candidato é o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, que já adiantou que sua primeira medida como presidente seria indultar Bolsonaro. Outras variantes que soam são as de sua esposa Michelle ou de algum de seus filhos.
“O bolsonarismo não desaparece com a condenação — explica Chagas. Continua sendo uma força política com capacidade de mobilização nas ruas e nas redes, agora articulada em torno de novas figuras. Trata-se de uma extrema-direita consolidada que pode se projetar para 2026. E embora sua figura central seja reduzida, a narrativa de vitimização de Bolsonaro preso pode até mesmo reforçar a coesão do grupo”.
O fator Trump
O presidente norte-americano apostou forte em Bolsonaro. Ele qualificou o processo como uma “perseguição política” e, em retaliação, aplicou uma tarifa de 50% sobre produtos brasileiros e sancionou os juízes da Corte. E nos últimos dias foi além: a porta-voz da Casa Branca, Karoline Leavitt, assegurou que Trump “não tem medo de usar meios econômicos nem militares para proteger a liberdade de expressão ao redor do mundo”, ao ser questionada sobre a eventual condenação de Bolsonaro.
A chancelaria brasileira repudiou a ameaça: “O primeiro passo para proteger a liberdade de expressão é defender a democracia e respeitar a vontade popular expressa nas urnas. Este é o dever dos três poderes do Estado, que não se deixarão intimidar por nenhum tipo de ataque à nossa soberania.” Por sua vez, a ministra de Relações Institucionais da Presidência, Gleisi Hoffman, alertou: “Agora ameaçam invadir o Brasil para libertar Bolsonaro da prisão. É completamente inaceitável.”
A simbiose entre o bolsonarismo e o trumpismo se reafirmou nos protestos do último domingo, quando os manifestantes levaram como estandarte uma bandeira gigante dos EUA. “O novo símbolo da direita brasileira”, titulou The New York Times.
A ofensiva de Trump teve um efeito bumerangue e apenas recompôs a popularidade de Lula, que conseguiu unificar amplos setores em defesa da soberania brasileira.
O presidente havia qualificado a jogada de Trump como “uma chantagem inaceitável”. E marcou a posição: “Não será um gringo que dará ordens ao Brasil. Foi eleito presidente, não imperador do mundo.”
Reparação histórica
A imagem de Bolsonaro atrás das grades terá um peso que vai muito além do jurídico. Marcará um marco histórico e simbólico notável para uma democracia cheia de feridas abertas, como a que deixou a Lei de Anistia de 1979, que impediu o julgamento dos repressores da ditadura.
Pela primeira vez, aqueles que atentaram contra a ordem democrática pagam. E embora os militares que governaram de 1964 a 1985 tenham ficado cobertos por um manto de impunidade, a condenação de Bolsonaro, ex-capitão do exército e admirador confesso daquela tirania, abre as portas para que, de uma vez por todas, o Brasil possa pronunciar seu “nunca mais”.
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