11 Setembro 2025
"Precisamos considerar com atenção a atividade econômica de comunidades tradicionais (indígenas, quilombolas, camponeses, ribeirinhos etc.), de comunidades de periferia, da população em situação de rua e de catadores/as de material reciclável, dos coletivos de economia popular solidária e agroecologia, dentre outras".
O artigo é de Francisco de Aquino Júnior, presbítero da Diocese de Limoeiro do Norte – CE; professor de teologia da Faculdade Católica de Fortaleza (FCF) e da Universidade Católica de Pernambuco (UNICAP).
Eis o artigo.
Nos dias 11 a 14 de setembro acontece em Recife, terra do profeta Dom Hélder Câmara, o 3º Encontro Nacional da Economia de Francisco e Clara. O tema do encontro é um anúncio profético (quase apocalíptico) e um apelo dramático a todas as pessoas e forças sociais: “A economia pode ser justa para todas as vidas, já”! É uma questão de vida ou de morte. Esse movimento nasceu de uma convocação do Papa Francisco a construir uma economia a serviço da vida, colocando vida/alma na economia.
Não é preciso muito esforço para reconhecer que domina no mundo uma economia de morte: exploração de trabalhadores/as, desmonte dos direitos trabalhistas, exclusão de pessoas e povos, novas formas de trabalho escravo, superexploração dos bens naturais e destruição da natureza, concentração de bens e riqueza, imperialismo dos países ricos e poderosos etc. Além de aprofundar as injustiças sociais, essa economia destrói a natureza e ameaça a vida no planeta. É uma economia que mata!
Escutando os “gemidos da criação”, Francisco desafia as novas gerações a pensar e gestar uma economia a serviço da vida. Se João Paulo II falou de Assis como “ícone de uma cultura de paz”, Francisco fala de Assis como “símbolo e imagem de um humanismo da fraternidade” e como “lugar inspirador de uma nova economia” – que seja justa e boa para todas as vidas: os pobres, a sociedade, o planeta... No encontro mundial em Assis, em setembro de 2022, ele fez três indicações para uma economia da vida: 1) “olhar para o mundo com os olhos dos mais pobres”; 2) não esquecer do trabalho e dos trabalhadores: “criar trabalho, trabalho bom, trabalho para todos”; 3) “as ideias são necessárias, mas devem tornar-se carne” – é preciso usar a cabeça, o coração e as mãos.
Isso se concretiza nos territórios a partir das vítimas do sistema dominante e das alternativas que elas vão construindo no cotidiano. Não nos iludamos: As elites que se enriquecem explorando as pessoas e destruindo a natureza nem precisam nem querem mudança. Só se for para explorar ainda mais as pessoas e a natureza, destruindo os direitos trabalhistas e a proteção ambiental. E chamam isso de “flexibilização” das leis trabalhistas e ambientais – um nome sofisticado para exploração e destruição. As mudanças vêm de baixo, dos pobres e excluídos. Primeiro, porque são eles que necessitam dessas mudanças (necessidade). Segundo, porque a necessidade obriga a buscar alternativas econômicas de sobrevivência (criatividade). Terceiro, porque fazem um verdadeiro milagre econômico que é sobreviver com muito pouco ou mesmo quase nada (austeridade). Quarto, porque essas atividades econômicas, além do baixo potencial de destruição ambiental, são muito mais justas e sustentáveis do ponto de vista socioambiental (sustentabilidade).
Não se trata de idealizar nem romantizar os pobres. O sonho de acumular e consumir está na cabeça da imensa maioria da população: pobres com cabeça/coração de rico. Mas a situação limite de pobreza obriga a desenvolver uma economia popular de base, voltada para a satisfação das necessidades materiais básicas, com um padrão de vida simples e austero e sustentável ambientalmente. Nessa economia de sobrevivência aparecem princípios e caminhos para uma economia sustentável. Sem pensar ou querer, acabam abrindo caminhos para uma economia a serviço da vida.
Precisamos considerar com atenção a atividade econômica de comunidades tradicionais (indígenas, quilombolas, camponeses, ribeirinhos etc.), de comunidades de periferia, da população em situação de rua e de catadores/as de material reciclável, dos coletivos de economia popular solidária e agroecologia, dentre outras. E tanto no que se refere ao sustento material das pessoas envolvidas, quanto no que se refere ao impacto na economia local, quanto ainda no que se refere a sua sustentabilidade socioambiental. Há uma rica sabedoria nessas práticas: a economia dos povos tradicionais, por exemplo, ensina que o sustento material das comunidades passa pela preservação da floresta; a agricultura familiar camponesa ensina práticas agroecológicas que respeitam os ritmos da natureza, produzem alimentos saudáveis e preservam a bio e sociodiversidade; os catadores de material reciclável ensinam conjugar sustento material, austeridade de vida, economia local e proteção ambiental. Elas abrem caminhos e apontam perspectivas para uma economia que seja boa e justa para todas as vidas.
Não se trata de receita, mas de práticas econômicas alternativas que, no poder do Espírito, que secretamente “atua a partir de baixo”, conjugam satisfação das necessidades materiais, bem comum, função social da propriedade e preservação ambiental. Elas concretizam e abrem caminho para uma economia a serviço da vida, segundo o desígnio criador do Pai e seu reinado de fraternidade, justiça e paz anunciado por Jesus.
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