12 Julho 2025
"A direita, especialmente a italiana, apressa-se a se proteger, passa por cima das causas dos eventos extremos e se esconde por trás do senso comum dos insensatos: no verão sempre foi quente, no inverno sempre foi frio. Assim, tal direita afirma um negacionismo aparentemente mais respeitável: a mudança climática existe, mas o ser humano não é responsável", escreve Luigi Manconi, presidente da Comissão de Direitos Humanos da Itália, em artigo publicado por la Repubblica, 09-07-2025. A tradução é de Luisa Rabolini.
Eis o artigo.
Talvez, diante do negacionismo ambiental das direitas de todo o mundo, os progressistas e os ecologistas devem se tornar como leopardianos. Quando éramos pequenos e ignorantes, e líamos com grande dificuldade Sebastiano Timpanaro, acabamos aprendendo isso em seus escritos sobre Giacomo Leopardi: que a natureza engana seus filhos. Tal consciência da realidade parece escapar à direita político-cultural, ativamente engajada em afirmar a inocência do homem em relação ao colapso do planeta. Não é uma novidade.
A pandemia de Covid foi o neurótico ensaio geral e o sangrento campo de batalha da última guerra global. Que ainda está em andamento, e não é aquela entre os EUA e a China, nem mesmo a entre o Ocidente e o Islã: é, em vez disso, o conflito sem fim entre homem e natureza, entre a aspiração do primeiro de dominar a segunda e o poder do mundo físico contra a civilização humana, suas conquistas maravilhosas e seus horrores hediondos.
A Covid foi um formidável observatório das ações e reações dos indivíduos em circunstâncias extremas, quando a vida e a morte estão em jogo e se manifestam as pulsões mais profundas: pânico e psicose, fobia e angústia. A pandemia antecipou o que agora está acontecendo em relação às mudanças climáticas, intervindo não apenas no inconsciente coletivo, mas também na mentalidade social, produzindo interpretações do mundo e das coisas, ativando fantasias, pesadelos e constructos culturais.
As teorias da conspiração tão presentes na narrativa da pandemia e da crise ambiental são um mecanismo de interpretação do que não se conhece e que se teme, confiado a uma lógica aparentemente férrea, unida por estreitas conexões e fortes vínculos, tudo submetido a um regime de causa-efeito que não admite exceções. É isso que permitiu uma leitura compacta e completa de toda a história, onde tudo está conectado. É evidente que tal trama - onde atuam o Papa Francisco e as Big Pharma, Hillary Clinton e seus planos de substituição étnica, a internacional homossexual e o Príncipe Charles -, satisfaz plenamente a desorientação e a frustração de muitos, responde a todas as perguntas e desvenda todos os mistérios. Em suma, explica tudo.
A linguagem das conspirações é construída inteiramente por expressões como "não é por acaso que...", "pode até ser coincidência, mas...", e responde prontamente ao ceticismo coletivo de uma opinião pública cismada e desconfiada até à paranoia. Daí a mitologia sombria em torno das origens da Covid, da letalidade das vacinas e das estratégias de manipulação de massa. Tudo isso se fundiu com uma orientação político-cultural abertamente de direita e se transferiu para a dimensão das mudanças climáticas e das políticas a elas relacionadas. Num instante, essa subcultura se tornou negacionista em relação à crise ambiental, usando argumentos copiados literalmente da polêmica sobre a Covid. A mudança climática supostamente seria uma invenção dos poderes fortes, destinada a disciplinar os hábitos e os consumos das pessoas, a condicionar suas escolhas e estilos de vida, a fortalecer um setor produtivo em detrimento de outro, a inspirar relações comunitárias pré-industriais. O resultado dessa campanha de propaganda é, mais uma vez, "de direita": isto é, em benefício de uma ideia organicista e iliberal de sociedade.
Mas eventualmente a direita acaba se apavorando com suas próprias palavras. Quando a enchente do Rio Guadalupe a confronta com alguns dados brutais, como responder a quem afirma que a tragédia se deve a demissões e cortes no sistema de previsão do tempo? Bem como – evidentemente – à gravíssima negligência em relação ao colapso hidrogeológico? A direita, especialmente a italiana, apressa-se a se proteger, passa por cima das causas dos eventos extremos e se esconde por trás do senso comum dos insensatos: no verão sempre foi quente, no inverno sempre foi frio. Assim, tal direita afirma um negacionismo aparentemente mais respeitável: a mudança climática existe, mas o ser humano não é responsável.
Isso leva a uma estranha inversão: o ser humano não seria culpado, filho dócil da natureza e parte integrante dela, amigável e não hostil a ela. A antiga crença reacionária, que agora se tornou uma concepção ideológica propriamente dita, de que a humanidade estaria condenada a um irreparável destino trágico, é apagada. Ao ser humano é atribuída uma inocência absoluta em nome de um otimismo imaginário. Isso resulta em alguns efeitos: o homem não tem um papel dominante e, portanto, também destrutivo, no governo do planeta. É, dessa forma, inocente e, portanto, sem culpa. Consequentemente, a dimensão trágica da existência humana, considerada pedra angular dos pensadores mais sólidos da cultura de direita, seria abandonada.
Na realidade, tudo isso é coerente com a profunda inspiração antiecológica da direita. Esta é, em sua essência, inteiramente focada no aqui e agora, no presente e no imediato; é soberanista e imediatista, totalmente alheia às categorias do distante e do futuro, e irresistivelmente tendente a ignorar as causas do que acontece hoje e as responsabilidades pelo que acontecerá amanhã.
Uma ecologia, mas também uma esquerda que a quisesse assumir como sua característica qualificante, devem ser ou deveriam ser exatamente o oposto. Tornando-se, dessa forma, leopardianas.
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