01 Julho 2025
A ministra do Trabalho, Jeannette Jara, venceu inesperadamente as primárias do campo progressista rumo às eleições presidenciais de novembro próximo. Figura de um setor do Partido Comunista mais próximo do centro-esquerda, Jara conquistou 60% dos votos e agora terá que enfrentar uma direita favorita nas pesquisas e lidar com uma forte campanha anticomunista.
O artigo é de Tomás Leighton, publicado por Nueva Sociedad, junho de 2025.
Tomás Leighton é mestre em Comunicação Global pela Universidade de Erfurt e diretor executivo da Fundação Rumbo Colectivo do Chile.
No dia 29 de junho foram realizadas eleições primárias no Chile, dando início ao processo que culminará na escolha de um novo governo no final de 2025. Pela primeira vez desde que foi instaurado o sistema de primárias, a direita tradicional decidiu não participar — para isso, precisaria estabelecer um acordo entre suas diferentes facções — e apenas o campo progressista foi às urnas.
Com voto voluntário — exceto para os filiados a partidos que não integraram as primárias — o pacto Unidade pelo Chile registrou quatro candidaturas: Jeannette Jara (Partido Comunista e Ação Humanista), Gonzalo Winter (Frente Ampla), Carolina Tohá (Partido pela Democracia, Partido Socialista, Partido Liberal e Partido Radical) e Jaime Mulet (Federação Regionalista Verde Social).
Assim que as candidaturas foram registradas, a ex-ministra do Interior Carolina Tohá despontou com o dobro de intenção de voto de seus adversários, com um nível de reconhecimento público de quase 80%, segundo as principais pesquisas.
A candidata da coalizão Socialismo Democrático iniciou sua trajetória política nos protestos contra Augusto Pinochet na Universidade do Chile e foi uma das fundadoras do Partido pela Democracia (PPD). Atuou como subsecretária no governo de Ricardo Lagos, e depois foi deputada, ministra e prefeita da comuna de Santiago. Filha de José Tohá, ex-ministro do Interior de Salvador Allende, cresceu exilada no México após o assassinato do pai. Cinquenta anos depois, ela ocuparia o mesmo cargo do pai: sua longa experiência no serviço público foi requisitada pelo governo de Gabriel Boric para reestruturar o gabinete em meio a uma crise de segurança sem precedentes e com os níveis de temor “mais altos do mundo”. Embora sua gestão tenha conseguido reverter a alta na taxa de homicídios e aprovar mais de 60 leis — incluindo a criação do Ministério da Segurança Pública — sua candidatura não conseguiu se desvincular dos problemas na área.
Tohá tentou distanciar sua campanha da gestão do governo de que fazia parte até poucas semanas antes, convocando quadros técnicos da época da Concertación (coalizão de centro-esquerda que liderou a transição pós-ditadura) e explorando atributos de liderança firme. No entanto, sua tentativa de se diferenciar da Frente Ampla e do Partido Comunista resultou em discussões pouco relevantes para a maioria dos eleitores. Isso contrastou com a campanha de Jara, que adotou um estilo empático e evitou polêmicas com os adversários.
Para vencer, Jeannette Jara reconheceu que apenas 34% da população a conhecia no início da campanha e concentrou seus esforços em se tornar conhecida. Natural da comunidade El Cortijo (Conchalí), na periferia de Santiago, cresceu em uma mediagua (moradia emergencial no Chile) da avó, estudando em escola pública. Quando os debates televisivos e a opinião pública focaram em sua militância comunista, Jara conseguiu se distanciar parcialmente do rótulo partidário, expondo diferenças com a direção do PC de forma educada e descomplicada, enquanto centrava sua estratégia digital em aspectos biográficos voltados aos jovens.
No Chile, como destaca uma pesquisa de Nicolás Angelcos, os setores populares tendem a avaliar os políticos pela proximidade, mais do que pela dicotomia esquerda-direita, e são especialmente críticos com políticos que vivem em áreas privilegiadas. Diante do baixo entusiasmo popular nas primárias, Jara entendeu que seu crescimento dependeria de evitar embates complicados com Winter e Tohá, enquanto seu origem popular contrastava naturalmente com a dos rivais. Assim, conquistou o apoio do independente Matías Toledo, prefeito de Puente Alto, uma das comunas mais populosas de Santiago.
Mas o que permitiu a Jara consolidar o apoio majoritário do progressismo foi sua atuação como ministra do Trabalho e Previdência Social. Nomeada por Boric e peça central do comitê político do governo, conseguiu aprovar a redução da jornada de trabalho para 40 horas semanais, o aumento do salário mínimo (hoje o mais alto da América Latina) e a maior reforma previdenciária em 43 anos, após três governos fracassarem na tentativa. Essa última reforma demonstrou sua habilidade de negociação política, já que contou com apoio de parte da direita tradicional no Congresso, embora tenha sido criticada por Daniel Jadue — último presidenciável comunista, derrotado por Boric em 2021 — por ser considerada "modesta".
As diferenças com Jadue e até com o presidente do PC, Lautaro Carmona, foram constantes durante a campanha. Nos momentos finais, Carmona negou violações de direitos humanos na Venezuela (mencionadas por Jara), afirmou que Cuba é uma "democracia avançada" e sugeriu um terceiro processo constituinte — algo que Jara teve de desmentir prontamente, já que após dois referendos fracassados, poucos chilenos querem saber de uma nova convenção constitucional.
“O triunfo de Jara nas primárias é o triunfo de uma liderança pessoal notável e também das novas gerações comunistas, formadas sob a liderança de Guillermo Teillier no PC, que amadureceram politicamente, adquirindo capacidade de gestão estatal e cultura de coalizão nos governos de Michelle Bachelet e Boric”, explicou o historiador Alfredo Riquelme, da Universidade Católica, ao jornal La Tercera.
Em resumo, Jara — que tentou deixar de lado a simbologia do PC em sua campanha — conseguiu evitar disputas internas com os rivais de centro-esquerda e driblar as tentativas do partido de impor sua linha ideológica. Com isso, concentrou-se no essencial: consolidar a maior parte da base de apoio de Boric. Assim, isolou Winter, candidato da Frente Ampla (que se unificou como partido no fim de 2024), que terminou com apenas 9% dos votos.
Antigo aliado de Boric antes da chegada à presidência, Winter usou sua habilidade retórica como deputado para defender o governo nas redes e na mídia. Mas agora, sua campanha evitou o rótulo de continuidade, tentando se conectar com as frustrações da base. Nessa linha, reabriu o debate sobre o ciclo da Concertación, da qual Tohá foi parte. Enquanto Winter e Tohá travavam esse embate sobre um período encerrado há 16 anos, Jara já havia cravado sua bandeira com força. Sua vitória avassaladora, com mais de 60% dos votos, só se compara ao desempenho de Michelle Bachelet na primária de 2013, quando obteve 73%.
O dado mais importante para prever as eleições gerais a partir das primárias é a participação. Embora os 1.420.435 eleitores tenham sido menos do que os das primárias de Boric e Jadue em 2021, superaram amplamente as primárias da direita em 2013 e 2021. A votação pessoal de Jara ficou a apenas 2.000 votos da que teve Sebastián Piñera na primária de 2017, após a qual foi eleito presidente. Ainda assim, é importante lembrar que, tanto o primeiro quanto o segundo turno das eleições presidenciais de 2025 ocorrerão com voto obrigatório, o que inclui mais de 3 milhões de novos eleitores. Ou seja, Jara precisará triplicar sua votação para chegar ao segundo turno, o que impõe grandes desafios de negociação dentro do campo progressista e enfrentar uma forte campanha anticomunista.
Além da direita, que se autoexcluiu das primárias, o Partido Democrata Cristão também ficou de fora — temendo ter que apoiar uma candidata comunista. Embora não faça parte da aliança de governo, o partido tem sido um apoio importante para Boric no Congresso. Mesmo com seu enfraquecimento nas últimas décadas, será necessário buscar um entendimento com os setores moderados resistentes. Jara já sinalizou que tentará seduzir a Democracia Cristã.
Há 20 anos, o Chile vive um fenômeno comum na região: quase nenhum governo democrático consegue eleger um sucessor do mesmo campo político. Neste cenário, a direita — que lidera as pesquisas — está em vantagem para as eleições de 16 de novembro.
A oficialização de Jara como candidata do progressismo pode provocar reações diferentes entre os setores de direita. José Antonio Kast (Partido Republicano) e Johannes Kaiser (Partido Nacional Libertário), que tenta repetir o fenômeno de Javier Milei na Argentina, podem radicalizar o discurso antiesquerda, culpando todo o progressismo pelas experiências comunistas no mundo. Por outro lado, Evelyn Matthei, da União Democrata Independente (UDI), pode tentar ocupar o centro político. Embora fosse favorita nos últimos meses, Matthei enfrentou problemas na campanha e desgaste por liderar as pesquisas por tanto tempo, e agora enfrenta a ameaça crescente de Kast, que chegou a superá-la.
O desafio de Jara é chegar ao segundo turno e, se conseguir, reduzir a vantagem da direita. Embora o objetivo máximo do progressismo seja manter o governo, a meta mínima é impedir que a direita consiga 4/7 das cadeiras no Parlamento, o que permitiria reformas constitucionais. Para isso, o triunfo de Jara nas primárias oferece lições valiosas.