Celebre São João Batista ouvindo Bach. Entrevista com Chiara Bertoglio

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26 Junho 2025

Hoje, 24 de junho, festa da Natividade de São João BatistaChiara Bertoglio nos oferece uma experiência de leitura e audição da Cantata BWV 30 – Freue dich, erlöste Schar (Alegrai-vos, povo salvo), de Johann Sebastian Bach.

A entrevista é de Giordano Cavallari, publicada por Settimana News, 24-06-2025. 

Eis a entrevista. 

Querida Chiara, que motivos temos hoje para celebrar o nascimento de São João Batista, talvez com a música de Bach?

Porque é uma grande celebração da tradição cristã, que ainda reúne e une todas as confissões cristãs, embora, é claro, haja diferentes considerações quanto ao culto dos santos. João Batista é, para todos, uma grande figura: é ele quem aponta para Cristo!

Esta festa – como todas as festas litúrgicas – reúne, além de motivações teológicas, também motivações sociais e sazonais ligadas ao ciclo natural: sobrenatureza e natureza. É a festa do início do verão: após o solstício de 21 de junho, a iluminação solar diminui até o mínimo do solstício de inverno, a partir do qual começa a nascer novamente, ou seja, até o Nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo, o "sol que nasce" (Lc 1,78).

O paralelo estabelecido pelos primeiros cristãos com a Sagrada Escritura em mãos, ou em mente, é claro: João é aquele que diminui, para que a luz de Cristo possa surgir. "É necessário que ele cresça, e que eu diminua" (Jo 3,30). Enquanto Jesus diz de João: "Entre os nascidos de mulher, não surgiu ninguém maior do que João Batista", usando o mesmo simbolismo — cristológico — da estrela ascendente. Toda a história da salvação se beneficiou e se beneficia da luz "minguante" de João, para que a luz de Cristo possa aumentar e crescer.

Bach compôs e editou quatro Cantatas para esta festa. Você percebe alguma afeição especial por Batista?

Seu nome de batismo era Johann. Todos os membros da família tinham Johann como primeiro nome. Penso em João Batista – mais do que no Evangelista – porque a figura do Batista tem fortes implicações com o canto e a música. O Batista é, ainda hoje, o santo padroeiro dos cantores. Lembremo-nos de que o Batista é "a voz do que clama no deserto" (Mc 1,3 e par.). João é a "voz", Cristo, a "Palavra".

A vida do próprio João Batista, segundo os Evangelhos, é marcada por "eventos musicais": na primeira menção que temos dele no Evangelho de Lucas, o próprio João dá uma cambalhota de dança e alegria no ventre de sua mãe Isabel (Lc 1,41). Até mesmo a história de seu martírio é permeada por música e dança, onde sua cabeça, decapitada, é trazida como prêmio pela dança de Salomé (Mc 6,17-29).

É interessante notar, então, que quando Jesus usa metáforas musicais, o Batista é citado: "Tocamos flauta para vocês, e vocês não dançaram; cantamos um canto fúnebre, e vocês não choraram. João veio... e disseram: ele tem um demônio" (Mt 11,16-19).

A figura de São João Batista apresenta outras conexões, talvez insuspeitas, com a história da música. Basta dizer que as sílabas iniciais com as quais as notas musicais foram indicadas pela tradição latina vêm dos versos do hino Ut queant laxis que recitamos hoje no Ofício das Leituras:

Ut queant laxis/ Re sonare fibris/ Mira ra gestorum/ Fa muli tuorum/ Sol ve polluti/ La bii reatum/ Sancte Iohannes.

As notas foram associadas às sílabas que lhes deram o nome pela primeira vez. A sétima nota – "si" – foi adicionada usando as iniciais de Sancte Iohannes. O Ut da primeira nota foi substituído pela sílaba "do" no período renascentista, simplesmente por razões de praticidade da pronúncia (porque é mais fácil pronunciar sílabas que começam com consoante).

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Qual é a história da Cantata BWV 30 para a festa da Natividade do Batista?

A Cantata BWV 30 foi executada pela primeira vez, em contexto litúrgico, na Nikolaikirche em Leipzig, em 24 de junho de 1738. Portanto, pertence a um período avançado na vida e produção de Bach, já distante do ritmo frenético de suas composições para os grandes ciclos litúrgicos criados no início da década de 1720.

Na cantata sacra BWV 30, Bach toma a liberdade de pegar a música de uma de suas cantatas profanas – hoje BWV 30 A – e transformá-la em uma cantata sacra, com texto sacro, usando a técnica de paráfrase ou paródia.

Como já tive ocasião de dizer aqui a propósito de outras famosas composições bachianas, a paródia, com a passagem do profano ao sagrado – ou do sagrado ao profano (menos frequentemente) – não é de modo algum uma operação que se possa caracterizar como imprópria, de pouca originalidade e valor, aliás a imitatio dos modelos mais bem-sucedidos foi e continua sendo uma faculdade própria do gênio artístico.

Consideremos também que estamos falando de uma música que ainda estava longe da era da “reprodutibilidade técnica”: executar uma música que já havia sido produzida em outras circunstâncias era a única maneira de perpetuá-la no tempo.

Embora a BWV 30 possa ser considerada uma paródia da BWV 30 A — ou seja, com a mesma música, mas com um texto diferente — não lhe falta uma profunda aderência entre música e texto, especialmente em algumas peças, além de trazer a marca sempre brilhante de Bach.

E o texto?

O autor do texto provavelmente será identificado, como de costume, em Christian Friedrich Henrici, conhecido como Picander, o libretista – ele próprio músico – por quem Bach nutria grande estima. Mas, como sempre, devemos assumir um material textual composto e preexistente, já retrabalhado por muitas mentes, corações e mãos.

O Coral Central (n.º 6) – que justifica, com o seu texto, a atribuição à festa de João Batista – pertence à tradição da Igreja Luterana, ainda que não seja muito conhecido e executado hoje. Começa com as palavras "Eine Stimme lässt sich hören…". Uma voz se ouve alta e forte no deserto: a dimensão “vocal” do Batista aparece ali muito evidente.

O texto do coro de abertura (n. 1) – "Freue dich, erlöste Schar", Alegrai-vos, salvos – convida, sem dúvida, os fiéis à alegria, qualquer que seja a sua condição de vida.

Nos Recitativos e Árias que se seguem, nem sempre se encontra, na verdade, uma grande ligação com a festividade litúrgica em curso e, portanto, com a figura do Batista: os temas subjacentes são sempre os grandes temas da salvação em Cristo.

No entanto, no texto da Ária Baixo (n.º 3) fala-se do servo fiel que prepara os caminhos do Senhor. No recitativo Alto (n.º 4) aparece o arauto que anuncia o Rei e que exorta a caminhada até Ele. No texto da ária Alto (n.º 5) ecoa o imperativo da conversão, típico do Batista: vinde, pecadores. Nas palavras do Recitativo Baixo, que abre a segunda parte (n.º 7), João é aludido – como o último dos profetas do Antigo Testamento e o primeiro do Novo Testamento – através do pacto com os Padres, com referências, portanto, ao Benedictus e ao Magnificat. No conteúdo da Ária Soprano (n.º 10) o apelo a apressar-se para as moradas de Quedar com o Senhor, na união tão desejada: da morte para a vida, torna-se mais premente para o fim; a referência à vida de João está implícita.

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Como Bach musica esse texto – seja uma paródia ou não?

Ouçamos o primeiro refrão (vídeo a seguir). Ele transmite energia, vitalidade, alegria, é uma explosão de alegria. O efeito vem do ritmo sincopado que, por si só, traz um movimento instintivo, um impulso em direção a algo ou a Alguém. Então, assume, de certa forma, a forma de uma dança de festival campestre – como o Rondó – revelando assim, talvez, a origem profana da Cantata, ou melhor, aquela profunda interpenetração que sempre existe entre o sagrado e o profano, entre a natureza e o sobrenatural.

A primeira ária do Baixo (n.º 3) é notável por sua capacidade musical de sublinhar as palavras-chave do texto: "Gelobet sein Name", Louvado seja o seu nome; ou "Weg", o caminho do Senhor. Essas palavras recebem um tratamento musical muito importante (vídeo a seguir), extraordinário para uma peça para a qual se presume que a música foi pensada primeiro e o texto em segundo.

A Ária do Contralto (n.º 5) é uma criação única: uma espécie de ilusão acústica para o ouvinte, que não pode deixar de se surpreender com harmonias inesperadas, de certa forma revolucionárias, de uma beleza sempre presente (vídeo a seguir).

Bach nos envolve em uma doce dança de gaivota: assim como em outras peças, ele quer expressar a doce aspiração da alma por Deus. O efeito tímbrico dos instrumentos que antecipam, acompanham e seguem a voz do contralto é notável.

A Ária de Baixo da segunda parte (n. 8) apresenta outro ritmo de dança, típico das danças escocesas: não sabemos se Bach conhecia o folclore escocês, o fato é que é uma música capaz de dar à peça um efeito de transporte, de determinação “crente” no ouvinte.

A Ária Soprano (n.º 10) [vídeo a seguir] levanta realmente a questão de saber se é verdade que a Cantata profana precedeu a sacra, tal é a adesão da música ao texto e tanto exalta o desejo de uma “união mística” que também encontramos em muitas outras obras-primas de Bach.

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Chiara, por que sugerir que os leitores ouçam esta Cantata na íntegra hoje, na Natividade de São João Batista, também na Igreja Católica?

Porque é capaz de nos dar um sentido de solenidade e celebração, mesmo que sejamos um dia de semana como tantos outros. É uma celebração muito importante para os cristãos, aquela dedicada ao Batista: ele é uma figura de fé.

24 de junho de 2025: Como podemos ouvir a música divina de Bach – com as palavras de abertura e encerramento: Alegrai-vos, povo salvo… o tempo da vossa felicidade nunca terminará – enquanto palavras e imagens de destruição e morte fluem diante dos nossos olhos em profusão?

São João Batista é o primeiro a anunciar o Evangelho, isto é, a boa nova: "Eis o Cordeiro de Deus, que tira o pecado do mundo!" (Jo 1,29). Esta é a boa nova por excelência, aquela que nos permite viver todas as notícias do mundo – inclusive as ruins e as muito ruins – com um sentimento íntimo e profundo de consolação, alegria e esperança.

Justamente no momento em que nos encontramos nessa desgraça – como vencidos –, sentimo-nos acariciados pela misericórdia de Deus, absolvidos e libertos do pecado do mundo – feito de egoísmo e de agressividade – que também habita em nós; projetados, portanto, numa perspectiva escatológica em que as coisas do mundo e da história, sem nos distanciarmos delas, são iluminadas de outro modo.

Acesse o texto da Cantata na íntegra aqui.

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