09 Junho 2025
A leitura das mensagens e dos gestos do papa Prevost permite afirmar, em linhas gerais, uma continuidade nas orientações traçadas por seu antecessor: diálogo aberto com a sociedade enfrentando seus problemas e, ao mesmo tempo, reforma da Igreja.
A informação é de Washington Uranga, publicada por Página 12, 09-06-2025.
Robert Prevost foi eleito como o novo papa Leão XIV no dia 8 de maio passado. Um mês é muito pouco tempo para estabelecer quais serão os eixos do pontificado deste norte-americano que também optou pela cidadania peruana e escolheu viver parte de sua vida sacerdotal em território desse país latino-americano. Mas um mês pode ser também tempo suficiente para interpretar — nas declarações, nos textos e nos gestos — os primeiros indícios do que pode ser um longo pontificado deste homem que hoje tem 69 anos de idade. Servem os discursos e os posicionamentos posteriores à sua eleição na Capela Sistina, mas também os dados que emergem de sua trajetória eclesiástica.
O que muitos analistas — externos e internos — tentam responder da forma mais rápida é se Leão XIV dará continuidade às iniciativas de Francisco que implicaram um claro processo de renovação da Igreja Católica, tanto em sua relação com a sociedade quanto na reforma da própria vida da instituição católica.
É uma pergunta que até hoje não tem uma resposta categórica, embora haja alguns indícios que se desprendem das declarações, dos gestos e do estilo do novo papa. À primeira vista, surge que Prevost é portador de um estilo mais calmo, sereno e até mais apegado às formas do que aquele que Bergoglio havia instaurado desde sua chegada ao Vaticano. Ficou evidente desde o momento em que Leão apareceu nas varandas da Praça de São Pedro para fazer sua primeira alocução como papa. Assim como Bergoglio decidiu se desfazer de certos trajes tradicionais, Prevost recuperou a mozeta (a capa curta vermelha) e a estola para se apresentar em público. Alguns se apressaram a interpretar essa decisão como uma mensagem aos setores mais conservadores que criticaram muito Francisco, também por seu desapego às formas.
Nada indica, pelo menos por enquanto, que mesmo quando Leão se apega às formas de uma maneira que Francisco não o fez, isso possa ser interpretado como um traço conservador. Embora essa seja uma forma de piscar o olho e estender pontes para os setores de direita de uma igreja que o novo papa sabe e conhece estar gravemente dividida.
Como contrapartida, ele decidiu não reabilitar o cardeal italiano Angelo Becciu, destituído por Francisco, condenado por desvio de fundos, impedido de exercer como cardeal e excluído do conclave. Recebeu-o, ouviu-o, mas não levantou as sanções.
Até hoje, Leão ainda não decidiu formalmente qual será seu local de residência. Por enquanto, voltou aos palácios vaticanos rejeitados por Francisco para se instalar em Santa Marta, outro motivo de incômodo para os conservadores. Não se descarta que Prevost escolha um caminho intermediário e acabe fixando sua residência na cúria geral dos agostinianos (sua congregação), em Roma, para viver em comunidade, embora vá todos os dias para “seu trabalho” nos escritórios vaticanos.
Também não realizou até o momento nomeações importantes — os nomeados por Bergoglio continuam em funções — nem confirmou planos de viagens ao exterior, embora tenha prometido ir ao Peru e visitar a Argentina.
Em grande parte de suas aparições públicas, Leão XIV não só elogiou a gestão de Francisco — de quem Prevost foi colaborador próximo —, como reiterou a proposta participativa de sinodalidade impulsionada pelo papa argentino. Tudo indica que não haverá retrocesso nesse aspecto, que também implica maiores níveis de inclusão dos leigos — particularmente das mulheres — na gestão e na tomada de decisões. Mas Leão XIV está preocupado com a divisão na Igreja, algo que conhece de perto por ter exercido como prefeito (ministro) da Congregação para os Bispos nos dois anos anteriores. Em 2023, numa entrevista concedida à Vatican News, o então cardeal Prevost afirmou que “as divisões e as polêmicas na Igreja não ajudam em nada. Especialmente nós, os bispos, devemos acelerar o movimento rumo à unidade, rumo à comunhão na Igreja”. Bergoglio usava a expressão da Igreja como “hospital de campanha” capaz de curar. “Se você quer ajudar alguém, não pode pensar em se manter à distância, tem que se envolver, se sujar, talvez até se contaminar”, disse Prevost.
Sendo cardeal, Prevost manifestou reservas quanto à ordenação sacerdotal e ao diaconato das mulheres, argumentando que essa não é a solução para um problema maior, que é a “clericalização”. Será preciso observar como esse debate evolui.
Há outra agenda em relação às questões sexuais, de casal e da comunidade LGBTQ+. Francisco autorizou as bênçãos às uniões “irregulares”. Isso irritou os conservadores e, já em 2024, Prevost, sem negar Bergoglio, falou da necessidade de dialogar sobre esse tema com cada conferência episcopal para também atender às diferenças culturais no mundo todo. As comunidades religiosas LGBTQ+ mantêm expectativas positivas e esperam ser ouvidas pelo novo papa.
Em seu primeiro discurso na Praça de São Pedro já como papa, Leão XIV manifestou seu desejo de trabalhar por uma “igreja sinodal, que caminha unida, que busca sempre a paz, que busca sempre a caridade e estar perto especialmente dos que sofrem”.
Não foram palavras improvisadas, algo que Francisco havia feito em ocasião semelhante. Prevendo que poderia ser eleito, Prevost se recolheu em seu quarto na hora do almoço do dia da votação final e escreveu o texto que finalmente leu.
Ali há definições que implicam continuidade com o legado de Francisco e que, em certo sentido, podem confirmar a hipótese de que o argentino o havia apontado como seu possível sucessor. Tudo na linha do Concílio Vaticano II — ao qual Leão XIV reiterou sua plena adesão — e seguindo os passos da Evangelii gaudium de Bergoglio.
Está presente a preocupação com a paz no mundo. “Nunca mais a guerra!”, vem repetindo o papa, com referência especial ao conflito entre Rússia e Ucrânia e às massacres em Gaza. Mas não foram apenas discursos: ele colocou toda a diplomacia vaticana para trabalhar na busca de contribuir para uma paz “justa e duradoura”.
É inquestionável o olhar atento de Leão XIV para os pobres e sofredores. Nesse aspecto, ele não só segue Francisco, como se nota sua “marca” latino-americana. Um dado: poucos dias após assumir, participou no Vaticano de uma reunião com mais de trezentos líderes de movimentos sociais que estava programada por seu antecessor. Disse a eles que “construir a paz começa por estar junto às vítimas, compartilhando seu ponto de vista”.
Também é evidente sua preocupação com a mudança climática, sempre presente no magistério de Francisco. Para Prevost, “o domínio da humanidade sobre a natureza não deve ser tirânico”, mas “uma relação de reciprocidade”.
No que toca ao social, o fato de ele próprio ter admitido que escolheu o nome Leão por um papa que gerou o fundamento da “doutrina social da Igreja” revela sua perspectiva. As críticas ao capitalismo, sem dúvida, continuarão, assim como a defesa dos direitos sociais.
O estilo comunicativo de Leão XIV difere do de seu predecessor, mas suas palavras e diretrizes de ação são semelhantes às de Francisco. E, como apontou José Manuel Vidal em Religión Digital, com Leão XIV “entramos no que está chamada a ser a era da segunda síntese. O que isso significa? Que a Igreja continua avançando, mas o faz com outro ritmo, de outra maneira, com outro tom, com outro estilo.”