Do progresso ao declínio: um colapso civilizatório

Fabian Scheidler, jornalista alemão, é o palestrante da videoconferência “A erosão do Ocidente e o futuro do sistema internacional”, promovida pelo Instituto Humanitas Unisinos - IHU nesta terça-feira, 27-05-2025

24 Mai 2025

Racionalidade, liberdade individual, progresso infinito, autonomia: essa foi a promessa da civilização ocidental capitalista. Guerras bárbaras, hedonismo narcisista, um sistema econômico que consome o planeta e uma angústia existencial generalizada foram o que recebemos. A razão, antes ferramenta de libertação, hoje serve à manipulação algorítmica e ao controle psicológico. O indivíduo, outrora exaltado como soberano, encontra-se isolado, ansioso e sem rumo, imerso em uma liberdade que já não sabe como usar e escravizado pelo trabalho que o desumaniza. Muitas tragédias ambientais, justificadas por uma lógica que transforma tudo em recurso — inclusive a vida — já não possuem mais remédio. O bem-estar, que deveria ser financiado pelo desenvolvimento econômico sem fim, é privilégio restrito a uma minoria; a maior parte da população mundial permanece abandonada à pobreza e à violência, impedida de participar da festa capitalista. Estes parecem ser os sinais de decadência de um projeto civilizacional que acreditou não possuir limites.

O esgotamento dos valores e mitos que sustentaram o Ocidente até aqui, e a sua ruína iminente, já são previstos por Fabian Scheidler, jornalista, dramaturgo, historiador e autor de O fim da megamáquina: nas pegadas de uma civilização em colapso (Icaria Editorial; Abya-Yala Editorial, 2021). O estudioso alemão se preocupa em entender as razões mais profundas das grandes crises que enfrentamos hoje, dentre elas a destruição da natureza, o risco de guerra nuclear e a extrema desigualdade. Em sua obra, ele utiliza a metáfora da megamáquina para descrever o capitalismo — sistema que integra poder econômico, político, militar e ideológico em uma engrenagem global de dominação, exploração e destruição por parte do Ocidente.

Embora essa maquinaria seja extremamente poderosa, ela já está colidindo com os limites ecológicos do planeta e com o fim da hegemonia cultural que acreditava em sua capacidade infinita. “Atualmente, estamos testemunhando como um planeta inteiro que levou quatro bilhões de anos para evoluir está sendo destruído por uma máquina econômica global que produz enormes quantidades de bens e, ao mesmo tempo, enormes quantidades lixo, riqueza exorbitante para poucos e empobrecimento maciço, ociosidade sem sentido e excessos de trabalho permanente”, constata.

Apesar do cenário sombrio e incerto que se apresenta, Scheidler se opõe ao pensamento apocalíptico que resulta do sentimento de impotência e apavora as sociedades contemporâneas. Ele explica que “a resposta do povo oprimido foi, em muitos casos, um pensamento apocalíptico. É um tipo de ideia que nasceu da impotência: quando não há possibilidade de derrotar os poderes terrenos, que concentram todo o domínio econômico, militar e ideológico, a única esperança está na intervenção divina”.

A megamáquina parece mesmo impossível de ser contida, mas ela ainda é operada por pessoas que, portanto, poderiam parar de operá-la. O escritor acredita em outros tipos de sistemas, que limitam as forças destrutivas da engrenagem capitalista e desenvolvam outras lógicas possíveis. Para ele, as sociedades ocidentais precisam repensar o caminho trilhado até aqui e se reorientar — processo que já está ocorrendo, ainda que lentamente.
Esta é uma transformação que atinge os fundamentos da nossa civilização. A questão não é se essa transformação ocorrerá — certamente ocorrerá, gostemos ou não —, mas como ela ocorrerá e em que direção se desenvolverá.

Fabian Scheidler será o primeiro conferencista do Ciclo de Estudos A gramática do poder global. Desocidentalização, tecnoautoritarismos e multilateralismo no século XXI, promovido pelo Instituto Humanitas Unisinos – IHU. Neste 27 de maio, terça-feira, o jornalista ministrará a videoconferência “A erosão do Ocidente e o futuro do sistema internacional”, às 10h. O evento é aberto ao público e será transmitido na Página do IHUYouTubeFacebook e Twitter.



Sobre o evento

Quatro anos após a pandemia, o mundo enfrenta tensões geopolíticas, como a disputa entre China e EUA, catástrofes climáticas, especialmente no Sul global, conflitos armados, desdolarização e reorganização do capitalismo, além da ascensão da extrema-direita e da ameaça à democracia.

Esse contexto reflete o declínio do Ocidente e a ausência de alternativas ao capitalismo, com uma transição instável rumo a uma possível ordem multipolar. O avanço da extrema-direita, impulsionado pelas redes digitais e marcado pela promoção do caos e desregulação, ameaça as instituições democráticas e se fortalece em diversas partes do mundo.

Paralelamente, antigas estruturas econômicas e políticas desmoronam diante da ascensão de um tecnofeudalismo, em que plataformas digitais concentram poder e transformam usuários em produtores de dados, reforçando desigualdades e formas de exploração, principalmente no Sul global. A lógica do hipercolonialismo digital mantém a exploração econômica e simbólica, enquanto rejeita fisicamente os povos migrantes por meio da militarização das fronteiras.

As migrações atuais são resultado das guerras, da pobreza, das perseguições e das mudanças climáticas extremas. No entanto, essas crises humanitárias muitas vezes são ignoradas por organismos internacionais, aprofundando a instabilidade global. O mundo vive, assim, um período de transição caótica, com incertezas, retrocessos democráticos e novas formas de dominação e resistência.

Vivemos um momento histórico marcado por grande complexidade, com desafios interligados, como mudanças climáticas, desigualdades, conflitos, crises migratórias, avanços tecnológicos e transformações políticas globais. O Ciclo de Estudos A gramática do poder global. Desocidentalização, tecnoautoritarismos e multilateralismo no século XXI busca analisar esses fenômenos de forma interdisciplinar, promovendo reflexões sobre suas implicações éticas, políticas e culturais. O objetivo é interpretar as mudanças em curso e incentivar respostas coletivas e críticas, ampliando a compreensão dos desafios contemporâneos e inspirando novas formas de ação para o presente e o futuro.

Não é necessária inscrição para participar, mas será fornecido certificado a quem se inscrever e, no dia do evento, assinar a presença por meio do formulário disponibilizado durante a transmissão.

Programação completa do evento

A segunda conferência acontecerá em 12 de junho, também às 10h. A consultora política e pesquisadora independente Dra. Alexandra Sitenko ministrará a palestra Sul global. Projetos, demandas e perspectivas na arena do poder mundial.

Em 01 de julho, Manlio Graziano, especialista em geopolítica e geopolíticas das religiões, debaterá A guerra de Trump. Desequilíbrios internos e caos internacional. A conferência ocorrerá às 10h.

O Prof. Dr. Mattia Diletti ministrará a conferência Sociedade e política na era Trump II. Ideologias e neocolonialismos, às 10h do dia 29 de julho.

A conferência O uso da inteligência artificial na indústria militar. A nova gramática da guerra encerrará o evento. O tema será discutido pelo Prof. Dr. Claude Serfati, às 10h do dia 05 de agosto.

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