“Foi assim que a Prevost nos ajudou a vencer a batalha contra os abusos no Peru”

Foto: Vatican Media

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14 Mai 2025

Paola Ugaz é a jornalista que lhe deu o lenço em Roma: "Seu apoio após as acusações contra a Congregação para a Doutrina da Fé"

A reportagem é publicada por La Repubblica, 14-05-2025.

Parece ter saído da pena de Dan Brown, mas é uma história real e seus protagonistas são um jornalista peruano, um poderoso e corrupto movimento católico de direita e dois papas, Francisco e Leão. O nome da jornalista é Paola Ugaz e há dois dias, diante das câmeras do mundo inteiro, ela colocou no pescoço do novo Papa um lenço colorido feito de lã de alpaca dos Andes. "Eu tinha vindo a Roma para acompanhar o Conclave, tinha levado a Prevost os seus adorados chocolates Chiclayo – disse ela ao Repubblica – poucos dias depois que ele tornou-se Papa".

O Papa Leão XIV usa a chalina, um cachecol peruano feito à mão e doado pela jornalista peruana Paola Ugaz (Foto: Vatican Media)

Os Crimes da Irmandade

Em 2015, Paola Ugaz e outro jornalista, Pedro Salinas, escreveram o livro Mitad monjes mitad soldados (Meio monges, meio soldados), no qual denunciaram os abusos cometidos durante anos peloa Sodalício da Vida Cristã, um movimento conservador fundado em Lima no início da década de 1970 pelo leigo peruano Luis Fernando Figari, que contava com amplo apoio tanto entre a classe média alta do Peru quanto no Vaticano de João Paulo II. Sabe-se hoje que Figari e seus principais colaboradores abusaram sexualmente de pelo menos 36 membros do movimento, 19 deles menores. Sabe-se que o "golfinho" de Figari, o alemão Doig Klinge, que morreu repentinamente em 2001, abusou de dois jovens; sabe-se que outro líder, Daniel Bernardo Murguía Ward, foi pego em flagrante pela polícia enquanto fotografava em um quarto de hotel em Lima uma menor nua que acabara de pegar na rua; sabe-se que as mulheres da Associação têm reclamado de condições de servidão e abusos psicológicos; e sabe-se que as empresas comerciais ligadas à Associação lucraram muito às custas dos trabalhadores.

A investigação jornalística

Os primeiros a descobrir esse escândalo — que também foi noticiado ao longo dos anos pelo semanário espanhol Vida Nueva e pelo site americano Crux — foram Pedro Salinas, ex-integrante e vítima da gangue, e Paola Ugaz. Quando o Papa Francisco visitou o Peru em 2017 e viu Dom José Antonio Eguren, bispo de Piura e poderoso defensor do  Sodalício, aparecer ao lado dele em um evento público, eles protestaram: ela no Twitter, ele com um artigo no jornal La Mula. Eles foram denunciados e um julgamento teve início.

Quando Prevost aparece

"A Via Crucis", diz hoje o jornalista freelancer, "a frase já estava escrita". Pedro Salinas foi condenado a uma multa de 40 mil euros, o julgamento de Paola Ugaz seria aberto logo em seguida. E é nesse ponto que surge Robert Francis Prevost, então bispo de Chiclayo, vice-presidente da conferência episcopal peruana e chefe da comissão de escuta às vítimas de abusos. Que, juntamente com o núncio apostólico Nicola Girasoli e os bispos Carlos Castillo Mattasoglio e Pedro Barreto, escreveram uma declaração de solidariedade aos dois jornalistas.

Francesco intervém

Não só isso: eles contam com a intervenção do Papa Francisco. Bispo Eguren retira as acusações e julgamento evapora. “Depois do livro, Pedro e eu começamos a receber muitos outros depoimentos de abuso”, diz Ugaz. “Prevost nos ajudou muito.” O futuro Papa Leão XIV fez mais: tentou envolver a Conferência Episcopal Peruana, mas se viu encurralado, e então começa a se encontrar com as vítimas do Sodalício.

Dinheiro e notícias falsas

A jornalista prossegue, investiga o dinheiro do Sodalício e descobre que os trabalhadores rurais acusam o Bispo Eguren de cumplicidade no roubo de terras pelos latifundiários. A máquina de lama entra em ação: jornais e magistrados próximos à associação começam a acusar os dois jornalistas de corrupção. Uma viagem de Paola Ugaz é organizada pelo Papa, uma parada em Londres, é fevereiro de 2020, a pandemia eclode, a Itália está fechada, ela retorna de Londres para o Peru. Ela conseguiu se encontrar com o Papa Francisco em novembro de 2022: "Fiquei com ele uma hora, pedi que enviasse alguém a Lima para investigar". Bergoglio envia D. Charles Scicluna e Jordi Bartomeu, a dupla de investigadores que já descobriu os abusos da Igreja no Chile. "Eles confirmaram nossas descobertas e descobriram muito mais." Eles retornam a Roma com um dossiê tão grande que o bispo Eguren renuncia. Sodalício começa a espalhar o boato de que Prevost encobriu os abusos cometidos por um padre de sua diocese contra três irmãs. “Não tenho dúvidas de que foi uma campanha da Associação – diz Paola Ugaz – eu investiguei, foi exatamente o oposto de um encobrimento. Prevost se encontrou com as vítimas, as incentivou a denunciar e enviou o dossiê ao Dicastério para a Doutrina da Fé".

Última posição

No final o caso está encerrado. Mas a máquina de lama também volta a atacar jornalistas. “Eles me acusaram de ser a chefe de uma quadrilha de tráfico de drogas!” diz a jornalista. Retornei a Roma para ver Prevost. No dia 7 de dezembro, Paola Ugaz e Pedro Solinas, juntamente com a jornalista americana Elise Harris Allen, foram recebidos pelo Papa Francisco, que lhes prometeu que dissolveria o Sodalício. Enquanto isso, ele fica doente, é hospitalizado e depois deixa o hospital. Uma semana antes de morrer, Francisco dissolveu a Irmandade. "Finalmente me senti feliz, aliviada. Escrevi uma mensagem de agradecimento ao Prevost – ela diz – Bem… agora ao Papa."

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