08 Mai 2025
Parlamentares querem manter jabutis pró-combustíveis fósseis em lei das eólicas offshore, enquanto usina a carvão volta a operar no RS.
A reportagem é publicada por ClimaInfo, 07-05-2025.
Preparem-se: se depender dos deputados federais e senadores, sua conta de luz ficará mais cara e por muito tempo. Além disso, a geração de eletricidade no Brasil, hoje uma das mais limpas do planeta, ficará mais suja, emitindo mais gases de efeito estufa (GEE) e agravando as mudanças climáticas. Culpa também dos parlamentares. Isso enquanto a usina de Candiota 3, movida a carvão – o pior dos combustíveis fósseis, tanto em preço da energia como em emissões –, que estava sem contrato, volta a operar no Rio Grande do Sul, ainda sem muita explicação do porquê. E num mês no qual já estamos pagando mais pela eletricidade, devido à bandeira amarela estabelecida pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel). Uma cobrança extra de R$ 1,885 a cada 100 quilowatts-hora (kWh) consumidos.
Num país rico em fontes renováveis de energia, mais limpas e mais baratas, como é o Brasil, isso parece absurdo. E é. Mas o lobby do gás fóssil e do carvão – associados ao lobby ruralista e a outros – domina o Congresso Nacional. Sob influência de grupos econômicos como a Âmbar Energia, dos irmãos Joesley e Wesley Batista, da JBS, e do “rei do gás” Carlos Suarez, deputados e senadores empurram goela abaixo da população uma eletricidade mais cara e mais poluente. Pior: tentam convencer de que se trata de garantir “segurança energética”, enquanto mais da metade dos brasileiros não consegue pagar suas contas de luz e os constantes apagões em inúmeras cidades brasileiras nada têm a ver com disponibilidade de energia.
De novo, o sinal dessa “força nada oculta” envolve a regulamentação das usinas eólicas offshore, a serem instaladas no litoral brasileiro. A lei 15.097/2025, que trata do tema, foi promulgada pelo presidente Lula em janeiro com vetos a benefícios a termelétricas a gás fóssil e carvão – “jabutis” [matérias estranhas ao tema] que foram colocados na legislação por parlamentares. Agora, o Congresso avisou ao presidente que analisará os vetos nos próximos dias – e que vai derrubá-los. Uma lei que trata de energia renovável, mais barata, vai beneficiar energia fóssil, mais cara, por causa dos parlamentares. Quem lucra com isso? Certamente não o cidadão brasileiro. Quem pagará essa conta? Quanto a isso, não há dúvidas: você, eu, todos nós. E o clima, que será impactado pelas emissões dessas usinas sujas.
A Frente Nacional dos Consumidores de Energia (FNCE) calculou que esses e outros “jabutis” na lei das eólicas offshore (instaladas em alto mar) gerarão um custo adicional de R$ 20 bilhões por ano nas contas de luz até 2050. São quase R$ 8 a mais nas contas mensais de luz a cada 100 quilowatts-hora (kWh) consumidos. É como se a bandeira vermelha nível 2 – a mais cara do sistema de bandeiras tarifárias da ANEEL – se tornasse permanente. O valor será quatro vezes o custo da bandeira amarela que estamos pagando agora. De forma permanente, todos os meses e por pelo menos 25 anos, é preciso repetir.
Outra dor no bolso do consumidor, pouco contabilizada, mas bastante sentida, vem do clima. Afinal, quanto mais emissões, mais as mudanças climáticas se agravam. Isso se traduz em eventos extremos, como os temporais e inundações que atingiram o Rio Grande do Sul em maio do ano passado, ou as secas incomuns que acometeram boa parte do Brasil em 2024 e alimentaram incêndios catastróficos no Pantanal e na Amazônia.
Além dos estragos imediatos, com perdas de vidas humanas e materiais, o clima extremo afeta a produção de alimentos, aumentando seus preços. Sentimos bastante essa componente climática da inflação nos últimos meses, especialmente nos preços do café, dos ovos, do azeite e até do chocolate. Não é entressafra: é clima extremo.
Pois bem: os “jabutis” pró-combustíveis fósseis que deputados e senadores querem manter na lei das eólicas offshore provocarão emissões de mais de 250 milhões de toneladas de dióxido de carbono equivalente (tCO2e) até 2050, somando usinas a gás fóssil e a carvão. Os cálculos são do Instituto de Energia e Meio Ambiente (IEMA).
A título de comparação, o 3º Inventário de Emissões Atmosféricas em Usinas Termelétricas relativo a 2022, também elaborado pelo IEMA, mostra que as 72 termelétricas a combustíveis fósseis já conectadas à rede elétrica brasileira emitiram 19,5 milhões de tCO2e naquele ano. Ou seja, estamos falando de um acréscimo de mais de 50% nas emissões numa única manobra no Congresso Nacional. Quem pagará a inflação climática que essas emissões provocarão? Pois é, já sabemos.
Mas o poderoso lobby do gás fóssil e do carvão não se restringe à “rebeldia” parlamentar na legislação das eólicas. Sem grande alarde, a termelétrica de Candiota 3, no Rio Grande do Sul, da Âmbar Energia, voltou a operar, mesmo sem contrato desde janeiro. As informações sobre o motivo desse retorno não estão claras. Mas é quase certo que é mais uma pressão para garantir lugar dessa energia suja e cara na matriz elétrica brasileira.
Somente isso justificaria o fato de a Âmbar investir R$ 150 milhões em manutenção e modernização da usina somente neste ano, como informou a empresa. Ao mesmo tempo, o governo do Rio Grande do Sul lançou uma consulta pública sobre um “plano de transição energética justa”, que, pasmem, inclui as termelétricas a carvão. Num estado que foi duramente castigado por chuvas e inundações agravados pelas mudanças climáticas, como já comprovaram estudos científicos. Mudanças climáticas que têm na queima do carvão, do petróleo e do gás fóssil sua principal causa. Um círculo vicioso ignorado tanto pelo lobby pró-combustíveis fósseis como por políticos gaúchos, a ponto de reivindicarem do governo federal uma medida provisória para manter essas usinas funcionando.
A luta contra o lobby dos fósseis é difícil, mas a batalha não está perdida. Como a parte que vai pagar a conta, seja nas contas de luz, seja nos supermercados ou nas feiras livres, a população precisa cobrar dos parlamentares que elegeu que defendam seus interesses, e não os de alguns grupos econômicos sempre acostumados a ganhar muito e a pagar pouco.
Ainda há tempo de reverter a “rebeldia” de deputados e senadores e manter fora da lei qualquer benefício para gás e carvão. Assim como exigir que usinas como Candiota 3 e outras plantas a combustíveis fósseis não sejam contratadas. Nós, eleitores, precisamos exigir dos parlamentares que elegemos que não aumentem nossas contas de luz. Nem a produção elétrica do Brasil nem o clima precisam dessa energia cara e suja.