08 Mai 2025
A duração e o andamento do Conclave dependerão do grau de convergência sobre as necessidades atuais da Igreja alcançadas nas congregações gerais de cardeais e, depois, da capacidade dos ‘costuradores’ de fazer convergir o consenso sobre o candidato mais adequado”. Essa é a previsão de Daniele Menozzi, professor emérito da Escola Normal Superior de Pisa, um estudioso da Igreja e do papado nos tempos modernos e contemporâneos.
A entrevista com Daniele Menozzi, historiador italiano, é de Luca Kocci, publicada por Il Manifesto, 07-05-2025. A tradução é de Luisa Rabolini.
Eis a entrevista.
Em todo caso, o ponto de partida é o Papa Bergoglio. Qual é o legado de seu pontificado?
Em termos gerais, pode-se dizer que uma Igreja baseada na pretensão de conduzir todos os ordenamentos públicos aos “valores não negociáveis”, extraídos de uma interpretação autorreferencial da lei natural, se transformou em uma Igreja que faz da figura evangélica do “Bom Samaritano” o sinal de sua relação com o mundo. O rosto de uma Igreja “mãe misericordiosa” em vez de “professora inflexível” revelou-se pastoralmente eficaz, mesmo para aqueles que haviam se afastado. Essa linha, depois, se traduziu em uma série de reformas.
Muitas, porém, permaneceram inacabadas.
Sim, especialmente no plano institucional. Estou pensando, em primeiro lugar, na reforma da cúria. Por exemplo, a implementação da nova orientação dada ao Dicastério para a Doutrina da Fé, evitar as condenações e promover os estudos, exige mais do que apenas uma carta de intenções, ainda que muito clara, enviada ao seu prefeito.
Que problemas permanecem em aberto?
Eu lembraria dois em particular, que Francisco confiou explicitamente ao seu sucessor: uma encíclica sobre a não violência ativa como resposta evangélica do cristão às violações da justiça com as armas e a regulamentação da instituição da renúncia do pontífice.
Alguns cardeais, mas não apenas eles, falam de uma “hermenêutica da continuidade” João Paulo II-Bento XVI-Francisco. Bergoglio não causou nenhuma ruptura?
Uma Igreja que faz da tradição uma das fontes de revelação não pode apagar o chamado à continuidade. No entanto, Bergoglio demonstrou, por meio de um aprofundamento da relação entre doutrina e pastoral, que é possível introduzir mudanças sem minar a ortodoxia tradicional. A nova atitude com relação às pessoas homossexuais é um exemplo disso.
A hermenêutica da continuidade é um estratagema retórico para eliminar, se possível, esse legado de seu pontificado.
Que direções a Igreja poderá tomar agora?
O pontificado de Francisco representou uma retomada de aspectos da atualização conciliar do Vaticano II, deixada de lado por seus antecessores. Basta pensar no reconhecimento eclesial de um dos sinais dos tempos já identificados por João XXIII: o novo protagonismo feminino. Bergoglio promoveu mulheres a cargos de governo na instituição eclesiástica. Pode não parecer muito, mas essa escolha deu à Igreja um rosto impensável há apenas dez anos. O sucessor será decisivo para a retomada e o desenvolvimento dessa orientação ou, ao contrário, para seu abandono.
A eleição papal pode ser influenciada por alguns estados, a começar pelos EUA de Trump?
Todo Conclave viu a intervenção de governos: o papel planetário da Santa Sé torna isso inevitável, apenas mudou sua modalidade. Em 1904, foi cancelado o direito, tradicionalmente concedido ao “cardeal da coroa”, de pôr um veto à eleição de um papa. A razão era o escândalo no Conclave de 1903, quando, devido ao Império Austro-Húngaro, o príncipe-bispo de Cracóvia pôs o veto à eleição papal do Cardeal Rampolla, que era considerado pró-francês. A partir do Conclave sucessivo, os cardeais intérpretes das instâncias políticas de seus países e os próprios governos recorreram a outros instrumentos para orientar a votação: informações deliberadamente vazadas para os meios de comunicação ou dossiês entregues aos eleitores. Não tenho dúvidas de que Trump, que pode se valer de cardeais como Dolan que compartilham muitas de suas opiniões políticas, mas também de outros governantes, está tentando influenciar a eleição. Se terão sucesso é outra questão: a imagem posta em circulação por Trump vestido como papa é provavelmente fruto de sua frustração pelos escassos resultados das pressões exercidas.
Em torno de quais linhas de falha os cardeais eleitores poderiam se agregar ou se dividir?
Um ponto de agregação é formado pelos cardeais que atuaram dentro do sínodo. Trata-se de cerca de sessenta eleitores que se reuniram e trabalharam juntos por dois anos. Uma maioria de dois terços é impossível sem eles. Portanto, pode-se presumir que o jogo decisivo entre as diferentes orientações será disputado sobre a continuação da renovação da Igreja em sentido sinodal e sobre seus conteúdos.
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