01 Mai 2025
“As medidas isolacionistas e discriminatórias poderão obstaculizar momentaneamente o fluxo comercial e o direito humano de migrar. Não poderão, no entanto, imobilizar o curso da história”, escreve Javier Tolcachier, pesquisador no Centro Mundial de Estudos Humanistas e comunicador da agência internacional de notícias Pressenza, em artigo publicado por Rebelión, 30-04-2025. A tradução é do Cepat.
Vivemos em uma época romântica. Esta afirmação pode soar grotesca diante da brutalidade e do pragmatismo que presenciamos no dia a dia. Com isso, no entanto, queremos expressar a ascensão de uma sensibilidade romântica, um movimento que teve seu auge na primeira metade do século XIX, como uma reação ao Iluminismo, dando prioridade aos sentimentos frente à razão.
A enciclopédia virtual Wikipédia nos informa: “É próprio deste movimento um grande apreço ao pessoal, um subjetivismo e individualismo absolutos, um culto ao eu fundamental e ao espírito do povo, em oposição à universalidade e a sociabilidade do Iluminismo no século XVIII”. Além disso, entre as principais características desta corrente estão a nostalgia por paraísos perdidos, com o consequente anseio de retornar a períodos anteriores falsamente idealizados, a valorização do diferente frente ao comum, e a exaltação nacionalista.
No plano artístico, o Romantismo mergulhou no exótico e no extravagante, buscando sua inspiração em culturas bárbaras e exóticas e na Idade Média, não na antiguidade clássica, como fizeram o Renascimento e seus herdeiros revolucionários, séculos depois. Os românticos amavam a natureza frente à civilização como símbolo de tudo o que é verdadeiro e genuíno. Diante da afirmação do racional, emergiu a exaltação do instintivo e sentimental, o que se refletiu fortemente, por exemplo, no movimento alemão Sturm und Drang (Tempestade e Ímpeto), que pode ser considerado um contraponto à expansão da preeminência francesa na cultura europeia no tempo da Revolução de 1789.
O romantismo alemão, inicialmente rebelde às formas classicistas reminiscentes do mundo greco-romano, foi usado pelo nazismo por sua glorificação ao nacional, fazendo parte do irracionalismo violento que levou às tragédias de meados do século XIX.
Quando a imagem de futuros possíveis se torna obscura e incerta, quando as mudanças aceleradas e as necessidades urgentes sufocam o presente de indivíduos e comunidades, estes voltam o olhar a cenários antigos em busca de respostas.
O passado social, a “volta às raízes”, oferece, então, a possibilidade de apoios existenciais que, embora remotos e fictícios, oferecem uma tranquilidade momentânea aos embates sofridos pela alma coletiva.
Esta é a semente da adesão a uma visão regressiva, que simula ser disruptiva, mas que expressa uma atitude reacionária, sobretudo contra os fatores que, segundo ela, são as causas imediatas da situação que se padece.
Deste modo, a virulência nacionalista e fundamentalista exibida por algumas das atuais lideranças conservadoras e o relativo apoio conquistado nada mais são do que reações aos avanços emancipatórios conquistados nas últimas décadas, em diferentes âmbitos. Reação que, como aconteceu em outras épocas, encarnou-se parcialmente em setores populares e juvenis, demonizando grupos sociais (migrantes, militantes políticos, defensores do multilateralismo, hoje, comunistas, judeus e ciganos, ontem) e figuras que lideraram mudanças favoráveis para o conjunto social.
Os anti-humanistas atuais se alimentam do espírito romântico, inflamando - mais uma vez - o particular e específico frente a um mundo que não controlam mais, um mundo no qual a primazia da cultura, o poder e até o modus vivendi ocidental estão sendo questionados por uma crescente reivindicação de paridade e universalismo.
Nesse contexto, não se deve confundir “globalização” – esquema economicista impulsionado pelas transnacionais para expandir seus impérios comerciais - com “mundialização”, um processo imparável no qual diversas culturas se comunicam e se entrelaçam em favor da conformação de uma civilização comum multiétnica.
As medidas isolacionistas e discriminatórias poderão obstaculizar momentaneamente o fluxo comercial e o direito humano de migrar. Não poderão, no entanto, imobilizar o curso da história.
A esses elementos que alimentam a visão retrógrada, soma-se a desintegração do tecido social, com o desaparecimento e a fugacidade dos vínculos que em outros tempos davam identidade e sustentação. Essa desarticulação é deficientemente compensada por bandeiras de afirmação identitária que também, em muitos casos, remetem a um suposto passado comum e se baseiam na diferença em relação aos outros.
Por outro lado, para além da atitude paradoxalmente contestatória e ao mesmo tempo conservadora de amplos setores juvenis, mal revestida por um tecnofetichismo gerido pelo capital concentrado, existe um processo de envelhecimento social acentuado em diversas regiões do planeta, sobretudo naquelas com maior opulência econômica. Essa tendência demográfica de aumento na expectativa de vida é consequência direta dos avanços na alimentação, na higiene, na saúde e nos cuidados. No entanto, o outro lado é o aumento do envelhecimento da população, o que pode redundar em certa inclinação mecânica a resistir mudanças e avanços emancipatórios, prendendo-se a tempos passados.
Mas os processos humanos são eminentemente dinâmicos e este período regressivo será seguido por um ciclo com outras características. Então, cabe perguntar: o futuro, onde está?
Não há dúvidas de que, hoje, os meios de comunicação e canais de notícias hegemônicos, tradicionais ou digitais, desenvolvem uma atividade que perdeu todo o decoro profissional, deixando de ser um serviço ao coletivo humano para se transformarem em uma máquina sensacionalista focada apenas no lucro de alguns poucos proprietários e achegados.
E é nessas telas que, lamentavelmente, grande parte da sociedade tenta formar uma imagem do que acontece e quais caminhos o processo humano pode tomar. Esses dispositivos enviesam e mostram muito pouco do que acontece. Sobretudo, são capazes de silenciar, manipular e atenuar, com mecanismos sutis, o que não interessa ao poder estabelecido.
A revolução não será televisionada, rezava um poema e uma canção satíricos de Gil Scott-Heron, que foi muito popular entre os membros do movimento Black Power, nos anos 1960, nos Estados Unidos. Suas letras mencionam séries de televisão, slogans publicitários e cobertura de notícias que servem como exemplos do que “a revolução” não será.
Nessas telas, cada vez menores e mais portáteis, mas gigantescas em seu alcance, não encontraremos o futuro, mas, sim, os vestígios de um mundo que morre.
O futuro está em outra tela, invisível por fora, mas sempre acesa no interior de cada ser humano. É no espaço da consciência que configuramos as imagens que movimentam o nosso corpo. É nele que os sonhos, as aspirações, as utopias e as intenções se misturam. É nele que os projetos, tanto individuais quanto coletivos, são formados.
Essas telas estão nas mãos de cada um, não exigem pagamento algum pelo seu uso e têm a enorme vantagem de que é possível e depende de cada um “trocar de canal”, o que tem consequências profundas para o mundo.
É aí que está o futuro.